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Reforma da Previdência gera dúvidas sobre cálculo das contribuições
O texto abre espaço para a incidência de contribuição social em verbas de natureza indenizatória
A reforma da Previdência abre caminho para que benefícios - como, por exemplo, o vale-refeição - passem a integrar a base de cálculo da contribuição para o INSS. Um artigo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) encaminhada ao Congresso Nacional na semana passada prevê que as alíquotas devem incidir sobre rendimentos do trabalho "de qualquer natureza".
Isso abre espaço para a incidência de contribuição social em verbas de natureza indenizatória, como adicional de férias, aviso-prévio, os primeiros 15 dias do auxílio-doença e acidente, participação nos lucros e vale-alimentação com desconto em folha de pagamento. A medida, que ainda teria de ser regulamentada em lei, poderia ajudar a aumentar a arrecadação, afirmam especialistas, mas o governo diz não ter essa intenção agora.
Hoje, a expressão não consta da Carta, e há debate na Justiça sobre o que deve ser considerado base para o cálculo das contribuições ao INSS. Valores de natureza indenizatória, em geral, não são tributados. A alíquota incide apenas sobre os rendimentos do trabalho, como os salários, incluindo o 13º. Para o trabalhador, não haveria aumento da cobrança, apenas para o empregador.
Procurada, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho disse em nota que o objetivo é dar mais transparência à regra. "Hoje, há um intenso debate jurisprudencial para definir se determinada verba, por sua natureza, é base de cálculo de contribuição ou não. Aprovada a PEC, é a lei que indicará, de forma clara, quais verbas são base e quais não", informou a secretaria. "Neste momento, não há nenhuma previsão de aumento ou redução da base de contribuição por essa mudança na redação."
Se a PEC for aprovada como está, deve reforçar um entendimento já expresso pela Receita Federal no fim de 2018 em um parecer que indica que o auxílio-alimentação deve ser considerado para o cálculo da contribuição previdenciária, fornecido pelo empregador em dinheiro ou por meio de tíquete ou cartão.
O advogado Rodolfo Ramer, especialista em Direito Previdenciário, explica que, hoje, as empresas pagam o trabalhador e não recolhem essa cota como seguro social. A Receita, então, faz a cobrança de maneira administrativa, e a discussão acaba na Justiça. O advogado João Badari, sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados, diz que a inclusão no texto constitucional pacificará essa polêmica e ajudará a aumentar a arrecadação da Previdência.
A advogada do escritório Mattos Filho Advogados, Luciana Dias Prado, há uma discussão no Judiciário sobre as verbas de natureza indenizatória que ficam de fora da base de cálculo do empregador, e que estavam mais pacificadas para o lado do contribuinte. "Com esse novo texto, a Receita terá mais facilidade de cobrar essa maior tributação", indica Prado.
O secretário de Previdência, Leonardo Rolim, admite que a mudança pode abrir espaço para ampliar a base de incidência das contribuições. Mas também ajudaria a aumentar o benefício requerido na aposentadoria. Rolim destacou que o novo texto define que as contribuições também devem incidir sobre rendimentos "pagos, devidos ou creditados" ao trabalhador.
Hoje, a lei só fala em valores "pagos ou creditados". A medida, diz Rolim, é uma forma de garantir que empregadores sejam cobrados pela contribuição previdenciária mesmo que não tenham pago o salário do empregado. "Se é devido ao trabalhador, vai gerar direito a benefícios. Não vai colocar o ônus sobre o empregado", diz Rolim.
Alíquota de contribuição é mantida para microempreendedor individual
A proposta de reforma da Previdência, cujo texto foi entregue pelo presidente Jair Bolsonaro à Câmara dos Deputados no dia 20 de fevereiro, não propõe nenhuma mudança para o Microempreendedor Individual (MEI). O MEI, figura jurídica que entrou em vigor no Brasil em 2009, continuará a contribuir com apenas 5% do salário-mínimo, para garantir seus direitos previdenciários pagos pelo INSS.
A alíquota reduzida corresponde, atualmente, a R$ 49,90. Com isso, quem trabalha por conta própria e fatura até R$ 81 mil por ano pode se formalizar e ter acesso à aposentadoria por idade ou invalidez, na faixa de um salário-mínimo.
No primeiro caso, é preciso um mínimo de 180 meses de contribuição. No segundo, 12 meses, em geral. Há, ainda, outros benefícios, como auxílio-doença e salário-maternidade, para os quais são exigidos 12 e 10 meses de recolhimentos prévios, respectivamente.
