{{channel}}
PEC propõe a extinção do TJM gaúcho
Autora da iniciativa, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) critica o volume de recursos públicos investidos na corte
Os Tribunais de Justiça Militar (TJM) são alvos frequentes de projetos que propõem a extinção do serviço. No Legislativo gaúcho, por exemplo, tramitam há anos ao menos seis medidas nesse sentido. A mais recente é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) assinada pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL), que propõe a extinção tanto do Tribunal de Justiça Militar quanto dos Conselhos de Justiça Militar. A justificativa é evitar que o Estado mobilize um volume significativo de recursos para manter uma estrutura judiciária paralela, que poderia ser atribuída à Justiça comum.
O projeto assinado por Luciana Genro conta com o apoio de 20 parlamentares, incluindo a deputada. A iniciativa tem como objetivo geral trazer à tona a discussão sobre onde se pode buscar recursos para amenizar e melhorar a situação da educação, da saúde e da segurança pública, que são as áreas afetadas pela falta de investimento. Conforme a deputada, a PEC se opõe ao custo de funcionamento do TJM-RS, que, por processo, chega a quase R$ 30 mil, um valor 12 vezes maior que a média do Tribunal de Justiça do Estado, onde o custo gira em torno de R$ 2,5 mil por processo. "Nós temos uma situação no Tribunal de Justiça Militar, onde são gastos R$ 44 milhões por ano em algo que não tem nenhum benefício direto para a sociedade. Então a ideia é mostrar que é possível obter recursos desse segmento para melhorar a situação das áreas que realmente importam", argumenta a parlamentar.
A proposta da deputada é a reapresentação da PEC 248/2015, do ex-deputado estadual Pedro Ruas, atual coordenador da bancada do PSOL, e da PEC 222/2011, de autoria do ex-deputado Raul Pont, do PT. Segundo Luciana, o orçamento hoje destinado ao TJM-RS deveria ser investido em outros em segmentos de maior importância. Em um comparativo com a área de educação, a deputada acredita que o dinheiro poderia quase dobrar os recursos da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), por exemplo. "Essa verba tem como ser destinada para outros segmentos, porque ela sai toda do mesmo lugar. No momento em que o TJM-RS for extinto, já não vai mais haver esse repasse para a Justiça Militar, então essa verba vai ficar disponível", argumenta. Agora, a expectativa é de que o projeto avance e que o relator seja definido em breve. "Acho que, no início do segundo semestre, a proposta já possa ser apreciada na Comissão de Constituição e Justiça."
A Justiça Militar se divide em dois núcleos: o da União, que trata sobre os crimes cometidos por membros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica; e os estaduais, presentes em apenas três estados - RS, SP e MG -, responsáveis por julgar policiais militares e bombeiros. Os tribunais militares estaduais são uma instância recursal para decisões tomadas por auditorias, formadas por juízes civis concursados. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a primeira instância é formada por quatro auditorias, sendo duas localizadas em Porto Alegre e as outras em Santa Maria e Passo Fundo, cada uma com dois juízes. O Tribunal Militar, entretanto, é composto por sete juízes, os quais atuam em caráter vitalício. Quatro deles vêm de nomeações do quadro de oficiais da Brigada Militar (BM) ou do Corpo de Bombeiros, enquanto os outros três são civis.
Para o corregedor-geral da Justiça Militar do Estado, juiz Amílcar Fagundes Freitas Macedo, o TMJ-RS tem um papel social fundamental, uma vez que representa uma estrutura de anteparo da polícia militar gaúcha. "O TJM-RS, por exercer um controle sobre a polícia militar, presta um serviço relevantíssimo para a sociedade. Em 2016, a Brigada Militar foi considerada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública como a polícia mais honesta do País. E, não por acaso, as outras duas que seguiram a lista foram as polícias de Minais Gerais e São Paulo, locais onde têm a Justiça Militar", diz.
