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Cavalo: símbolo do Rio Grande do Sul que move paixões e gera negócios
Pilar da tradição sul-rio-grandense, equinos são braço forte da lida do campo
Marcel Horowitz *
Proferida pelo advogado norte-americano George Graham Vest durante um julgamento em 1870, a célebre frase "o cão é o melhor amigo do homem" poderia também se referir a outro animal quando inserida no contexto da cultura gaúcha. A construção do folclore sul-rio-grandense evidencia que a fidelidade dos caninos em relação aos seus donos fica em pé de igualdade quando comparada à estreita parceria desenvolvida entre gaúchos e cavalos durante o processo histórico que cristalizou a imagem do homem do pampa no imaginário popular.
No Rio Grande do Sul, o protagonismo dos cavalos vai além das fronteiras da tradição nativista. De acordo com a revista digital "Radiografia da Agropecuária Gaúcha 2021", publicada pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR), estima-se que circula no Estado cerca de R$ 1 bilhão anualmente em função da criação de cavalos com fins comerciais, com 185 mil pessoas ocupadas e a geração de 37 mil empregos diretos.
"Considero que o cavalo seja um dos símbolos mais tradicionais da cultura dos gaúchos", afirma a ex-secretária da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Silvana Covatti. "Além disso, estes animais possuem uma importância fundamental para a economia do nosso Estado, conforme pude comprovar através da minha experiência na Expointer e na Secretaria da Agricultura", conclui.
O Rio Grande do Sul é, hoje, o terceiro estado de maior representatividade na criação nacional de cavalos. Estima-se que estão em solo gaúcho um total de 520.371 animais, ficando atrás apenas de Mato Grosso e Minas Gerais, respectivamente, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em 2020.
"O cavalo e o gaúcho têm uma relação de longa data de amor e amizade. Além disso, os equinos têm papel fundamental na pecuária gaúcha, uma vez que são parte do processo de produção e atuam como um meio de locomoção indispensável nas propriedades rurais", explica o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz. "Os cavalos são fundamentais para a formação do PIB agropecuário, em especial para o setor da bovinocultura de corte. Sem eles, não teríamos como escoar essa produção. É possível afirmar que não existiria pecuária se não fosse pelo cavalo", enfatiza.
Em nível nacional, a equinocultura representa um dos braços fortes do agronegócio. Segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), realizada pelo IBGE, o rebanho equino no País cresceu 1,9% em 2020, comparado com os dados do ano anterior, somando 5.962.126 milhões de cabeças de cavalos no território brasileiro. Neste cenário, a Região Centro-Oeste lidera o plantel e concentra 23% da população de equinos, seguida das Regiões Sudeste e Nordeste, ambas com 22,7%, Norte (17,2%) e, por fim, a Região Sul (14,5%). Deste montante, o Rio Grande do Sul corresponde por cerca de 8,9% do rebanho brasileiro.
Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o país conta com 26 raças de cavalos e outras 6 raças de pôneis. O líder, em número total de animais, é o cavalo Mangalarga Marchador, vindo a seguir o Nordestino, o Quarto de Milha, Crioulo e Mangalarga, na lista de raças que compõe os cinco maiores plantéis em território nacional.
Atualmente, o Brasil conta com a quarta maior tropa de cavalos do mundo, atrás apenas do México, China e Estados Unidos, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Segundo os números mais recentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MapaPA), divulgados em 2016, o complexo do cavalo movimenta cerca de R$ 16,5 bilhões anualmente. Todavia, levantamentos do próprio setor estimam que o mercado equestre movimente até R$ 30 bilhões por ano e proporcione 610 mil empregos diretos e cerca de 2.430.000 milhões de empregos indiretos, praticamente seis vezes mais do que o número de postos de trabalho da indústria automobilística.
De acordo com o professor Roberto Arruda de Souza Lima, doutor em economia aplicada pela Universidade de São Paulo (USP), 36% da renda gerada no segmento dos equinos se concentrada em animais destinados a esporte e lazer. O economista também estima que os cavalos destinados à lida do campo movimentam 53% do "PIB equestre". Cerca de 5% deste valor estaria relacionado ao turfe e 6% à outras atividades.
"Há perspectivas de, após a pandemia, as pessoas procurarem mais atividades equestres, seja para esporte ou lazer, contribuindo para o aumento do núcleo de cavalos urbanos e queda em cavalos de lida", analisa o especialista. "O cavalo urbano já pode ser encontrado até mesmo alguns condomínios com baias em suas áreas internas", relata Arruda.
