Após declarações do ministro da Fazenda Paulo Guedes em defesa de cortes nos recursos do Sistema S, representantes de entidades ligadas ao setor manifestaram sua preocupação em relação à possibilidade de diminuição e até mesmo extinção dos repasses. O novo presidente do Sebrae de São Paulo (Sebrae-SP), Tirso Meirelles, diz que o corte representará uma ruptura significativa nas atividades da entidade, "com impacto direto na sobrevivência dos pequenos negócios".
A ameaça de redução das verbas foi feita por Guedes ainda antes da posse do presidente Jair Bolsonaro. "Tem de meter a faca no Sistema S", disse o ministro, sobre as nove instituições voltadas à formação profissional em suas respectivas áreas de atuação. O Sebrae é responsável pela capacitação e apoio aos pequenos negócios. Em 2018, em São Paulo, o orçamento foi de cerca de R$ 400 milhões. A maior parte dos recursos provém das contribuições que as empresas pagam sobre a folha de pagamento.
A receita própria, obtida com a comercialização de produtos e serviços, ficou em R$ 20 milhões. Guedes afirmou que o corte será entre 30% e 50%. Para o presidente do Sebrae-SP, uma redução de 30% significaria que 300 mil empresas não seriam mais atendidas pela entidade.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que é necessário "meter a faca no Sistema S". O que você achou dessa declaração?
Tirso Meirelles - A contribuição do Sistema S para o aumento da produtividade, da competitividade e da geração de empregos e de empreendimentos mais saudáveis, em todos os elos das cadeias produtivas, é significativa. Certamente, o ministro, que reiterou que não quer destruir o que funciona, fez com essa declaração uma sinalização da austeridade que vai pontuar sua gestão. Ele contará com todos nós, representantes da sociedade civil, para encontrar caminhos que conduzam para a melhoria do ambiente para empreender.
Guedes chegou a dizer que esse corte pode ser de até 50%. O que isso afetaria, na prática, nas atividades do Sebrae?
Meirelles - O corte proposto, independentemente do percentual, representará uma ruptura significativa nas atividades do Sebrae, com impacto direto e imediato no tamanho de nossa operação e, por consequência, na quantidade e na qualidade de atendimentos e na sobrevivência dos pequenos negócios. Com um corte de 30%, 300 mil clientes deixariam de ser atendidos, quase 60 mil alunos do Ensino Fundamental deixariam de ter acesso a lições de cultura empreendedora e cerca de 65 postos municipais seriam fechados.
Por que você diz que o corte afetaria a sobrevivência dos pequenos negócios?
Meirelles - O Sebrae atende a um público que é um dos pilares estratégicos de desenvolvimento socioeconômico do Brasil por sua forte atuação na geração de emprego e distribuição de renda. Existem hoje 13,8 milhões de microempreendedores individuais (MEIs), micro e pequenas empresas, responsáveis por ocupação de 43,6 milhões de brasileiros e pela geração de 27% do PIB (Produto Interno Bruto). Apesar dessa importância, sozinhos ainda enfrentam muitas dificuldades. Precisam de apoio para melhoria da gestão e da produção e de um ambiente favorável para se manter em atividade e se tornarem competitivos. A sobrevivência dos pequenos negócios está diretamente relacionada a algum tipo de tratamento diferenciado. Para quem está no Simples, a taxa de mortalidade é de 17% nos dois primeiros anos de atividade. Para os não optantes, a taxa sobe para 62%.
Que outros programas do Sebrae seriam afetados?
Meirelles - Outro programa que deverá sentir forte impacto é o de startups. Algo drástico, em um momento em que são essas empresas que têm maior potencial de alavancar novas tecnologias, captar recursos e colocar o Brasil em rankings de prestígio na comunidade internacional de inovação. Mas a conta é mais complexa. Como o orçamento de 2019 foi todo contingenciado em outubro, caso o corte chegue ainda neste ano, vai representar muito mais do que os 30% ou 50% anunciados. Teremos de desestruturar programas e projetos importantes.
Na sua opinião, o atual governo subestima a importância do Sistema S?
Meirelles - É uma questão de tempo para que os novos governantes e legisladores - nos âmbitos nacional e estadual - conheçam mais detalhadamente o trabalho, os resultados e o impacto das atividades do Sistema S no comércio, na indústria e no agronegócio. Por isso, somos favoráveis ao diálogo franco, objetivo e claro, que ajude a construir soluções de aprimoramento do sistema. Estamos numa nova fase, em nível mundial e local, que não pode prescindir de uma rede já qualificada em capacitação e consultoria de excelência. Por que começar do zero, se podemos redefinir metas, ajustar o que for necessário e seguir contribuindo para o desenvolvimento perene do Brasil?
Se houvesse uma redução na contribuição das empresas, o valor seria revertido para a criação de empregos, como acredita o governo?
Meirelles - Como empresário, acredito que a criação de empregos ocorre à medida que se encontre um ambiente mais propício à sua atividade, simplificando, por exemplo, processos burocráticos que consomem muito tempo do empresário. Hoje, um empresário perde incríveis 81,5 dias do ano em esforço e recursos com uma papelada sem fim. No Sebrae, ao melhorar a gestão dos pequenos negócios, estamos fortalecendo e tornando competitivos um dos principais pilares da geração de emprego.
O Sistema S precisa de ajustes? Há desperdício?
Meirelles - A questão de ajuste de operação e controle do Sebrae está presente em nossa cultura. As estratégias de atuação, planejamento e monitoramento foram se adequando às transformações que pontuaram os últimos 40 anos - globalização e abertura de mercados, crises econômicas, novas formas de consumir e novos consumidores. Vamos continuar aprimorando nossos processos, produtos e serviços, investindo recursos onde for preciso, sem desperdícios, para garantir aos clientes a melhoria de sua competitividade.
Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) apontou que o salário diretores do Sistema S chega a ser duas vezes maior que o salário mais alto para a mesma função no mercado de trabalho. É assim?
Meirelles - Nossa política de remuneração segue os princípios norteadores do sistema Sebrae Nacional, que já recebeu os pareceres da auditoria do TCU e está estudando as recomendações que ali constam. O presidente do Conselho Deliberativo e os demais conselheiros são voluntários, não sendo remunerados de nenhuma forma em suas atividades.