O regime não dá direito à aposentadoria por tempo de contribuição nem permite contribuir mais para receber benefício superior a um salário-mínimo. Além da contribuição para o INSS, os microempreendedores individuais recolhem R$ 5,00 de ICMS, no caso de atividades de comércio e indústria, e/ou R$ 1,00 de ISS.
Aprovação da reforma pode fomentar recessão
Estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia aponta que, sem a aprovação da reforma da Previdência, o crescimento do PIB em 2019 seria inferior a 1%, e o País entraria em recessão a partir do segundo semestre de 2020. De acordo com o levantamento, o Brasil caminharia para perdas comparáveis às do período de 2014 a 2016. Segundo o texto, sem a mudança de regras nas aposentadorias, em 2023, "cada brasileiro estaria R$ 5,8 mil mais pobre".
O governo estima que, se a nova Previdência for aprovada, seriam criados 8 milhões de empregos até 2023. Em compensação, sem a reforma, a taxa de desemprego chegaria a 15,1% em 2023.
O documento afirma que o descontrole das contas públicas está na raiz da grave crise econômica pela qual o País vem passando e que a deterioração fiscal é explicada principalmente pelo aumento dos gastos do governo com benefícios previdenciários. Segundo o estudo, sem reforma, haverá menos espaço no Orçamento para gastos públicos em educação, saúde, segurança e saneamento.
O ministério também fez projeções para os juros. No cenário com a nova Previdência, a Selic ficaria em torno de 5,6% ao ano em 2023. Sem reforma, a taxa básica subiria para 18,5%.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a aprovação da proposta e a necessidade de colocar as contas públicas em ordem. "Não adianta botar teto se não tem parede. O teto cai. Hoje, o teto está solto e pode cair. Tudo está indexado. Tem de ter responsabilidade para atacar as coisas de frente. A reforma da Previdência é o primeiro ataque", disse Guedes.
A proposta afeta trabalhadores da iniciativa privada e do setor público, e prevê a adoção de alíquotas progressivas, quem ganha mais paga mais contribuição previdenciária. Na sexta-feira (1), 16 associações que representam funcionários públicos federais e dos estados divulgaram nota com críticas ao projeto.
O texto é assinado por representantes de juízes, integrantes do Poder Judiciário, Ministério Público e a maior parte dos funcionários do Executivo e do Legislativo. Eles se queixam da mudança nas alíquotas. O projeto prevê percentual de até 22% para os maiores salários do funcionalismo, acima de R$ 39 mil.
Multa sobre o FGTS gera divergências
O fim da multa dos 40% sobre o saldo do FGTS nas demissões sem justa causa para quem já se aposentou e continua trabalhando, previsto na proposta de reforma da Previdência, é legal, no entendimento do governo.
Segundo os técnicos, a multa não configura direito adquirido. Isso significa que, se o trabalhador aposentado tiver algum vínculo empregatício anterior à reforma da Previdência, o empregador terá de continuar a recolher a contribuição, mas não será obrigado a arcar com a multa. Apenas o próprio FGTS é direito adquirido.
A contribuição de 8% que o patrão faz mensalmente para o FGTS de seus funcionários aposentados continuará sendo obrigatória para os contratos antigos. Para aqueles assinados após a aprovação da reforma, os empregadores ficam dispensados tanto da multa como da contribuição.
Hoje, a multa de 40% nas demissões sem justa causa incide sobre todos os depósitos realizados pelo empregador na conta vinculada do trabalhador durante a vigência do contrato, em valores corrigidos. Isso acontece mesmo em caso de saque para compra da casa própria, por exemplo. Quando o trabalhador se aposenta e continua na mesma empresa, ele pode sacar todo o dinheiro do Fundo. Mas, mesmo assim, se ele for demitido sem justa causa, o empregador precisa pagar a multa sobre todo o saldo. Com a reforma, isso vai mudar.
Na avaliação do governo, o empregador não precisa pagar a multa e a contribuição, porque, no caso do trabalhador aposentado, o FGTS já cumpriu sua missão, que é oferecer proteção financeira. Afinal, aquele trabalhador já tem a renda da aposentadoria.
Para a conselheira do FGTS Maria Henriqueta Arantes, a medida ajudará a reduzir o peso da folha. "O trabalhador aposentado pode sacar os recursos todo mês, e isso acaba servindo como um complemento de renda. Foge à função do FGTS, que é de fazer uma poupança de longo prazo a fim de assegurar uma renda no futuro", afirma Maria Henriqueta.
