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Pioneira da causa ecológica, Agapan celebra 50 anos
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural inaugurou movimento ambientalista no Brasil
Há 50 anos, quem se apresentava como ecologista precisava explicar para as outras pessoas o que é ecologia. A palavra, comum no vocabulário do século XXI, era naquela época restrita a quem se dedicava aos estudos da natureza e tentava entender a relação do ser humano com as outras espécies vivas. Em 1971, um grupo formado em Porto Alegre se dispôs a ampliar o alcance do termo e propagar uma forma de vida em harmonia com o meio ambiente. Nascia a Agapan, em 27 de abril daquele ano.
Pioneira do movimento ambientalista no Brasil e também no cenário internacional, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) surgiu do encontro de pessoas com histórias de vida distintas, unidas pelo propósito de preservar os recursos ainda abundantes no País, mas que já vinham sendo ameaçados. Alguns dos pioneiros foram José Lutzenberger, Augusto Carneiro e Hilda Zimmermann, já falecidos.
“A Agapan começou com essa visão clara de mudar valores”, resume Francisco Milanez, atual presidente e que participa do movimento desde o ano da sua fundação — na época adolescente, foi convidado por um amigo das irmãs mais velhas porque já falava sobre ecologia. Para ele, a Associação inaugurou o que hoje chamamos de ambientalismo, diferente do conservacionismo ambiental que se apresentava nos anos anteriores, pois passou a discutir também a forma do ser humano se desenvolver, explica.
Protesto de estudantes em 1975 impediu corte de Tipuana no Centro de Porto Alegre. Foto: AGAPAN/DIVULGAÇÃO/JC
Milanez recorda uma passagem do dia em que chegou lá, ao ser questionado por Lutzenberger sobre o que achou da reunião. O jovem expôs sua percepção: lutar contra o corte de árvores, então o foco da entidade, parecia tapar buraco. A discussão precisaria ser mais profunda, completou. A resposta de Lutzenberger apontou o caminho que a entidade trilhou nos anos que se seguiram: sim, é preciso mudar a cabeça das pessoas, mas também é preciso lutar para que não destruam tudo.
De fato, no cenário daquele momento estavam as podas e cortes indiscriminados de árvores, e conscientizar para a preservação pontual era necessário. A orientação para o manejo adequado dos vegetais marcou o início da atuação de Lutzenberger como ecologista na sua cidade natal, Porto Alegre, após passar anos fora trabalhando como agrônomo.
Inclusive tem relação com o corte de árvores um episódio marcante de 1975 que posicionou a atuação da Associação e a tornou mundialmente conhecida. Em fevereiro daquele ano, três estudantes subiram em uma Tipuana que seria derrubada pela prefeitura em frente a Faculdade de Direito da Ufrgs, na avenida João Pessoa. Ayoutube.com/agapan. Também será lançado um vídeo comemorativo com depoimentos gravados por alguns dos associados.
Conquistas, retrocessos e luta permanente
A luta histórica pela arborização e a busca por espaços públicos - e verdes - de lazer estão entre as maiores contribuições da Agapan para a sociedade na avaliação de Edi Xavier Fonseca, integrante do movimento ambientalista desde 1983 e presidente da Associação na primeira década dos anos 2000. Uma das funções dessas áreas verdes é equilibrar o microclima no seu entorno. “Agora, na pandemia, as pessoas se deram conta da importância de ter acesso a lugar público, ao ar livre, que tenha natureza”, expressa.
Para Edi, a maior vitória desde a fundação da Associação é a Constituição ambiental, já que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito previsto na Carta Magna brasileira de 1988. Antes disso, em 1981, o Brasil instituiu sua Política Nacional do Meio Ambiente. Mas, desde então, as alterações na legislação colocam em risco esses avanços, avalia, citando o recente exemplo do autolicenciamento. “Cada vez que se perde um pedaço dessa conquista, se percebe como é importante.”
Celso Marques se soma ao debate. Presidente da Agapan entre 1987 e 1992, ele avalia que, passados 50 anos da fundação da entidade, a mobilização que a originou “é mais atual do que nunca”. Para justificar o posicionamento, aponta retrocessos como a “destruição do nosso Código Ambiental”, no Rio Grande do Sul.
A vigília também aparece na fala de Francisco Milanez, que lembra a intenção do Palácio Piratini em liberar aqui o uso de agrotóxicos que não são autorizados no país de origem — conquista da mobilização dos ecologistas, que conseguiram incluir essa restrição na legislação estadual. Edi cita ainda a intenção de instalar, do outro lado do Guaíba, uma mineradora - o impacto com a poluição atingiria o seu entorno, com potencial de chegar a Porto Alegre.
Mas Marques destaca que “não só apresentamos problemas, depois de 50 anos também temos soluções”, usando como exemplo a agroecologia, que é a produção de alimentos sem agrotóxicos e com respeito à natureza, defesa feita pela Associação desde a sua formação. “A luta tem caráter educativo e (o ato da) educação é permanente. Por isso, a luta ambiental é permanente”, arremata Edi.
Consciência ecológica empresarial
O caso da Mina Guaíba, aliás, lembra outro que acompanhou a formação da Agapan e também tem relação com um empreendimento do outro lado do lago: o início da operação, em março de 1972, da indústria de celulose Borregaard, em Guaíba. A poluição das águas que banham a Capital e cidades da região metropolitana mobilizou a entidade ambientalista, mas foi o mau cheiro, carregado pelo vento até Porto Alegre, o que sensibilizou a opinião pública e a imprensa. Foram anos de denúncias, cobranças públicas e ações na justiça até que a empresa (que se transformou na Riocell, passou para a Aracruz e hoje é a CMPC) incorporasse as melhores tecnologias disponíveis para tratamento dos seus efluentes.
“O episódio da Borregaard é muito importante para a formação da consciência ecológica no Rio Grande do Sul. Significou, sem dúvida, o aperfeiçoamento da conduta empresarial”, avalia Luiz Fernando Cirne Lima. Agrônomo, professor de Zootecnia e ex-ministro da Agricultura, ele acompanhou o movimento ambientalista ao longo destes 50 anos com respeito aos embates criados. Inclusive incorporou práticas de preservação na Copesul (hoje Braskem), quando comandou a empresa no início dos anos 1990.
Ainda lembrando do caso Borregaard, Cirne Lima aposta que nasceu ali, junto do movimento ecologista, a consciência ecológica do empresariado gaúcho - mas não sem disputa. “Em determinados momentos tem confronto entre lucratividade e controle ambiental, e algumas vezes tem que se renunciar à lucratividade. Internamente (na Copesul) tinha discussões, mas sempre fui firme nessa posição: sob o ponto de vista industrial, não pode ter concessões (à preservação ambiental)”, sustenta.
Cirne Lima conta que levou para a prática empresarial a referência que tinha em casa: ele relata que sua mãe, Maria, integrava o grupo de senhoras que criou a Ação Democrática Feminina Gaúcha na década de 1960. Alguns anos mais tarde, um núcleo de ecologia capitaneado por Magda Renner e Giselda Castro aproximou a entidade da Agapan. Passado mais algum tempo, o grupo se transformou no núcleo brasileiro do movimento internacional Amigos da Terra.