Versáteis, animais desempenham diversas funções
No ramo da agropecuária, os equinos estão inseridos no contexto das atividades realizadas em fazendas de pecuária de corte e de leite. De acordo com informações disponibilizadas pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa, 3,9 milhões de cavalos de lida estão dispersos por todo o território brasileiro. Os dados mais atualizados, do Censo Agropecuário de 2006, apontam que mais de 70% dos cavalos para trabalho estão associados às atividades ligadas à pecuária e que o setor de lida movimente cerca de R$ 8,58 bilhões por ano. Representando mais da metade da tropa nacional, os equinos destinados à lida possuem custo de manutenção baixo e geram 430 mil empregados para o segmento.
"Os cavalos exercem uma função primordial na minha propriedade. Devido à sua mansidão e docilidade, eles são uma importante ferramenta de trabalho para o manejo do gado", afirma o produtor rural Michel Rosa Correia. "É através destes animais que conseguimos juntar o gado no campo e colocá-los dentro da mangueira, por exemplo", afirma Correia, que atua na área da bovinocultura no município de Pinheiro Machado.
Os equinos utilizados no lazer e em esportes, como corridas, turfe e equitação, somam aproximadamente 1,1 milhões de animais no Brasil. Com diversas finalidades, como uso particular, comerciais ou profissionais, calcula-se que o retorno econômico deste segmento alcance a casa dos R$ 5,84 bilhões, em um nicho constituído em 65% pelas raças Quarto de Milha e Crioulo.
"Os animais que mais vendo são potrancas e éguas domadas. Hoje em dia, minha maior demanda é pelos bichos domados, pois estes têm grande funcionalidade para competições", afirma Thomaz Furtati Marques da Estância Graúna. "Além de realizar a lida campeira, estes cavalos podem ser utilizados em rodeios e tiros de laços, entre outras modalidades", disse o criador da cidade de Candiota.
Já as atividades relacionadas ao cavalo no Exército Brasileiro proporcionam mais de 2.000 empregos diretos, ocupados em sua maioria por soldados e cabos. Dentre esses profissionais destacam-se os veterinários, tratadores e cavaleiros, em uma cadeia produtiva que gira em torno de R$ 176 milhões anuais. No Rio Grande do Sul, a Coudelaria do Rincão, em São Borja, é a responsável pela produção do "cavalo militar". Na propriedade, cerca de 1002 equinos da raça Brasileiro de Hipismo estão sob a supervisão de oficiais veterinários com o objetivo de serem distribuídos para Organizações Militares (OM) país afora.
Outro importante segmento desse grupo é a equoterapia. Este trabalho conta com a participação de profissionais de diversas áreas, entre elas: fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta educacional, assistente social, professor de educação física, tratadores e instrutores de equitação. Calcula-se que o ramo da equoterapia seja responsável por movimentar aproximadamente R$ 44 milhões.
"A equoterapia é um método terapêutico que possui o cavalo como mediador. Realizamos um trabalho interdisciplinar que abrange áreas da saúde, educação e da equitação, em busca de uma melhora na qualidade de vida", explica Nina Paixão, proprietária do Centro de Equoterapia e Equitação Lúdica Rincão do Cavalo, em Pelotas. "Procuramos o desenvolvimento das habilidades nas pessoas. No caso da equoterapia, desenvolvemos programas visando portadores de necessidades especiais, sempre tendo o cavalo como protagonista", afirma.
Os leilões também são marca registrada do mercado equestre. O segmento movimenta empresas fornecedoras de inúmeros produtos cosméticos, como shampoos, sabonete e repelentes para cavalos que colaboram para um faturamento que gira em torno de R$ 19,1 milhões anualmente.
Produção de carne ainda é um tema polêmico
Controverso entre os gaúchos, outro segmento do setor é o aproveitamento da carne de cavalo. Quase toda a produção de carne equina tem como destino a exportação, sendo quase nulo o que é comercializado internamente. No país existem apenas cinco estabelecimentos regulamentados, sendo três na Bahia, um em Minas Gerais - o quinto está no RS, em São Gabriel. O Brasil exporta, por ano, cerca de 15 mil toneladas de carne de cavalo, o que gera um faturamento médio de US$ 35 milhões, e ocupa o 13º lugar no ranking mundial de exportadores do alimento. Entre os maiores consumidores da carne de cavalo brasileira estão França, Bélgica e Itália, além de China e Rússia.
