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Governo do Estado corre para aprovar reforma tributária
Mudanças precisam ser aprovadas pela Assembleia e sancionadas pelo governador até 30 de setembro para entrarem em vigor em 2021
Correndo contra o tempo, o governo gaúcho enviou a proposta de reforma tributária do Rio Grande do Sul para votação na Assembleia Legislativa. As mudanças precisam ser aprovadas pelo parlamento e sancionadas pelo governador Eduardo Leite até 30 de setembro.
O motivo é que, para começar a valer no ano seguinte, os projetos alterando alíquotas tributárias devem passar por uma espécie de "noventena", ou seja, precisam ser aprovados no mínimo 90 dias antes do final do ano.
O Executivo tem pouco mais de um mês para convencer os deputados estaduais da relevância e qualidade da atual proposta. O momento, em meio à pandemia de Covid-19, pode não parecer o mais oportuno. Mesmo assim, de acordo com o secretário da Fazenda, Marco Aurélio Cardoso, é preciso encarar as reformas estruturantes agora.
"Embora, nos últimos meses, todos os governos tenham tido que focar na gestão da pandemia e na saúde, são as reformas estruturantes que farão com que sejamos competitivos. São elas que vão acelerar a retomada econômica brasileira. O Brasil está ficando para trás", disse Cardoso.
O subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira, complementa que o Rio Grande do Sul não pode esperar. "Temos que crescer, e precisa ser agora. Não dá para ser depois", categorizou.
A proposta está alicerçada sobre oito eixos de macroestratégias. O objetivo, segundo a Secretaria da Fazenda (Sefaz/RS), é modernizar o sistema fiscal do Estado de maneira inovadora no País. Uma mudança brusca no perfil da tributação adotado até agora começará a ser feito, já que um dos pilares será tributar mais o patrimônio e a propriedade e menos a produção e o consumo.
Nesse sentido, são sugeridas revisões na tributação do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Entre as propostas, estão a adoção de alíquota de 3,5% para automóveis e camionetas e o aumento do teto de isenção para veículos fabricados há mais de 40 anos (e não 20 anos).
Outra proposição é que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCD) conte com a adoção de faixas de alíquotas progressivas para causa mortis de 7% e 8%, e de alíquotas progressivas para doações de 5% e 6%.
Os tributos sobre o consumo tendem a ser mais injustos, pois pesam mais no bolso da população de menor renda. Por esse motivo, em praticamente todos os sistemas tributários modernos, os impostos sobre patrimônio e propriedade têm mais espaço em detrimento da participação dos impostos sobre o consumo. Esse, inclusive, parece ser um dos pontos comemorados também pelos contadores, de acordo com o vice-presidente do Conselho Regional de Contabilidade, Márcio Schuch.
Outro tópico que tende a ser consenso entre a classe contábil e a equipe da Fazenda gaúcha é a redução da alíquota efetiva de 18% para 12% nas operações internas entre empresas do Rio Grande do Sul. Essa alteração, segundo Schuch, tem impacto financeiro no caixa das empresas e vai melhorar o ambiente de negócios, inclusive para empresas do Simples Nacional.
O objetivo é estimular as aquisições internas para comercialização ou industrialização, reduzir o custo financeiro de aquisição para empresas em geral e diminuir o custo real de aquisição para empresas do Simples Nacional. O Paraná já implementou medida semelhante, mas com abrangência inferior.
Outras importantes alterações relacionadas ao ICMS - principal fonte de arrecadação do Estado, são a simplificação com redução do número de alíquotas do ICMS de cinco para apenas duas (de 25% e de 17%), o fim da cobrança de alíquota de 30% sobre produtos e serviços seletivos (como gasolina, álcool e telecomunicações).
