O governo federal apresentou na sexta-feira passada (25) uma proposta de mudança do Imposto de Renda. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) poderá subir dos atuais R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil. Hoje, a faixa de isenção vai até R$ 1.903,98 e estava congelada desde 2015.
Guedes entregou ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, a proposta da segunda fase da reforma tributária. O projeto representa a segunda fase da Reforma Tributária no Brasil, mas está longe de resolver um dos grandes problemas quando o assunto é a tributação de pessoas físicas: a defasagem na tabela do IR.
O contador e presidente do Sindicato das Empresas Contábeis no Rio Grande do Sul (Sescon/RS), Célio Levandovski, diz que vê benefícios na proposta. "Toda correção ou reposição da inflação é positiva", comenta.
Entretanto, a defasagem na tabela do IR acumulada chega a 113%, segundo levantamento do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco). Levandovski salienta que a correção anunciada, de 31% na faixa inicial de isenção, é muito tímida ante toda essa defasagem. "Lembrando que quem ganha até R$ 4 mil não deveria ter de pagar imposto. Mesmo com a mudança para isenção até R$ 2,5 mil, os que têm salários de R$ 2,5 mil até R$ 4 mil ainda terão de pagar imposto indevidamente", ressalta Levandovski.
O governo também embutiu armadilhas, segundo Levandovski. "Para ser mais preciso, ele deu com uma mão e tirou com a outra. A faixa de isenção no modelo de desconto simplificado, que é o que a maioria dos contribuintes acabava usando, diminuiu de R$ 15 mil para R$ 8 mil", diz, alertando que muitos brasileiros vão acabar pagando mais imposto no momento do ajuste anual.
Ao todo, serão 30 milhões de brasileiros assalariados que pagarão menos imposto de renda. De acordo com Paulo Guedes, haverá aumento de impostos sobre rendimentos do capital, os dividendos, que são parte do lucro líquido ajustado de uma empresa dividido entre os acionistas. Com isso, será possível reduzir os impostos para empresas e trabalhadores assalariados, com a mudança na faixa de isenção. Os lucros e dividendos distribuídos pelas empresas passarão a ser tributados em 20% na fonte no IRPF. Hoje, essa distribuição de recursos é isenta de imposto.
De acordo com o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, a mudança deixa o sistema mais justo ao evitar que as pessoas mais ricas deixem de pagar impostos. "Essa alteração corrige o tratamento diferenciado para tributação de renda de assalariados versus a tributação de lucros e dividendos", disse, durante coletiva de imprensa virtual para apresentar a proposta de reforma.
A medida também atinge remessas para o exterior. Em caso de envios para os chamados paraísos fiscais, a alíquota sobe para 30%. No caso das micro e pequenas empresas, haverá uma isenção dessa tributação em até R$ 20 mil por mês. Para a equipe econômica, a nova tributação deve incentivar novos investimentos já que estimula o reinvestimento dos lucros. Já Levandovski teme que a medida tenha o efeito contrário e desestimule esse tipo de investimento.
Roberta Mello com agências
É preciso atenção na tributação de lucros e dividendos e de fundos imobiliários
Lucros e dividendos hoje são isentos de imposto de renda, mas poderão passar a ser tributados em 20% na fonte. Os rendimentos que as pessoas físicas recebem dos Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs) também deixarão de ser isentos, mas apenas para as cotas negociadas em bolsa a partir de 2022.
Algumas despesas deixarão de ser dedutíveis na apuração do imposto de renda das empresas, exemplos estão nos juros sobre o capital próprio (JCP) que nasceram para compensar a falta da correção monetária nos balanços, sem a dedutibilidade o instrumento de JCP deve deixar de existir. As despesas com pagamento de ações aos executivos das empresas também não serão mais dedutíveis, alterando as relações contratuais de trabalho desses trabalhadores.
Especialistas temem que a inclusão da tributação dos Fundos de Investimentos Imobiliários (FII) acabe por gerar uma forte desvalorização desse segmento. A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) acredita que a melhor solução nesse caso seria ter uma taxação diferente da atual, ao invés da isenção. Dessa forma, se evitaria comprometer os investimentos em habitação, já que a falta de isenção pode levar o interessado para outras modalidades de investimentos.
Segundo a Abrainc, o desincentivar o investimento em um setor que gera 9% do total de tributos e movimenta 62 atividades econômicas, pode ocorrer um impacto significativo até mesmo no total arrecadado pela Receita, ao se avaliar a possível queda no setor da construção. Os fundos imobiliários atualmente tem um valor patrimonial de R$ 124 bilhões e representam o investimento de 1,1 milhões de pessoas físicas, que serão prejudicados pela falta de isenção.
Em relação a tributação de dividendos, apesar de a medida promover o investimento, existem várias empresas que, devido às suas peculiaridades, distribuem boa parte de seus lucros aos acionistas. Ao mudar essa regra, haverá um grande desestímulo aos investidores, podendo reduzir a atratividade de investimento de diversas empresas.
Há 3,1 milhões de investidores na Bolsa de Valores que serão prejudicados com a medida. Sobre os Juros Sobre Capital Próprio (JSCP), a vedação dessa possibilidade é ruim para as empresas e também para o mercado de capitais, pois também diminui a atratividade para o investidor.
