Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Ao que tudo indica, foi dada a largada para o início do novo programa social do governo federal, o Auxílio Brasil. Na semana passada, foram reajustados, via decreto, os limites de renda per capita que caracterizam situação de pobreza (R$178 para R$200) e de pobreza extrema (R$89 para R$100). Ambas as linhas definem a elegibilidade ao Bolsa Família, e continuarão sendo usadas no Auxílio Brasil.
O decreto também atualizou os valores dos benefícios que as famílias recebem no Bolsa Família: de R$ 89 para R$100 para o benefício básico, R$ 41 para R$49 para o benefício variável e R$49 para R$56 para o benefício jovem. Com esta atualização, o benefício médio do Bolsa Família passará a ser de R$217,18, um aumento de 17,83% de acordo com os cálculos do Ministério da Cidadania.
Em termos práticos, o decreto começa a delinear o público alvo do Auxílio Brasil, maior que o público do Bolsa Família apenas pelo reajuste das linhas de pobreza. Já o aumento do benefício médio deve balizar a transição para o Auxílio Brasil, que se iniciou ontem com a revogação do Bolsa Família. Estes reajustes são permanentes e serão incorporados ao novo programa de forma definitiva.
Mas, apesar do primeiro pagamento do Auxílio Brasil se dar dentro dos próximos dias, conhecemos, até agora, muito pouco sobre ele. Os valores dos benefícios que irão compor o Auxílio Brasil seguem largamente desconhecidos, e vários detalhes de implementação ainda não foram definidos. No atropelo, o Auxílio Brasil começa como se fosse o Bolsa Família, e apenas após resolvida toda a incerteza sobre como funcionará o programa, ajusta-se, retroativamente, o valor devido. A urgência esta claramente associada ao ciclo eleitoral, já que o novo programa precisa começar ainda em 2021.
Causa enorme surpresa começarmos um novo programa social sem uma clara avaliação das vantagens sobre o seu exitoso antecessor. Conforme anteriormente detalhando por mim aqui neste espaço, o Auxílio Brasil pode aprimorar o Bolsa Família, mas isto depende do aumento do valor das transferências que serão feitas às famílias e de como o programa aumenta a chance de mobilidade social de quem está no programa.
Na primeira frente, fala-se de um pagamento mínimo de R$400, mas a complementação dos valores ainda depende de espaço fiscal que será aberto com a tramitação da PEC do Precatórios. A PEC segue com futuro incerto, especialmente agora que o Supremo Tribunal Federal questiona os ritos empregados em sua votação no primeiro turno. Em paralelo, as emendas do relator "" instrumento que viabiliza as aprovações legislativas do governo "" foram colocadas sob escrutínio. Outras alternativas, como créditos extraordinários ou decretação de estado de calamidade pública, são ainda mais difíceis, já que a primeira depende de aval do TCU e a segunda, de um entendimento que os efeitos adversos e inesperados da pandemia seguem após o avanço da vacinação e a redução de casos e mortes dos últimos meses.
Na segunda frente, passaram-se três meses desde a publicação da Medida Provisória que instituiu o Auxílio Brasil, mas os valores dos novos benefícios do programa ainda não foram divulgados. Por exemplo, o Auxílio Brasil permite que as transferências sejam maiores na primeira infância, mas o quão maior será este benefício relativo aos demais? De forma semelhante, o auxílio esporte escolar, a bolsa de iniciação científica júnior, o auxílio criança cidadã e os auxílios inclusão produtiva rural e urbana não possuem diretrizes específicas de implementação. Também está em aberto a forma como o benefício médio será ajustado para alcançar os R$400 mínimos: se respeitará as regras do novo programa ou se o aumento será feito de forma complementar, sem levar em consideração a composição da família, o que dilui toda a vantagem que um programa focalizado e direcionado prioritariamente às crianças tem relativo aos demais.
Sem orçamento, sem parâmetros e sem benefícios claro, a única certeza que temos é que o Auxílio Brasil acrescenta mais complexidade e dúvidas a uma rede de assistência social que por quase duas décadas tem funcionado para aliviar a situação de pobreza de muitos brasileiros.