Acordo permite aos contribuintes negociar dívidas de forma direta
A medida é comemorada como uma ferramenta muita efetiva para arrecadação da União sobre os débitos que dificilmente seriam pagos. Os contribuintes podem aproveitar a oportunidade para limpar seu nome e, além de um aumento na sua arrecadação, a União dá um sinal de mudança de cultura.
Conforme sócio do escritório Andrade Maia e especialista na área tributária, Leonardo Aguirra de Andrade, este pode ser um primeiro passo para efetivação da tese de que cabe ao Estado disponibilizar incentivos para que o contribuinte se torne mais colaborativo. "O Estado brasileiro precisa alterar a sua postura de mero aplicador da lei de maneira rigorosa em prol da eficiência no contencioso tributário e na arrecadação e a MP 899 caminha nesse sentido", destaca Andrade.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) também comemora a possibilidade de o empresário poderá fazer acordos de seus débitos direto com a Fazenda. Para a instituição, a medida é mais uma forma de solucionar conflitos sem que seja preciso acionar o Poder Judiciário, o que agiliza o trâmite e diminui as demandas judiciais.
Para o advogado tributarista do escritório Souto Correa, Pedro Demartini, a iniciativa aponta para uma mudança de hábito da administração pública e, principalmente, para os contribuintes. De acordo com Demartini, "nos últimos anos, o Fisco tem buscado se aproximar dos contribuintes, inclusive por meio de análises individualizadas da situação de cada um".
Por outro lado, conforme Demartini, o aumento dos programas de parcelamento pode acabar estimulando que contribuintes maus pagadores façam uso dos programas como ferramenta de planejamento. "Isso dificilmente ocorrerá na transação tributária, que não será uma certeza para contribuintes que deixarem de recolher tributos", pontua Demartini.
Medida pode ajudar a desafogar Judiciário
Para o diretor tributário da Confirp Consultoria Contábil, Welinton Mota, a medida é sinal de novos tempos na postura do governo federal perante as empresas com dívidas tributárias, o que é bastante positivo, pois proporciona novos elementos e possibilita ajustes para as empresas.
"Não se trata de um novo 'Refis', mas sim da regulamentação da chamada 'transação tributária' (acordo fiscal entre a União e devedores), prevista no artigo 171 do Código Tributário Nacional. Essa transição esperou 53 anos para ser colocada em prática", explica Mota.
O especialista complementa que essa medida envolve concessões mútuas entre as partes. Além disso, permite descontos no valor das multas, juros e encargos das dívidas inscritas na Dívida Ativa da União, o que é muito interessante para os devedores, face às pesadas multas e juros que recaem sobre os débitos de natureza tributária.
"A 'transação tributária' (acordo) é uma ferramenta bastante utilizada nos países desenvolvidos para resolução de conflitos e agora se tornou realidade no Brasil. Veio em boa hora e certamente ajudará a desafogar o judiciário. Mostra-se ainda como uma excelente alternativa para a regularização débitos de difícil recuperação e para resolver litígios de difícil solução", analisa o diretor da Confirp.
Como será a renegociação:
- Dívida ativa: foco está em dívidas consideradas de difícil recuperação, seja pelo tempo decorrido ou pelo perfil do devedor, desde que não envolva multa por crime ou fraude fiscal.
Potencial: 1,9 milhão de devedores e R$ 1,4 trilhão em dívidas.
Descontos: de até 50%, chegando a 70% para pessoas físicas e micro ou pequenas empresas. As reduções ocorrem sobre juros, multas, encargos, não atingindo o valor do principal.
Pagamento: em até 84 meses, chegando a 100 meses para pessoas físicas e micro ou pequenas empresas.
- Litígio tributário: os alvos são devedores cujas dívidas estão em discussão no âmbito administrativo ou judicial. Casos em que há controvérsias consideradas relevantes.
Potencial: 120 mil processos e R$ 600 bilhões em dívidas.
Descontos: vão depender de concessões entre o Fisco e os devedores, caso a caso.
Pagamento: em até 84 meses.
MP abre espaço para que tratativas ocorram em qualquer momento
Para especialistas, a principal diferença entre o que estabelece a MP e os parcelamentos tradicionais do Refis está na flexibilidade. Conforme a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no último Refis, 90% dos contribuintes que aderiram ao refinanciamento pertenciam às categorias A e B de devedores, ou seja, com boa capacidade de pagamento.
O próprio procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União e do FGTS, Cristiano Neuenschwander, já avaliou que a sistemática atual do Refis consiste em um simples parcelamento de dívidas tributárias, que acaba beneficiando quem não precisa de incentivo.
Para o sócio do escritório Andrade Maia e especialista na área tributária, Leonardo Aguirra de Andrade, outra diferença prática é que os Refis são regimes gerais de transação disponíveis em determinado período, ou seja, eles têm prazo para acabar. "Já a MP 899 dá os critérios jurídicos para que os Procuradores da Fazenda Nacional celebrem, a qualquer tempo, uma transação tributária, individualmente, com os contribuintes que discutem débitos inscritos em Dívida Ativa da União. Em outras palavras, a MP 899 instituiu na legislação brasileira federal a transação tributária, sem prazo de vigência", explica Andrade.
Para ele, a MP 899/2019 não irá fazer com que os contribuintes se sintam mais à vontade em liquidar dívidas tributárias. No entanto, ela é positiva ao permitir que o contribuinte e o Fisco cheguem a um acordo para encerrar litígios tributários de maneira mais célere.
"É melhor um fisco que arrecada menos, mas rápido, do que um Fisco que espera arrecadar mais em prazo indeterminado e sem segurança quanto à efetiva arrecadação, sobretudo em um cenário de alta e demorada litigiosidade", opina. No entanto, Andrade critica a exclusão das multas qualificadas (de 150%), aplicáveis no caso de crimes tributários. "No Brasil, a aplicação desse tipo de multa se tornou rotineira em muitos casos que não envolvem crime. Logo, a exclusão dessas penalidades reduz muito o escopo do regime de transação tributária", lamenta.