Segundo ele, a Justiça não pode ser avaliada em termos de quanto custa cada processo. "A Justiça não se mede pela quantidade de processos, se mede pelo trabalho que ela oferece para a sociedade e por quanto ela custa para oferecer esse trabalho. Ano passado, por exemplo, o orçamento total do Estado foi de aproximadamente R$ 70 bilhões. Então toda essa estrutura, se nós dividirmos pela população do Estado, custou, para cada gaúcho, durante um ano, R$ 6.075,00", afirma. "Para termos o Poder Judiciário gaúcho, pegando o orçamento da Justiça comum e fazendo a mesma divisão pelo número de habitantes, cada pessoa pagou R$ 272,00 por ano. E sabe quanto a Justiça Militar custou para cada cidadão em um ano? R$ 2,97."
Conforme Macedo, a justificativa de extinguir o TJM e os Conselhos Militares por conta do volume de recursos investidos é incongruente, uma vez que a verba do sistema de Justiça não pode ser transferida para segmentos como saúde e educação. "Essa verba é do Judiciário. Não se pode simplesmente extinguir o TJM para investir em outras instituições. Os servidores da Justiça Militar são concursados e, mesmo que um dia o TJM venha a ser extinto, eles continuarão recebendo", afirmou.
Constitucionalidade da iniciativa legislativa gera controvérsias jurídicas
Segundo o advogado constitucionalista e professor universitário Otávio Piva, a medida pode ser considerada inconstitucional do ponto de vista de "vício de iniciativa". Em outros dois momentos, em 1982 (através da Representação nº 1.102) e em 1997 (por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 725), o Supremo Tribunal Federal (STF) já se debruçou a analisar casos semelhantes ao da PEC atual, momento em que as considerou inconstitucionais também a partir do vício de iniciativa.
Conforme Piva, a constituição federal e a estadual trazem uma série de atribuições aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. "Nessa partilha de competências, tudo que envolve o servidor público e os próprios tribunais, tudo que cria, altera, mexe em remuneração, cria novos tribunais, extingue tribunais, tem que sair do próprio Poder. Ou seja, pelo princípio da separação de bens dos Poderes, cada um apresenta os projetos que alteram as suas próprias estruturas. Por exemplo, não pode a Assembleia aumentar o salário do servidor do Poder Executivo", observa. "Eles não têm a chave do cofre pra saber quanto vão gastar. Então essa lei tem que partir do próprio governador. Aumento ou extinção de um órgão da Assembleia, quem tem que pedir isso é a própria Assembleia Legislativa. A mesma coisa é o Judiciário. Então toda e qualquer alteração dos órgãos do Judiciário tem que partir do Poder Judiciário, e não de um legislador ou de um deputado", completa o constitucionalista. Quanto à utilização da verba para outros segmentos, como saúde, educação e segurança pública, em caso de extinção da Justiça Militar, Piva esclarece que, para isso, vale a mesma lógica do princípio de separação dos Poderes.
A posição do jurista, porém, é contestada pelo advogado Conrado Klöckner, assessor jurídico do gabinete da deputada Luciana Genro. Segundo ele, o objeto da ADI 725, de 1997, não foi a iniciativa legislativa quanto à extinção do Tribunal de Justiça Militar, e sim a análise da constitucionalidade O julgamento tem como objeto a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 3º do artigo 104, da Constituição Estadual, que dispunham sobre a composição do Tribunal.
"Na ementa da decisão, porém, consta que 'não pode a Carta Magna estadual criar ou manter a criação já existente, organizar ou extinguir a Justiça Militar Estadual', vez que haveria 'reserva constitucional federal em favor da lei ordinária estadual, de iniciativa exclusiva do Tribunal de Justiça, para a criação da Justiça Militar estadual'", diz o assessor jurídico.
Klöckner salienta o trecho da ementa do STF que fala em "lei ordinária estadual". "Não é o caso do nosso Estado, onde a existência do Tribunal de Justiça Militar está ratificada na Constituição Estadual, não em lei ordinária. Ou seja, apenas uma PEC pode alterá-la, e PEC não pode ser de iniciativa do Poder Judiciário", conclui.