Desde a criação do Plano Real, a Receita Federal do Brasil passou a cobrar Imposto de Renda sobre a totalidade dos rendimentos gerados por aplicações financeiras, inclusive sobre a parcela de inflação embutida nesses rendimentos (hoje, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor - IPCA). A cobrança é prevista em lei, porém o tema gera, já há algum tempo, reações contrárias por parte das empresas.
Para elas e para alguns especialistas no assunto, a tributação do IPCA gerado a partir dos rendimentos é uma forma distorcida de tributar o próprio capital investido e não o seu rendimento verdadeiro. Recentemente, essa tese recebeu apoio por parte de uma decisão judicial no estado do Espírito Santo, o que vem levando outras organizações a recorrerem à Justiça em busca de mudanças.
Para o advogado e sócio do escritório Andrade Maia Advogados, Eduardo Borges, a correção monetária não representa um acréscimo patrimonial, servindo apenas para recompor o valor da moeda no tempo, e compensar o desgaste provocado pela inflação. Incomodado com a injustiça dessa cobrança, o escritório de São Paulo entrou com uma ação judicial para questioná-la, e pediu que o judiciário garantisse a devolução dos valores de Imposto de Renda (IR) que foram pagos a mais nos últimos cinco anos.
A resposta foi positiva para a empresa. O juiz responsável por analisar o caso, da Justiça Federal de Vitória (ES), afirmou em sua decisão que "a correção monetária não deve compor a base do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), uma vez que não representa acréscimo patrimonial e sim apenas um instrumento para evitar a corrosão da moeda pela inflação".
Por isso, pelo menos outras 20 empresas resolveram recorrer também e estão sendo representadas pelo escritório no âmbito judicial em relação a esse tema. Segundo Borges, que também é mestre em Direito Tributário, "essa decisão é importante por reparar uma injustiça histórica no sistema de tributação brasileiro, que desconsidera a obviedade de que a correção monetária não gera renda adicional, mas apenas repara perda inflacionária".
O recolhimento do IR e CSLL ocorre ainda quando o valor está em aplicação em posse da instituição bancária, ou seja, não é opcional. Entretanto, conforme enfatiza o advogado, aquelas organizações e pessoas físicas que buscarem a justiça e obtiverem parecer positivo poderão reaver os valores pagos nos últimos cinco anos.
JC Contabilidade - Qual a justificativa atual do Fisco para a cobrança de Imposto de Renda sobre os rendimentos de aplicações financeiras? Existem legislações que amparam essa iniciativa?
Eduardo Borges - A cobrança de imposto de renda sobre rendimentos aplicações financeiras está prevista na Lei nº 8.981, de 1995, artigo 76, caput, inciso II, e parágrafo 2º, na Lei nº 9.430, de 1996, artigo 51 e na Lei Complementar nº 123, de 2006, artigo 13, parágrafo 1º, inciso V, e parágrafo 2º. Os rendimentos de aplicação financeira também são tributados por CSLL, conforme o artigo 57 da Lei nº 8.981, de 1995, e artigo 9º da Lei nº 9.718, de 1998.
Contabilidade - Todas as empresas com rendimentos têm de fazer esse recolhimento? Ou a dedução é feita "automaticamente" pela instituição financeira?
Borges - A cobrança de IR sobre os rendimentos de aplicação financeira ocorre "na fonte", de acordo com o artigo 65 da Lei nº 8.981, de 1995. Ou seja, a instituição financeira efetua o procedimento de retenção e recolhimento do IR sobre os rendimentos de aplicação financeira. Para as pessoas físicas, pessoas jurídicas submetidas ao regime do Simples e as pessoas jurídicas isentas, essa tributação é definitiva, ou seja, o imposto pago não interfere na apuração periódica do imposto de renda. Já para as demais pessoas jurídicas, submetidas aos regimes do Lucro Real e Lucro Presumido, o imposto retido na fonte compõe a apuração periódica do lucro (real ou presumido), conforme o art. 854 do Regulamento de IR (Decreto nº 9.580/18). Para a CSLL, cabe ao contribuinte realizar a apuração e recolhimento.
Contabilidade - A discussão do escritório gira em torno de toda a cobrança ou apenas da que ocorre sobre a parcela de inflação embutida nesses rendimentos (atualmente feita com base no valor do IPCA)?
Borges - A tese se refere à não incidência de IR e CSLL sobre a correção monetária (quantificada pelo IPCA) dos valores depositados em aplicações financeiras. Ou seja, trata-se de uma parte dos rendimentos de aplicação financeira. Por exemplo, para uma aplicação com rendimento de 1% ao mês; em média 30% (a depender do mês) corresponde à inflação. A incidência de imposto de renda sobre a correção monetária está prevista no artigo 18 do Decreto Lei nº 1.598, de 1977, que nós consideramos ilegal por violar o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN) e inconstitucional por contrariar o conceito constitucional de renda (artigo 153, III, da Constituição Federal de 1988). O mesmo raciocínio se aplica para a CSLL.
Contabilidade - Qual foi a justificativa apresentada no recurso para que vocês tenham conseguido a vitória?
Borges - A tese é de fácil assimilação. A ausência de renda/receita no recebimento de valores que correspondem à inflação é um conceito intuitivo. Por exemplo, fica fácil explicar para o juiz que o que eu consigo comprar hoje com uma nota de R$ 100,00 não é o mesmo que eu conseguia comprar há 10 anos. Ou seja, a mesma nota de R$ 100,00 perdeu poder de compra ao longo do tempo. A recomposição dessa perda (por meio da inflação) não representa um ganho, e sim mera atualização da moeda no tempo. Se não há ganho, não pode haver tributação. Por fim, já há um precedente favorável no Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto, o que facilita ainda mais a aceitação da tese pelo judiciário.
Contabilidade - Quais são os contribuintes que podem entrar com ação semelhante utilizando esses mesmos argumentos?
Borges - Todos os contribuintes, tanto pessoas jurídicas quanto as pessoas físicas, que tenham aplicações financeiras podem entrar com ação semelhante.
Contabilidade - A abertura desse precedente no Espírito Santo é importante e pode garantir que o judiciário de outros estados siga a mesma decisão? Por quê?
Borges - O precedente sobre o assunto é importante, porque fortalece, ainda mais, os argumentos das novas ações sobre o tema.
Contabilidade - Devido ao resultado judicial deverá ocorrer reembolso do valor pago desde 1995 - quando entrou em vigor o Plano Real? Ou ainda há como o Fisco recorrer?
Borges - Os contribuintes podem recuperar os tributos pagos indevidamente apenas dos últimos cinco anos, ou seja, o IR e a CSLL de 2013 a 2017. Mas, com relação aos tributos de 2013, a ação deve ser ajuizada até o final deste ano - 2018.