A transformação digital não é mais um capricho. É uma necessidade e quase uma commodity, especialmente para os players do setor financeiro, um dos mais afetados pelas mudanças. “Todo negócio que existe há pelo menos 10 anos, vai precisar se reinventar, seja qual for o setor”, aponta o fundador e CEO do Agibank, Marciano Testa. O executivo é o personagem do sétimo episódio desta temporada doMentes Transformadoras. A série de vídeos e podcasts entrevista personalidades que falam sobre o cenário atual do mercado, os novos modelos de negócios que estão surgindo e os desafios deste mundo cada vez mais conectado.
PERFIL: Marciano Testa começou sua carreira com a criação de uma startup, em 1999. A iniciativa deu origem a um conglomerado financeiro, hoje liderado pelo Agibank, primeira instituição financeira do mundo a transformar o número do celular no número da conta corrente do cliente. É o CEO e fundador do Agibank e um dos fundadores do Instituto Caldeira, iniciativa privada para impulsionar transformações e novos negócios no Rio Grande do Sul.
> VÍDEO: Confira as ideias dessa mente transformadora
Jornal do Comércio – Como tem sido para um setor tão tradicional, como o financeiro, repensar toda a sua oferta sob o ponto de vista digital?
Marciano Testa – Não há outro caminho que não seja digitalizar os negócios. Toda empresa que existe há pelo menos 10 anos vai precisar se reinventar, seja qual for o setor. A transformação digital não é mais um capricho. É um processo de sobrevivência das corporações, que precisam se desafiar pensando em ganho de escala e de eficiência. Sem falar no fato de que atende uma necessidade dos clientes.
JC – Porque essa transformação é tão contundente no mercado financeiro?
Testa – O mercado financeiro é um dos mais atacados porque é o mais concentrado. Tivemos um período, principalmente no ano 2000 quando fundei a startup que se transformou no Agibank, em que o órgão regulador e o governo tentavam concentrar os bancos, para termos instituições maiores e mais fortes. O resultado é que cinco bancos detêm de 85% a 87% dos ativos. Agora o movimento é o inverso. O regulador está empenhado em abrir o mercado, aumentar a competição para que o capital estrangeiro venha e coloque as fintechs para disputar mercado.
JC – Tem como arriscar qual será o desenho desse mercado daqui alguns anos?
Testa – Tenho uma grande incerteza, mas o que se sabe é que, nesta corrida que está ocorrendo na direção da disrupção do sistema financeiro, muitas instituições, bancos digitais e fintechs ficarão pelo caminho. O ser digital não é mais o grande diferencial, é uma commodity, uma necessidade porque o cliente quer essa experiência e as empresas precisam ganhar escala.
JC – As fintechs chegaram com uma postura arrojada, mas elas têm de fato chances de bater de frente com os bancos tradicionais?
Testa – O desafio de todos os bancos digitais e das fintechs é ser escolhido como o banco principal do cliente. Não adianta abrir muita conta, colocar cliente e, quando for olhar o número de transações e ver se de fato o cliente é recorrente, não ter isso. Nossa tese é sermos um banco de relacionamento, ter a principalidade do cliente. E como constrói isso? Esses cinco bancos (que detém o maior volume de ativos do Brasil) têm um serviço de banking completo. Conseguem ter a conta corrente, o meio de pagamento, seguros e investimentos do cliente, enquanto os bancos digitais ou fintechs, normalmente, atacam apenas uma dessas áreas. O caminho é ficar especialista e, quando começar a dominar a área, partir para outras, se tornando um banco mais completo. O que os bancos levaram 50 a 60 e 70 anos para construir, nós estamos tentando fazer em dez anos.
JC – Então o caminho para as fintechs é agregar mais serviços e entregar experiências mais completa como os bancos tradicionais fazem hoje?
