Corrupção e falta de transparência são problemas sistemáticos que afligem as relações políticas e comerciais no Brasil há muitos anos, em menor ou maior grau, dependendo do caso. É um agente silencioso que impede a construção de escolas e hospitais, emperra avanços sociais, aumenta a falta de segurança e míngua recursos públicos. Segundo a organização Transparência Internacional, que mede a percepção da corrupção no setor público em 180 países, o Brasil, em 2018, ficou na 105ª posição, o pior resultado desde 2012. Com o resultado, intensifica-se o sentimento de descrença e revolta por parte da população. A frase "todo político é igual" toma gosto popular. Mas o que fazer realmente com essa indignação?
Há pouco mais de 10 anos, os observatórios sociais do Brasil têm sido a casa de alguns desses indignados, que buscam controlar os gastos públicos e impedir desperdícios, de maneira técnica e institucional. Mesmo assim, muitos ainda nem fazem ideia do que é um Observatório Social.
Presente em 140 cidades brasileiras, incluindo Porto Alegre, e com uma rede de mais 3,5 mil voluntários trabalhando pela causa da justiça social, os observatórios já geraram uma economia superior a R$ 3 bilhões para os cofres municipais, entre 2013 e 2017.
Conselheira no Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS) e vice-presidente financeira há seis anos do Observatório Social de Erechim e do Observatório Social do Brasil (OSB), a contadora Belonice Sotoriva ressalta a importância de popularizar ainda mais os observatórios sociais, ferramentas que, segundo ela, geram a cidadania a partir do controle social dos gastos públicos. "Nós temos a meta de criar observatórios em todas as cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, mas, para isso, temos que aprofundar a nossa relação com a sociedade", diz a vice-presidente financeira da instituição.
Dessa forma, a terceira edição do congresso que reúne todos os observatórios sociais do Brasil, com o objetivo de discutir questões que norteiam a transparência e o combate da corrupção no País, denominado "Congresso Pacto Pelo Brasil", que acontece entre 26 e 28 de agosto, em Curitiba, também será o momento para traçar estratégias rumo à popularização dessa ferramenta controladora.
JC Contabilidade - O que são os observatórios sociais e como eles atuam?
Belonice Sotoriva - Os observatórios são entidades apartidárias, sem fins lucrativos, que fazem o controle financeiro dos órgãos do município, quando são observatórios municipais, ou o controle dos órgãos do Estado, quando o observatório tem a responsabilidade a nível estadual. Nesse caso, apenas Santa Catarina tem um observatório estadual. Buscamos despertar o espírito de cidadania da sociedade, já que trabalhamos com a ajuda de voluntários, porém, mais diretamente, nosso objetivo é incidir sobre a economicidade das regiões, de maneira direta e indireta. Seja acompanhando os dados dos portais da transparência, a efetivação de leis e políticas públicas, o controle de licitações e pregões públicos, nosso trabalho é trazer economia pública, discriminando todas as ações dos observatórios em relatórios quadrimestrais, tanto no site quanto nas redes sociais da instituição.
Contabilidade - Então é possível afirmar que cidades com observatórios sociais têm menos corrupção e mais transparência?
Belonice - Sim, é possível. Em cinco anos, nós crescemos mais de 100%, disseminamos observatórios por 140 cidades, sendo que 50 outras estão por abrir, e, durante esse período, foi economizado mais R$ 3 bilhões. Tudo está discriminado nos relatórios quadrimestrais, no site do OSB e em diversas outras plataformas. Além disso, também oferecemos cursos de gestão municipal, compliance e diversas outras ferramentas de controle social. Nas licitações públicas, convidamos novas empresas a participarem para que a competição reflita na baixa dos preços, além de outras ações.
Contabilidade - Se têm um papel tão importante, por que os observatórios sociais são tão pouco conhecidos no Brasil?