"Há aspectos positivos para a população em geral, que poderá ter um ganho de renda interessante, principalmente no caso das pessoas que sofrem o desconto do IR diretamente no holerite. Para aqueles que possuem investimentos no setor, porém, o Governo precisa olhar com cautela para não provocar um desestímulo para quem está habituado a fazer aplicações na área e tem ajudado a alavancar o desenvolvimento do nosso segmento", aponta Luiz França, presidente da Abrainc.
Tabela do IR pode gerar economia a dono de imóvel e investidor em renda variável
Correção de bens é apontada como benefício por especialistas
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Além da correção na tabela do Imposto de Renda (IR), outro benefício para as pessoas físicas apontado por especialistas está nos ganhos de capital. Caso seja aprovada a reforma, será possível corrigir os bens, como imóveis, pagando 5% de imposto sobre a diferença, gerando uma economia tributária no momento da venda, uma vez que essa diferença (entre custo de compra e preço de venda) hoje é tributada entre 15% e 22,5%.
Mesmo assim, o contribuinte tem que ficar muito atento, pois aqueles que têm um único imóvel com valor abaixo de R$ 440 mil já estão isentos. "É preciso ter muita calma e sempre procurar um profissional contábil para auxiliar na tomada de decisão", pontua. as operações de renda variável, os contribuintes terão a possibilidade de apurar os ganhos e perdas de todas as operações pagando 15% sobre ganho.
Atualmente, essa apuração é mensal e os contribuintes pagam 15% em mercados à vista, a termo, de opções e de futuros; e 20% em Day Trade (compra e venda de ações no mesmo dia) e cotas de fundo de investimento imobiliário (FII), sem contar que não podem misturar os ganhos e perdas de alíquotas diferentes, com a proposta isso será muito simplificado.
Nas operações com renda fixa (como Tesouro Direto, CDB. etc) e de fundos de investimentos deixará de ser usada a tabela regressiva de 22,5% até 180 dias; 20% de 181 a 360 dias; 17,5% de 360 a 720 dias; 15% acima de 720 dias; para adotar a alíquota única de 15% independentemente do tempo de aplicação. Ainda deve acontecer o fim do "come-cotas" de maio, já o "come-cotas" de novembro deve continuar.
Para pessoa jurídica, a proposta também prevê que imposto de renda deve ser reduzido. Hoje as empresas pagam uma alíquota de 15%, que deve cair para 12,5% em 2022 e para 10% em 2023. No adicional de Imposto de Renda (10%, para os lucros fiscais mensais acima de R$ 20.000,00) e na contribuição social (9% para empresas em geral), a proposta não prevê mudanças.
Contudo, a reforma tem seu lado perverso com os contribuintes, segundo o professor de Contabilidade Financeira e Tributária da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Murillo Torelli Pinto. "Apesar da minha percepção pessoal, de que ela é mais positiva do que negativa, há pontos que não devem agradar aos contribuintes", comenta Torelli Pinto.
Defasagem prejudica diretamente contribuintes com menores salários
Peccini Neto sugere questionar na Justiça
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Problema antigo e conhecido, a defasagem na atualização da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) prejudica diretamente quem ganha menos. Hoje, mais de 11 milhões de contribuintes que pagam o imposto estariam isentos caso fosse aplicada a correção integral da defasagem, que acontece desde 1996, segundo dados de um estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco).
O mesmo estudo aponta que, caso tivesse interesse em cumprir a promessa de campanha de não aumentar a carga tributária dos trabalhadores, o atual presidente Jair Bolsonaro teria que realizar um reajuste de 7,39% na tabela, o que teria um custo de R$ 13,5 bilhões. E a consequência dessa falta de correção é direta, com contribuintes que deveriam estar isentos, mas acabam pagando o imposto.
Segundo o advogado especializado em Direito Tributário, Empresarial e Contabilidade e sócio do escritório Peccini Neto Advocacia, Ângelo Peccini Neto, a forma justa seria a correção a partir de índices atualizados.
"Temos uma defasagem imensa, de décadas, que prejudica notadamente os contribuintes de baixa renda, em virtude da proporcionalidade do pagamento. Hoje, quem recebe acima de R$ 1.903,98 deve realizar a declaração. Com uma atualização básica da tabela, a obrigatoriedade seria apenas para quem recebesse acima de R$ 4.022,89", exemplifica.
Para uma justiça tributária efetiva, diz, a correção na tabela do IR deveria acontecer de forma imediata, mas algumas alterações significativas já poderiam acontecer para 2022.
"Há dois cenários: ou uma atualização imediata, capaz de trazer um impacto imenso e uma grande parte da população não precisará mais pagar o IR, ou um aumento das possibilidades de deduções, que permitiria um abatimento do que é pago anualmente para o Fisco", sugere.
O fato de uma grande parte da população estar declarando IR e pagando por ele, quando na verdade não deveria, pode até ser questionado na Justiça. "Afinal de contas, essa atualização é dever do Fisco (União), que além de não fazer, ainda se beneficia diretamente com isso", aponta.