Já Luiz Guilherme Migliora, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, aponta uma questão técnica. "O FGTS é uma indenização ao trabalhador por tempo de serviço. Então não faz sentido argumentar que, ao se aposentar, o trabalhador não precisa mais do fundo. O FGTS não é aposentadoria nem salário desemprego", sustenta Migliora.
Ele também considera questionável o fim da multa, que classifica de "contrapartida constitucional" para a empresa ter o direito de demitir sem justa causa. "Se o trabalhador aposentado vai trabalhar como os demais, por que ele deixaria de ter direito à indenização?", questiona o sócio do escritório.
Para o presidente do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador, Mario Avelino, essa medida pode incentivar a antecipação da aposentadoria, com trabalhadores buscando ser demitidos para garantir a indenização. "O aposentado de carteira assinada também contribui para a Previdência. E gera arrecadação ao governo feita pelo empregador com base em sua remuneração", ressalta Avelino.
Principais pontos da PEC 6/2019
Idade mínima
A PEC cria uma idade mínima de aposentadoria, e, ao final do tempo de transição, deixa de haver a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição. Para os homens, a idade mínima de aposentadoria será de 65 anos, e, para as mulheres, 62 anos. Ressalta-se que os beneficiários terão que contribuir por um mínimo de 20 anos. A idade mínima vai subir a partir do ano de 2024 e, depois, a cada quatro anos, levando em consideração a expectativa de sobrevida do brasileiro.
Regra de transição
Regime Geral: Haverá três regras de transição para a aposentadoria por tempo de contribuição para o setor privado (INSS), e o trabalhador poderá optar pela forma mais vantajosa.
Transição 1: Tempo de contribuição e idade: A regra é semelhante à formula atual para pedir a aposentadoria integral, a fórmula 86/96. O trabalhador deverá alcançar uma pontuação que resulta da soma de sua idade mais o tempo de contribuição. Para homens, hoje, essa pontuação é de 96 pontos, e, para mulheres, de 86 pontos, respeitando um mínimo de 35 anos de contribuição para eles e 30 anos para elas. A transição prevê um aumento de 1 ponto a cada ano. Para homens, ela deve alcançar 105 pontos em 2028. Para mulheres, deve chegar a 100 pontos em 2033.
Transição 2: Tempo de contribuição e idade mínima: A idade mínima para se aposentar chegará a 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, após um período de transição. Ele vai durar oito anos para eles e 12 anos para ela, começando em 61 anos (homens) e 56 anos (mulheres).
Transição 3: Tempo de contribuição: Poderá pedir a aposentadoria por esta regra quem estiver a dois anos de completar o tempo mínimo de contribuição, de 35 anos para homens e 30 anos para mulheres. O valor do benefício será reduzido pelo fator previdenciário, um cálculo que leva em conta a expectativa de sobrevida do segurado medida pelo IBGE, que vem aumentando ano a ano. Quanto maior essa expectativa, maior a redução do benefício. Haverá um pedágio de 50% sobre o tempo que falta para se aposentar. Assim, se faltam dois anos para pedir o benefício, o trabalhador deverá contribuir por mais um ano.
Mudança no cálculo do benefício (RGPS): O cálculo do benefício leva em conta apenas o tempo de contribuição. O trabalhador terá direito a 100% do benefício com 40 anos de contribuição. Com 20 anos de contribuição (o mínimo para os trabalhadores privados do regime geral), o benefício será de 60%, subindo 2 pontos percentuais para cada ano a mais de contribuição. Quem se aposentar pelas regras de transição terá o teto de 100%. Quem se aposentar já pela regra permanente não terá esse teto, podendo receber mais de 100%, se contribuir por mais de 40 anos. O valor do benefício, no entanto, não poderá ser superior ao teto (atualmente, em R$ 5.839,45), nem inferior a um salário-mínimo.
Mudança na alíquota de contribuição: A proposta da nova Previdência prevê uma mudança na alíquota paga pelo trabalhador. Os trabalhadores que recebem um salário maior vão contribuir com mais. Já os que recebem menos vão ter uma contribuição menor, de acordo com a proposta. Haverá, também, a união das alíquotas do regime geral - dos trabalhadores da iniciativa privada - e do regime próprio - aqueles dos servidores públicos.
Aposentadoria por incapacidade permanente: O benefício, que hoje é chamado de aposentadoria por invalidez e é de 100% da média dos salários de contribuição para todos, passa a ser de 60% mais 2% por ano de contribuição que exceder 20 anos. Em caso de invalidez decorrente de acidente de trabalho, doenças profissionais ou do trabalho, o cálculo do benefício não muda.