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Pró-armas veem decreto 'tímido', e críticos temem piora da violência
Medidas afetam a posse, mas governo indica levar liberação do porte para o Congresso
A alteração nas regras de posse de armas no Brasil, assinada na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro, fez com que parte dos especialistas em segurança pública no País previsse a alta da criminalidade e da dificuldade na ação policial. Por outro lado, especialistas favoráveis à facilitação do acesso às armas dizem que o texto assinado pelo presidente é ainda tímido e deveria ser aprofundado por futuras alterações na legislação.
O texto estende o prazo de validade do registro de armas de cinco para 10 anos e cria pré-requisitos que precisam ser apresentados a um delegado da Polícia Federal para autorização da posse. O decreto vai atingir moradores de cidades violentas, de áreas rurais, servidores públicos que exercem funções com poder de polícia e proprietários de estabelecimentos comerciais. Também serão beneficiadas pessoas que, atualmente, estão em situação de irregularidade, como prazo expirado para o registro.
Para estudiosos que se opõem à facilitação do acesso às armas, a mudança legal é o prenúncio de uma escalada na violência e até na dificuldade de atuação da polícia. "Especialistas que estudam a segurança no País têm reiterado com dados e pesquisas nacionais e internacionais que apontam que, quanto mais armas disponíveis, mais crimes e mais mortes", defende o ex-secretário nacional de segurança pública Luiz Eduardo Soares. "Só vamos incrementar os números da violência, aumentar os feminicídios, aumentar os números de mortes por ódio. Temo, também, pelo aumento das mortes no campo e de indígenas", comenta.
Ainda segundo Soares, a presença de mais armas na sociedade tornaria mais graves os conflitos rotineiros que ocorrem em todo o País e que, geralmente, não resultariam em mortes. "As armas passarão a ser usadas em casos de conflitos que, normalmente, se esgotariam em si. Com a presença de armas, esses conflitos tendem a terminar em tragédias. Segundo pesquisas, quando há arma em casa, há mais risco de homicídio, de violência doméstica e suicídio", diz Soares.
Essa é a mesma preocupação do Sargento da Polícia Militar de Santa Catarina, presidente da Associação Nacional de Praças e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Elisando Lotin. Para ele, a maior presença de armas vai expor o policial à insegurança durante o seu trabalho. "Uma ocorrência corriqueira atendida pela Polícia Militar: briga de casal, perturbação do trabalho e do sossego alheio. Hoje, eu, como policial, tenho a presunção de que não vai ter ninguém armado. A partir de agora, imagino que 63 milhões de pessoas podem ter arma de fogo. Em uma situação em que os ânimos estão exaltados, tem álcool, talvez até droga, vai aumentar o número de mortes de policiais e, por consequência, o número de pessoas que a polícia mata, porque o policial vai ter que se defender", analisa.
Soares aponta, ainda, para o risco de aumento de roubo de armas e a sua destinação para o crime. "Quando somos abordados por um assaltante armado e pensamos em usar a nossa arma, a chance de que essa utilização seja bem-sucedida na autodefesa é muito remota. O próprio presidente (Bolsonaro) foi assaltado, tendo sido levada a sua arma", diz.
De modo geral, os especialistas que são favoráveis ao maior acesso às armas defendem que o decreto se adequa ao que já estaria previsto no Estatuto do Desarmamento. Entre eles, há quem veja o texto ainda tímido e defenda maior profundidade do acesso às armas, permitindo também o porte de armas, quando a pessoa recebe a autorização para carregá-la, inclusive na rua. Fabrício Rebelo, pesquisador em segurança e ex-diretor do Movimento Viva Brasil, acredita que o documento aprovado por Bolsonaro ainda avançou pouco para a facilitação do acesso às armas ao cidadão no País. "O governo poderia ter avançado sobre o tema do comércio de armas e sobre os calibres, por exemplo. E ainda foi restritivo ao dizer que (na maioria dos casos) pode-se ter até quatro armas", diz. Para Rebelo, porém, o decreto deve ser um primeiro passo que deverá contar com novas leis e mudanças menores em normas técnicas de fiscalização.
