Neste mês a reforma trabalhista completa um ano. Em entrevista ao Jornal da Lei, o vice-presidente da Região Sul da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Jesus Augusto Mattos, fala sobre perdas e ganhos provocados pela legislação e traça perspectivas para o futuro.
Jornal da Lei - Para os advogados trabalhistas, o que mudou no mercado de trabalho e atuação?
Jesus Augusto Mattos - Não sendo escritórios conceituados trabalhando para grandes empresas, muitos tiveram que abrir mão de salas, estruturas e reduzir quadros de empregados. Temos duas situações. Uma delas é a dos advogados que trabalham para os trabalhadores, que ainda têm processos em andamento. Eles receberão por estes processos até 2020 ou 2022. Mas os advogados das empresas, que ganham por mês e fazem assessorias jurídicas, foram mais lesados, tiveram seus ganhos cortados significativamente. O Direito do Trabalho foi americanizado. Nos Estados Unidos só se advoga se tiver seguro, pois o risco de perder e ser responsabilizado pelo cliente é muito grande. Os grandes escritórios de advocacia conseguem assegurar uma causa. Mas o pequeno advogado, aquele que é artesanal e independente, não pode arriscar. Se defender uma causa e o trabalhador perder seu patrimônio, ele pode se sentir lesado pelo advogado. Com o risco de um processo por parte do cliente, os advogados tornaram-se mais cautelosos. Sobre isso, meu posicionamento é que por mais que não acredite na ação de determinado trabalhador, ele tem direito de levar essa angústia ao Judiciário. Já defendi causas que achava estar perdidas. Mas defendi, pois entendo que é direito do cliente levar sua demanda ao juiz-Estado. O Estado dirá se ele tem ou não razão.
JL - Houve uma baixa de processos trabalhistas. A quais fatores da reforma atribui essa diminuição?
Mattos - A reforma impôs a sucumbência recíproca: se eu cobrar uma postulação não provada e perder, uma parte do que ganhei cobre a outra, podendo zerar a ação. Esse risco faz com que o cidadão não busque a reparação por esse direito violado. Isso não quer dizer que o direito não foi violado. Mas quando o advogado mostra o risco alto por conta da falta de provas, eles podem decidir não prosseguir com a ação. Há casos mais complicados de conseguir provas, como o assédio sexual. A forma de ter provas suficientes seria continuar em uma situação imprópria para captar informações. Mas se a pessoa não se submete, é possível que desista da ação. As pessoas que conseguem materializar provas na Justiça do Trabalho tem que ser muito frias e calculistas e ficar o tempo que conseguirem aguentar para captar elementos para reverter a situação. A reforma também estabeleceu que o hipossuficiente (aquele que recebe além de dois pisos do INSS, em torno de R$ 11 mil) não tem mais o abrigo da proteção da gratuidade da Justiça. Dessa forma, vemos que a reforma tirou a classe média da proteção do Judiciário. Isso é reflexo de uma diminuição da lesão dos trabalhadores? Não. O Brasil continua tendo índices obscenos de trabalho escravo, informal, infantil.
JL - Quais os riscos da complicação da chegada dos anseios desta parcela da população à Justiça?
Mattos - A partir da Constituição de 1988, o Brasil franqueou o acesso do mais pobre ao Judiciário. As pessoas que não tinham um grande poder aquisitivo só iam à Justiça quando eram cobradas pelo banco, pela loja ou se enrolavam em alguma dificuldade criminal. A única Justiça social que colocava a pessoa de poder aquisitivo baixo e a de poder aquisitivo alto no banco dos réus era a Justiça do Trabalho. Nas outras, o pobre que é executado. A Justiça do Trabalho é uma distributiva de renda. Tira do banco e passa para o empregado. Leis como a reforma trabalhista vetaram o mais pobre de chegar com facilidade à justiça.
JL - Quais as expectativas para o futuro?
Mattos - Se vendeu a ilusão ao empregador de que diminuindo os direitos do empregado a economia ia retomar. Não vai, pois a riqueza circulante não vai aumentar, impedindo que a economia gire. A precarização reduz salário, que reduz renda e assim reduz consumo. Dinheiro no bolso do trabalhador não vai parar na Suíça. Vai para o consumo, o mercadinho, o comércio de bairro. É esse dinheiro circulante que faz a economia. No âmbito internacional, os países têm interesse em saber se quem produz suas mercadorias está ou não em condições degradantes de trabalho, podendo desvalorizar o produto. Não vejo perspectiva de reversão no novo governo e, desta forma, não visualizo benefícios nem ao trabalhador nem à economia.