Belonice - Acho que um dos problemas é que o observatório não gera um produto final tangível, nem um serviço tão claro aos olhos da sociedade. Somos uma entidade que promove a economicidade, a responsabilidade do serviço público, a educação fiscal e a cidadania, o que gera mais hospitais e escolas. Esse crédito, porém, não chega aos observatórios. Estamos fazendo uma restruturação de governança com a intenção, justamente, de nos tornarmos mais conhecidos e investir em programas que tragam validação da sociedade. O Observador Mirim, por exemplo, é um programa nosso que promove o espírito cidadão em escolas pública. Durante três dias, ensinamos o que é um prefeito, o que deve fazer um vereador, quais são os direitos e deveres de cada um. Acredito que esse é um dos programas mais carismáticos do ponto de vista da sociedade. Mesmo assim, acho que os brasileiros têm dificuldade em valorizar o controle social, porque não é uma prática muito comum. Além disso, nossa linguagem é mais técnica e menos sensacionalista, o que também influencia, de certa forma.
Contabilidade - Qual o melhor caminho para alcançar a missão do Observatório Social do Brasil, que é otimizar a gestão pública?
Belonice - O Observatório Social do Brasil entende que o controle social realizado pela sociedade é uma excelente ferramenta, já que são poucos os órgãos de controle para o tamanho do País. Se os cidadãos de cada canto desse Brasil exercerem o controle social preventivo, isso traria bons resultados, principalmente a longo prazo, porque iria fortalecer um movimento de cidadania. A legislação vai se adequando a partir dos apontamentos da sociedade, mas se não se faz nada, nada se altera. Uma cobrança mais técnica e embasada por parte do cidadão é um ótimo caminho para a eficiência da gestão pública.
Contabilidade - E como o profissional contábil está inserido nos observatórios sociais?
Belonice - Em todos os observatórios sociais no Brasil há, pelo menos, um contador. Nós somos, por essência, uma profissão de controle: fazemos o controle das empresas, dos registros, da gestão pública, então fica mais fácil interpretar essas informações. Além disso, também temos que nos atualizar cotidianamente frente à legislação e à demonstração das informações. O próprio Conselho Federal de Contadores e, consequentemente, os Conselhos Regionais são grandes parceiros, tanto é que o Programa Observatório Social faz parte do Programa de Voluntariado dos Contadores.
Contabilidade - O que é o congresso Pacto Pelo Brasil?
Belonice - O Pacto Pelo Brasil é o maior congresso de controle social do Brasil, e tem a intenção de materializar as propostas do observatório para melhoria do Brasil, que torna o País uma área livre de corrupção. Nesta edição, irá reunir todos os observatórios, instituições de controle, como Procuradoria-Geral União, Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União e Casa Civil. Esta edição acontecerá em Curitiba, entre 26 e 28 agosto, e terá como tema central "Práticas honestas na relação público-privada". Cada dia focará em um aspecto dessa relação: Gestão pública, Integridade e Inovação.
Contabilidade - Na prática, o que vai acontecer nesta edição do encontro?
Belonice - O primeiro dia, que será voltado à gestão pública, reunirá prefeituras do Brasil, e uma internacional, para troca de experiências e conhecimento entre os órgãos municipais. Participarão prefeitos, secretários, e vereadores para também traçar perspectivas para o futuro. No segundo, dia 27 de agosto, empresas privadas mostrarão seus programas de controle de integridade, trazendo casos reais. Empresas, por exemplo, que foram mal vistas a partir da Operação Lava Jato e que, hoje, buscam recuperação de sua integridade, que também é sua imagem pública. Já o dia 28 de agosto será voltado exclusivamente para a inovação, com apresentações de painéis relacionando a Inteligência Artificial ao controle e à prevenção da corrupção. Casos de aplicativos que já possuem essa finalidade, que empoderam o cidadão e permitem o controle social. O Pacto Pelo Brasil é gratuito e aberto ao público.