Durante a assinatura, Bolsonaro disse que outras medidas poderão ser feitas pelo Legislativo. "Esse nosso decreto trata, especificamente, da posse da arma de fogo. Outras coisas dependeriam de mudanças na lei, o que os deputados federais vão tratar."
Adilson Dallari, professor de Direito na PUC-SP, também acredita que o decreto é somente o início de um processo maior. "É apenas um decreto regulamentar e, assim sendo, não pode ir muito longe. O problema realmente está na lei do desarmamento. Um ponto positivo é de que começou-se a olhar para os resultados do referendo de 2005", defende.
Para o ex-governador paulista e ex-deputado e membro da Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa, Luiz Antonio Fleury Filho, o decreto assinado por Bolsonaro encontra um equilíbrio e é razoável. Porém, ele é contrário ao avanço de novas regras que facilitem o porte de armas, permitindo que o cidadão ande armado na rua.
Como é a regulação de armas em outros países?
Austrália: Tem leis muito restritivas, e a posse é liberada apenas em casos excepcionais (geralmente para caçadores, colecionadores ou fazendeiros em áreas isoladas). Para ter a licença, é preciso passar por cursos de cuidados no manuseio e testes escrito e prático. Além da avaliação dos antecedentes criminais, há casos em que a polícia entrevista familiares e vizinhos.
Alemanha: Para conseguir uma licença, a pessoa precisa comprovar que corre risco, demonstrar que é colecionadora ou fazer parte de clube de tiro. O candidato passa por avaliação que leva em conta antecedentes criminais, saúde mental e uso de drogas. Caso concedida, a permissão é revisada a cada três anos. Para manter a arma em casa, é preciso permitir inspeções não anunciadas da polícia.
África do Sul: É muito difícil obter uma arma legalmente. O processo é lento e inclui aulas de tiro, entrevistas com familiares, checagem de histórico criminal e de uso de drogas, e inspeção no local onde a arma será guardada - tudo isso antes que a compra seja autorizada.
China: Em geral, os chineses que moram em cidades são proibidos de ter armas em casa - elas precisam ser guardadas em depósitos. Para obter a permissão para comprá-las, é necessário apresentar uma justificativa e demonstrar conhecimento sobre uso seguro e manuseio. Também há avaliação do histórico policial e da saúde mental da pessoa.
Estados Unidos: É o país com a maior taxa de armas por habitante do mundo. Para ter uma arma, basta passar por uma checagem instantânea de antecedentes criminais, mas isso não é necessário se a compra for realizada com um vendedor privado, em vez de uma loja . Em alguns estados há maiores restrições, mas, em geral, elas incluem apenas mais tempo de espera pela liberação da compra ou checagem mais aprofundada do histórico do comprador.
Japão: Tem uma das leis mais rígidas do mundo. O processo para obter a permissão para comprar uma arma envolve aulas de tiro (que também precisam ser autorizadas), testes escrito e prático, avaliação psicológica e psiquiátrica, entrevista com a polícia para explicar por que a arma é necessária, avaliação rigorosa de histórico criminal e de relações pessoais (também é avaliado se a pessoa tem dívidas) e inspeção policial do local onde a arma será armazenada.
México: Há apenas uma loja de armas em todo o país, e ela fica na capital, Cidade do México. Para obter a permissão do governo, é preciso atestado que comprove que a pessoa não tem antecedentes criminais. Também é necessário ter emprego fixo e renda.
Reino Unido: A posse só é permitida para caçadores ou membros de clubes de tiro. Quem requer a permissão precisa passar por checagem de antecedentes criminais e entrevista domiciliar com a polícia, que verifica o local onde a arma será guardada.
Rússia: É preciso ter autorização para caça ou justificar a necessidade da arma para defesa pessoal. O requerente passa por testes relativos ao manuseio do armamento, primeiros socorros e legislação, além de avaliação psicológica e de antecedentes criminais.