Testa – Perfeito. Apostamos na estratégia do omnichannel – o Agibank, além de toda a experiência no board digital, tem mais de 600 pontos de atendimento que devem chegar a 1,5 mil. O que fizemos nestes pontos? Um trabalho dedicado a educar o cliente a ser digital, como aprender a mexer no app. Essa complementariedade de canais é um diferencial importante e é a nossa estratégia atrair o cliente e que tenha principalidade conosco.
JC – O que a experiência digital precisa entregar de fato para as pessoas?
Testa – O digital deve impactar significativamente a vida das pessoas. Se não trouxer benefícios como inclusão, acessibilidade e uma jornada mais fácil, talvez não cumpra essa missão. Sem falar que as plataformas digitais como um todo estão provando que é possível ter uma escala maior e com preço diferenciado. O cliente tem muito a ganhar com essa abundância das ofertas digitais.
JC – Como tem sido vivenciar, com um dos idealizadores do Instituto Caldeira, esse movimento pela inovação no Rio Grande do Sul?
Testa – A vocação para o agronegócio é importante para o Rio Grande do Sul. Mas, olhando a área mais urbana, como da grande Porto Alegre e da Serra, podemos criar uma nova vocação. Temos grandes iniciativas no Estado, como três grandes parques tecnológicos de três universidades que conseguem formar e entregar ao mercado jovens com capacidade e talentos diferenciados. O que faltava era a comunicação entre todos estes ecossistemas. A criação do movimento do Pacto Alegre está gerando isso, e dele estão derivando iniciativas concretas pela inovação, como o Instituto Caldeira, uma iniciativa que reúne 40 fundadores, que fizeram a doação de recursos para colocarmos de pé essa iniciativa. A família Renner concedeu por 20 anos a área da sua antiga fábrica e do Shopping DC Navegantes e ali estamos criando um grande hub de inovação, onde serão incubadas startups de diversos segmentos os laboratórios de grandes empresas.
JC – Já tivemos outros movimentos pela inovação em Porto Alegre e no Estado no passado. O que este tem de diferente?
Testa – É uma boa provocação. Só aceitei estar neste projeto porque estamos fazendo algo concreto, e que de fato tem entrega visível para a sociedade e para a cidade. Não dá mais para ficar apenas no plano de negócios, precisamos fomentar a inovação e, principalmente, a criação de novos negócios ligados à tecnologia.
JC – A que você atribui o interesse de tantas lideranças empresariais no Caldeira?
Testa – Acho que é a dor da transformação. A adesão se dá porque há uma insegurança sobre o futuro e em como as empresas podem começar a transformar o mindset dos seus colaboradores e, principalmente, de seus gestores para fazer essa aproximação rumo à inovação.
JC – É uma caminhada que depende de um pensamento mais plural, certo?
Testa – Acho que as novas gerações de líderes, na qual me enquadro, tem pouco apego a essa questão do poder de ser o presidente, liderar grandes entidades etc. O que queremos é fazer entregas. Isso é um pouco das cabeças que estão lidando com o Instituto Caldeira, com apoio das universidades. É uma construção coletiva, todos têm a ganhar com isso. Nenhum quer benefício próprio. A gente está tentando superar estes obstáculos políticos e de vaidades que só atrapalham o nosso Estado.
JC – Quais as habilidades essências do empreendedorismo da era digital?
Testa – A jornada de empreendedorismo é sempre uma novidade. Se eu olhar as competências que se tinha de ter no passado versus o que vejo para o futuro, é muito importante o skill da resiliência. Quem não souber se desconstruir e reconstruírem em ciclos de três anos terá uma dificuldade para liderar negócios daqui para a gente. A capacidade de trabalhar com a diversidade e saber coordenar isso para a entrega e propósito que o negócio está se propondo a fazer.
OUTROS EPISÓDIOS: Confira abaixo as próximas entrevistas da temporada. Saiba mais sobre o projeto Mentes Transformadoras e confira os outros episódios clicando aqui. Acesse a primeira temporada clicando aqui.