LGBTs buscam a Justiça para obter benefícios previdenciários

Todos deveriam ter acesso aos mesmos direitos, mas a falta de legislação específica prejudica casais homoafetivos

Por Roberta Mello

Maioria da população (94,7%) se declara heterossexual, afirma IBGE
Os casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo dispararam em 2018 na comparação com o ano anterior. Segundo as Estatísticas de Registro Civil, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou em dezembro passado , mais de 9,5 mil casais homoafetivos decidiram se unir formalmente em 2018, frente a 5,8 mil em 2017, o que representa um aumento de 61,7%. Apesar do crescimento, o casamento entre homossexuais corresponde a somente 0,9% do total de uniões registradas no País.
Os registros de casamento homoafetivo tiveram um aumento expressivo, sobretudo, nos últimos meses de 2018. À época, a então presidente da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Maria Berenice Dias, recomendou que as pessoas oficializassem seus relacionamentos até o final do ano. "Como o presidente eleito era e é declaradamente homofóbico, entendi por bem incentivar que as pessoas se protegessem. Ele tem, até hoje, a possibilidade de baixar medidas provisórias e negar acesso ao casamento", destaca.
O temor de perder direitos conquistados depois de muita mobilização e trabalho fez com que mesmo aqueles que estavam esperando um melhor momento antecipassem a cerimônia. Do total de 3.958 casamentos entre homens, 29,6% foram registrados apenas em dezembro. Entre casais formados por mulheres, 34% das 5.562 uniões também aconteceram no último mês do ano passado. Já os casais formados por homem e mulher, o número de casamentos registrados em dezembro corresponde a 11,3% do total.
Em 2019, os números devem repetir os de anos anteriores. No entanto, o casamento homoafetivo não é garantido por lei no Brasil. A união civil entre pessoas do mesmo sexo foi declarada legal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em maio de 2011. Em 2013, a Resolução nº 175, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), decretou que cartórios de todo o Brasil não podem recusar a celebração de casamentos civis de casais do mesmo sexo ou deixar de converter em casamento a união estável homoafetiva.
A falta de legislações capazes de dar mais segurança em relação aos direitos dessa população, contudo, acaba por abrir espaço para que o Judiciário nem sempre adote a mesma conduta. Em geral, todos os casais gozam dos mesmos direitos em relação a benefícios previdenciários desde o momento em que se casam ou mantêm união estável. Entretanto, de acordo com especialistas e a despeito dos avanços na discussão nos últimos anos, ainda há dúvidas entre a população LGBT, que depende do Poder Judiciário para que seus direitos sejam garantidos. Alguns exemplos bastante comuns são a garantia ao direito à licença-maternidade, ao salário-família e ao auxílio-reclusão.
O advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, Leandro Madureira, explica que todos os direitos trabalhistas e previdenciários devem ser garantidos, sem distinção de gênero ou orientação sexual, aos cidadãos LGBT, tal e qual são garantidos aos cidadãos cisgêneros e heterossexuais. "O fato de haver um relacionamento entre pessoas do mesmo sexo ou de um trabalhador se identificar como transexual não limita em nada o seu direito a um benefício ou a um direito. Logo, a eles também são garantidos os benefícios, desde que completem todos os requisitos exigidos pela legislação", afirma Madureira.

Especialista defende a inclusão da diversidade nas legislações e a aprovação de estatuto

A falta de legislação específica que garanta os direitos dos casais homoafetivos faz com que nem mesmo os direitos mais básicos sejam reconhecidos. O alerta é da advogada especializada em Direito Homoafetivo, Direito de Família e sucessões e vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Maria Berenice Dias.
"Se não forem casadas no papel, as pessoas LGBT podem esbarrar no preconceito do Judiciário quando forem em busca dos seus direitos. Isso porque não está expresso em lei seus direitos, e, infelizmente, a tendência é que o Legislativo continue negando qualquer mudança", afirma Maria Berenice.
A especialista salienta que o ideal seria que a lei já contemplasse essas especificidades. Mesmo ante um cenário ainda desfavorável, um alívio é que, quando os casos vão para instâncias superiores, como o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e o STF, as decisões, em geral, são mais progressistas.
Maria Berenice lembra que um caminho possível para dar mais segurança a essa parcela da população seria a aprovação do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero. "O documento foi apresentado por iniciativa popular, por meio da Ordem dos Advogados do Brasil e da Aliança LGBT em 2018. Desde então está parado no Congresso Nacional", lamenta. Ao todo, foram reunidas 100 mil assinaturas.
Para ela, pautas como essa não deslancham devido ao preconceito nas casas legislativas. "O resultado é que a legislação brasileira fica para trás em relação a outros países", acredita.