Reforma tributária é crucial para resgate da competitividade do Estado
Após a apresentação da proposta de reforma tributária, o governo gaúcho passou a se reunir com entidades representativas da economia do Estado para receber e discutir sugestões. Se o foco das discussões variava de acordo com o setor representado, alguns assuntos não saíram da pauta: simplificação e redução da carga tributária e resgate da competitividade.
O governador Eduardo Leite destaca que o Rio Grande do Sul tem urgência para retomar sua competitividade. "Fizemos a mais profunda reforma da Previdência entre os estados e uma reforma inédita nas carreiras dos servidores públicos, e agora precisamos avançar na pauta da tributação", defende.
O objetivo, explica, é manter os níveis de arrecadação do Estado para retomar o equilíbrio fiscal. "Mas queremos fazer isso de forma a tornar o sistema mais inteligente, mais racional, mais moderno, buscando justiça tributária e animando investimentos no Estado", afirma Leite.
Entre as medidas apresentadas, estão a simplificação com redução do número de alíquotas e redistribuição da carga de ICMS, revisão sistemática de benefícios fiscais, redução do ônus fiscal para famílias de baixa renda - que somam mais de 1,1 milhão de gaúchos - com devolução de parte do ICMS.
Também estão propostas no projeto a modernização da administração tributária e de estímulo à atividade econômica e à retomada pós-pandemia. "É uma reforma inovadora, pioneira e consistente que, tenho confiança, será um bom exemplo para o Brasil", apontou o governador.
O secretário da Fazenda, Marco Aurélio Cardoso, voltou a enumerar os benefícios da reforma durante um ciclo de debates virtuais com entidades representativas - um deles promovido pelo Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS) na semana passada. O encontro foi uma oportunidade para saber mais sobre a essência do modelo construído ao longo de vários meses pela Fazenda gaúcha e, também, levar os questionamentos da classe contábil.
A presidente do CRCRS, Ana Tércia Rodrigues, que conduzia o bate-papo, lembrou que uma preocupação constante de empresários e, é claro, contadores, é a evasão de pessoas e também de empresas para outros estados. "Muito desse fenômeno se deve ao fato de a política tributária do Rio Grande do Sul não se mostrar tão atrativa para a instalação de negócios e investimentos", sustentou.
O secretário da Fazenda confirma que retomar os investimentos e tornar o Estado mais atrativo é um desafio, mas salienta que é preciso manter a arrecadação e a sustentabilidade do caixa. Para ele, a competitividade está relacionada também a outros aspectos além da tributação.
"Defendemos uma carga tributária controlada e nos comprometemos a não subir (as alíquotas), só que o debate público muitas vezes gira em torno de afirmações simplistas que não guardam relação com o que os dados demonstram", justifica.
Por isso, explica, o governo gaúcho propõe uma redistribuição da carga tributária e uma reforma mais estruturante. Para Cardoso, é preciso superar os interesses de alguns e avançar no que é melhor para todos.
A preocupação trazida à tona pelo vice-presidente do CRCRS, Márcio Schuch, é que nesse processo de redistribuição da carga, alguns setores acabem sofrendo o impacto de um aumento na carga tributária justamente após meses de enorme dificuldade financeira devido à pandemia.
Schuch lembra que a proposta aposta em um ciclo de consumo para garantir que alguns elos da cadeia não saiam penalizados que ainda não se sabe se realmente irá se concretizar.
Proposta antevê fim da majoração do ICMS
Nos últimos anos, a discussão de reforma tributária nacional ganhou espaço e levou todos os estados a começarem a pensar sobre o impacto dessas mudanças em suas contas. No Rio Grande do Sul, esse debate veio ao encontro da necessidade de refletir sobre uma recente majoração da alíquota de ICMS. O Estado decidiu então sair na frente e já realizar mudanças estruturais.
O aumento na alíquota básica de ICMS no Estado de 17% para 18% e na alíquota sobre produtos e serviços seletivos (como gasolina, álcool e telecomunicações) subiu de 25% para 30% ocorreu devido à crise financeira, em 2015. O pedido foi aprovado na Assembleia Legislativa com prazo até 31 de dezembro de 2018. Mais tarde, no entanto, ele foi prorrogado para 31 de dezembro de 2020.
