A professora estadual preparava, no apartamento residencial, a aula para o turno da tarde. Os filhos - de 10 e 12 anos - estavam no colégio, e o marido, no foro, onde exercia a magistratura. De repente, o porteiro avisa pelo interfone:
- Está aqui um oficial de justiça...
Antes que a informação seja completada, a professora permite:
- Diga-lhe que suba, por favor - imaginando que o visitante estivesse trazendo, talvez, um malote com processos para o marido.
Introduzido no apartamento e satisfeito com a fidalguia ("O senhor aceita um cafezinho?"), o oficial de justiça fica constrangido e se desculpa:
- Sei que é desagradável, mas estou aqui para cumprir uma ordem de despejo, por falta de pagamento de aluguéis. Em breve, chegará um caminhão de mudanças. Peço que a senhora facilite o meu trabalho.
A professora quase desaba - pede para olhar o mandado e, atônita, constata e informa:
- Esse mandado está assinado pelo meu marido... Deve haver um engano. Moramos aqui há quatro anos, o imóvel é de nossa propriedade e sempre pagamos as contas em dia.
Feita uma ligação para o cartório judicial, o juiz interrompe a audiência que presidia e ouve atônito, sucessivamente, os relatos da própria esposa e do oficial de justiça.
Esclarecidas as coisas e cancelado o despejo, o oficial volta ao foro e, na vara, escuta a mesma explicação que o ativo juiz teve que, depois, na hora do almoço, dar para a esposa.
Como o magistrado costumava, ele próprio, digitar seus despachos e decisões, fora vencido pelo estresse e, no final de uma sentença, concluíra: "Isto posto, decreto o imediato despejo do inquilino residente na rua Vasco da Gama nº xxx, apto. yyy. Expeça-se mandado".
A sentença era justa, jurídica e, como de hábito, reveladora de que o prolator dera pronta prestação jurisdicional. Só que, por equívoco, colocara seu próprio endereço residencial. Era - como até hoje se comenta na vara - "o autodespejo".
Feitas as correções etc., foi expedido novo mandado, dessa vez efetivamente cumprido na rua Cabral nº xxx, apto. yyy. A coincidência fora a de que ambos os endereços - no mesmo bairro - homenageavam dois navegadores e exploradores portugueses, ambos reconhecidos no Brasil.
Na semana seguinte, o juiz entra em férias para se recuperar da estafa, causada pelo comparecimento ao trabalho: sempre os dois turnos completos, de segunda a sexta-feira - e, às vezes, também aos sábados e domingos. Assiduidade ampla - que, a propósito, hoje não se vê mais...
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Em tempo: quando o chargista Gerson Kauer buscava, no Google Imagens, as feições de Vasco da Gama e Cabral para definir a charge acima, teve uma surpresa. Até o útil serviço de busca embaralha e confunde os rostos de ambos, em alguns links. Há até uma referência de que "não há registros de retratos de Cabral contemporâneos à sua época".