O que dizem os especialistas

 

Aposentadoria de pessoas trans deve levar em conta a identidade

Se você não for uma pessoa transexual ou transgênero, dificilmente deve ter se perguntado com que idade irá se aposentar. No Brasil, mulheres e homens têm regras diferentes para aposentadoria. Contudo, não há uma normatização sobre como tratar alguém que nasceu sob um determinado signo biológico e, em um momento, é reconhecido sob outro e precisa requerer aposentadoria.
O advogado Leandro Madureira, sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, afirma que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os regimes de Previdência dos servidores públicos e o Poder Judiciário têm levado em conta a data de preenchimento dos requisitos e comparado com o momento em que o trabalhador ou a trabalhadora passou a se identificar, do ponto de vista jurídico, com o gênero. Ainda assim, acontecem casos como o noticiado recentemente na mídia, em que um agente penitenciário transexual teve o seu pedido de aposentadoria indeferido em razão de haver "dúvida jurídica relevante" a respeito de sua identificação, conforme alegado pela autarquia estadual São Paulo Previdência (SPPREV), lembra Madureira.
A advogada Maria Berenice Dias defende que seja levada em conta a identidade da pessoa no momento de solicitar a aposentadoria. Para evitar qualquer complicação, ela indica que as pessoas utilizem o direito de alterar o nome social. "Assim, quando a pessoa chegar no INSS, evita de ter que dar mais explicações", diz.
Segundo Madureira, a solução para resolver um problema desse tipo é verificar se o processo de transição de gênero já foi completado no momento em que foram alcançados os direitos de aposentadoria. "Esse é exatamente o caso do agente penitenciário, tendo completado os requisitos quando ainda era uma mulher cisgênero. No caso, deve ser aplicada a legislação que contempla os requisitos indicados para as mulheres, ainda que o servidor tenha transicionado de gênero logo em seguida", analisa Madureira.
Contudo, os problemas dos trabalhadores transexuais vão além do pedido de aposentadoria. O índice de pessoas transexuais em empregos formais é baixo, principalmente em razão do preconceito.
No Brasil, 90% dessa população tem a prostituição como fonte de renda e possibilidade de subsistência, segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Mesmo assim, cabe destacar que, desde 2010, o INSS reconhece os direitos das profissionais do sexo, incluídas, em 2002, entre as ocupações reconhecidas pelo Ministério do Trabalho.
 

Jurisprudência pode ajudar a garantir os direitos

O indeferimento de pedidos de benefícios previdenciários para pessoas LGBT pode ser contestado por via administrativa ou judicial. O caminho de ingressar com ações na Justiça tem sido utilizado por trabalhadores e segurados para garantir direitos, e a existência de jurisprudência positiva pode ajudar a alcançar os objetivos. Os especialistas são unânimes: na maioria dos casos, a concessão passa por vias judiciais.
O advogado previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, Thiago Luchin, exemplifica que "não há uma previsão expressa quanto à licença-maternidade para o grupo LGBT, porém é de entendimento jurisprudencial que esse direito pode ser concedido, uma vez que é dado o benefício para quem adota ou recebe a guarda judicial".
Segundo o especialista, o mesmo ocorre com o salário-família e o auxílio-reclusão. O salário-família, juntamente com o salário-maternidade, é um dos benefícios que visa à cobertura dos encargos familiares e tem por objetivo a substituição da remuneração da segurada gestante durante os 120 dias de repouso, referentes à licença-maternidade, bem como a adotante que deverá se dedicar à criança pequena.
O benefício é devido às seguradas e aos segurados que adotarem ou obtiverem guarda judicial para efeito de adoção. "Dessa forma, o casal homoafetivo que adota também possui esse direito, e apenas um integrante do casal terá o benefício. Já o INSS reconhece o direito à pensão por morte e auxílio-reclusão ao parceiro homossexual, mas somente após determinação da Justiça", destaca Luchin.
Em relação à pensão por morte, Leandro Madureira, do mesmo escritório, explica que, para obter esse direito, é necessário que o segurado prove que estava em um casamento ou união estável com a pessoa falecida. Segundo ele, desde a decisão do STF, em 2011, reconhecendo o direito à união homoafetiva, os órgãos previdenciários não podem negar o direito ao benefício pelo único motivo de se tratar de relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.
"Havendo união estável ou casamento, e desde que a pessoa que faleceu se enquadre como segurado da Previdência, surge o direito à pensão. Os requisitos são exatamente os mesmos exigidos para as pessoas que não fazem parte de uma relação homoafetiva", afirma Madureira.
O fato de haver uma diversidade de regimes próprios de Previdência espalhados pelo País, contudo, aumenta a dificuldade para a concessão de benefícios. Por isso, os advogados sustentam que toda e qualquer decisão administrativa que atente ou discrimine um cidadão LGBT deve ser discutida judicialmente, já que o Judiciário evoluiu muito na extensão dos mesmos direitos. A Constituição Federal brasileira prevê a igualdade de direitos e, segundo os especialistas, abrange questões trabalhistas e previdenciárias.