Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
É difícil não se sensibilizar com o drama dos quase 2 milhões de brasileiros à espera de atendimento no INSS.
Fora do prazo regulamentar está 1,3 milhão de pedidos. Mas o INSS intermedeia acesso a benefícios da nossa rede de proteção social que não podem esperar: aposentadorias, pensões, salários-maternidade, licenças de afastamento por motivo de saúde, seguro-desemprego, benefício de prestação continuada. Justamente nesses casos, o atendimento precisa ser simples, rápido e eficaz.
A crise revela enorme gargalo de funcionamento de um Estado que insiste em não se modernizar: não faz planejamentos de longo prazo e falha na adoção de tecnologias.
Encontra-se diante de um baixo contingenciamento de pessoas para atendimento, ainda que este tenha sido fenômeno previsível. Em 2019, 6.000 funcionários se aposentaram, dentre os 29 mil que compunham o quadro, desfalcando 20% dos recursos humanos do INSS.
O risco já havia sido identificado pelo Tribunal de Contas da União em 2013. Em 2018, relatório do Ministério do Planejamento estimou que 108 mil servidores federais (dentre os 634 mil vínculos ativos) já teriam condições de se aposentar, comprometendo o funcionamento da máquina pública.
Já o atendimento ao público continua dependendo de processos humanos. Ainda que muitos requerimentos sejam digitalizados, a concessão automática de benefícios é exceção. Surpreendem a burocracia e as exigências nos requerimentos. Dos 2 milhões de pedidos em espera, 500 mil estão em pendência documental.
A solução proposta pelo governo -a convocação de 7.000 militares da reserva para ajudar no atendimento do INSS- redireciona um recurso abundante e ocioso do setor público para uma atividade momentaneamente necessária.
No Brasil, os reservistas são inativos, ainda que remunerados, na contramão de muitos países, que se utilizam da reserva não remunerada para conter despesas em tempos de paz. Estão à pronta disposição de uma convocação para guerra externa que não acontece nunca.
Mas é grande ironia termos qualificados reservistas verificando documentos e carimbando papéis no INSS. Além de precisarem de treinamento específico, receberão 30% a mais para isso, onerando os cofres públicos em R$ 14,5 milhões por mês.
Pior é o entendimento do Ministério Público sobre a necessária reposição do quadro de servidores. Argumenta-se que o custo projetado para contratar os reservistas é o dobro do salário mínimo, esquecendo que os salários praticados no setor público são muito superiores aos do setor privado -80% dos servidores federais recebem mais que cinco mínimos.
Além disso, servidores contam com regras de estabilidade e promoção automática, agregando despesa permanente ao Orçamento, com poucos mecanismos de ajuste e controle.
A alocação de recursos humanos, militares ou novos concursados, para atender ao público em tempos de tecnologia barata e abundante deveria ser, na verdade, evitada. A Quarta Revolução Industrial -indústria 4.0- já combina interconectividade, automatização, aprendizado por máquina e uso de dados em tempo real, tornando alguns postos de trabalho obsoletos e desnecessários. O governo também pode ser 4.0.
A reorganização de processos e o uso de tecnologia no governo liberam recursos para outras importantes áreas, como saúde e educação. Assim, a melhora na qualidade dos serviços públicos não depende de mais servidores: ao contrário, requer o enxugamento do funcionalismo e de melhores regras nos planos de carreira e gestão de pessoal, incluindo os militares.
Agora, só nos resta mesmo aguardar o encaminhamento da reforma administrativa e da reformulação da aposentadoria e carreira dos militares, que não podem mais esperar na fila das reformas.