A fim de evitar o rombo com o fim da majoração das alíquotas, o governo gaúcho decidiu aproveitar a oportunidade para modernizar o sistema tributário. Uma força-tarefa foi organizada desde o início da gestão do governador Eduardo Leite com o foco simplificar o modelo tributário gaúcho, padronizando com os outros estados e se aproximando dos sistemas mais modernos do mundo.
O projeto se relaciona com a reforma tributária em discussão no Congresso, que trata da unificação de dois tributos federais e de medidas de simplificação e sua tramitação não afeta em nada o trâmite do projeto do Rio Grande do Sul. Pelo contrário. De acordo com a Secretaria da Fazenda ele coloca o Estado em vantagem, pois em nível local já se está alinhando e antecipando às medidas nacionais.
O secretário da Fazenda Marco Aurélio Cardoso destaca que o projeto vai muito além de evitar a perda de R$ 2,85 bilhões em arrecadação a partir de 2021 para o Estado e de R$ 850 milhões para as prefeituras com o fim da majoração das alíquotas de ICMS sobre gasolina, álcool e telecomunicações no final deste ano.
"Queremos conciliar o equilíbrio fiscal, já que o momento não nos permite reduzir a arrecadação do Estado, mas queremos um ICMS melhor distribuído, revisar incentivos fiscais, ter mais justiça social, reduzir tributação sobre o consumo - já que tem um peso maior sobre as famílias de baixa renda - e aumentar sobre o patrimônio. Assim, com uma tributação mais eficiente e mais inteligente, ainda que não haja redução de arrecadação, vamos ter estímulos à atividade econômica", esclarece Cardoso.
Medidas podem ajudar no combate à sonegação
A fim de equilibrar o peso da tributação indireta, a reforma tributária do governo gaúcho prevê a devolução do ICMS a famílias de baixa renda já cadastradas via cartão de compras do Banrisul. Além disso, propõe criar o Receita Certa, programa no qual todos os cidadãos poderão receber uma espécie de participação nos lucros e resultados da Nota Fiscal Gaúcha.
A presidente do CRCRS, Ana Tércia Lopes Rodrigues, considera as soluções interessantes e diz que podem ser uma oportunidade para a promoção da educação fiscal da população. "As pessoas deverão se interessar mais pelos tributos pagos e consumir de locais que emitem nota", prevê.
Segundo a Secretaria da Fazenda, famílias com renda mensal de até R$ 1.908 destinam cerca de 14,7% de sua renda para o ICMS embutido no consumo. Já as famílias que recebem acima de R$ 23.850, por exemplo, utilizam apenas 3,4% da renda para o mesmo fim. Ou seja, os mais pobres, no sistema atual, pagam, proporcionalmente, mais ICMS do que as mais ricas.
Embora alguns produtos que pesam na cesta de consumo das classes com menor poder aquisitivo tenham baixa carga tributária (carnes e laticínios, por exemplo), há outros itens e serviços que também pesam no bolso dos mais pobres e são muito tributados (como combustíveis, energia e comunicações).
A iniciativa inovadora que está sendo construída pelo Rio Grande do Sul consiste em devolver parte do ICMS a famílias de baixa renda. Elas receberão uma restituição correspondente a um valor fixo mínimo e mais um percentual do imposto suportado, e este percentual será maior para as famílias relativamente mais pobres, combatendo uma das principais distorções do ICMS, que é a regressividade. Haverá também um teto de devolução por cadastrado.
O Rio Grande do Sul seria o primeiro Estado a devolver parte do ônus suportado pelos cidadãos. Se aprovada a Reforma Tributária RS, em 2023 estima-se que serão devolvidos até R$ 450 milhões aos gaúchos mais pobres.