"Me parece que a polêmica sobre estes frigoríficos existe somente aqui no Rio Grande do Sul. Certamente isso se deve pelo grande afeto dos gaúchos em relação aos cavalos", declarou o diretor executivo do Sindicato das Indústrias de Carne do Estado (Sicadergs), Zilmar Moussalle. "Nas regiões ao norte do país, como é o caso da Bahia, existem diversos abatedouros que não enfrentam esse tipo de problema", afirmou.
Nos últimos anos a equinocultura brasileira também foi bastante influenciada pelos impactos causados pela pandemia de Covid, devido às restrições na promoção de provas, exposições e leilões, e até mesmo por ocasião do aumento no preço dos insumos agropecuários, refletindo diretamente na criação. Mesmo diante desse cenário, o crescimento do efetivo dos rebanhos é a prova de que o impacto foi absorvido, sem que houvesse prejuízo significativo para o setor equestre que tem suas raízes originadas ainda no período do Brasil Colonial.
A gênese do cavalo no Rio Grande do Sul
O Rio Grande do Sul assume uma posição ímpar na história dos equinos em solo brasileiro. A introdução do cavalo no extremo sul do País teve início ainda no século XVI, originário de rebanhos provenientes de países vizinhos.
Na região, a raça que possui maior destaque é a crioula. Oriunda de um conjunto de cavalos trazidos da península ibérica, durante o período de colonização da América do Sul, acredita-se que o cavalo crioulo se originou a partir das raças Andaluz e Jacas.
Os primeiros exemplares de cavalos crioulos chegaram ao continente americano em 1493, quando Cristóvão Colombo desembarcou na Ilha de São Domingos. A partir de então, muitos cavalos perderam-se pelo continente e, por muitos anos, foram criados livres. Foi neste período que se iniciou a raça crioula, por meio de múltiplos cruzamentos entre os cavalos selvagens.
Esses equinos espalharam-se por diversos países de toda a América. Contudo, os cavalos crioulos, da forma como são conhecidos hoje, ficaram concentrados, principalmente, na América do Sul, mais especificamente nos seguintes países: Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai e no sul do Brasil.
Neste quadro, acredita-se que criação de cavalos no Rio Grande do Sul se inicia nas reduções de São Miguel das Missões, em 1634, com animais trazidos pelos padres jesuítas Cristóbal de Mendoza e Pedro Romero e logo foram adotados pelos índios missioneiros para transporte, caça e agricultura. Estima-se que, após a a expulsão dos jesuítas, em 1768, existiam cerca de 200 mil cavalos na região.
Entretanto, a expansão significativa do rebanho de equinos no Rio Grande do Sul ocorreu a partir da segunda metade do século XVIII, devido ao surgimento da indústria do charque. Com o novo status de relevância para economia do país, o estado gaúcho se transforma no principal fornecedor de cavalos nacional.
"Os cavalos e gados que vieram nas caravelas espanholas povoaram o sul do nosso continente. Podemos falar que este animal defendeu as fronteiras de cada rincão deste Estado", disse o deputado estadual e cantor nativista Luiz Marenco. "No momento em que se formaram o gaúcho e as estâncias, o cavalo se tornou parte importante da economia do Rio Grande do Sul, além de ser parte das nossas festividades, como no caso de rodeios e competições. Eu tenho uma canção que se chama "Décima das Pelagens", entre outras, para falar justamente sobre da história do homem e dos cavalos nestes mais de 300 anos", conta o artista.
No século XIX, o cavalo assume protagonismo no processo de formação do folclore gaúcho. Neste cenário surge a figura do peão de estância, exercendo seu papel principal no trabalho com o gado e na defesa do território contra o invasor castelhano, assim visto pelos luso-brasileiros, o que gerou a formação da figura do "peão-guerreiro" no imaginário popular.
A literatura exerceu uma função importante na mitificação do habitante sul-rio-grandense. A partir do Romantismo, são criados personagens heroicos à inspiração europeia, exemplificados na figura do "centauro dos pampas". Nasce assim a imagem do gaúcho unido ao seu cavalo, tal qual o mito da Grécia Antiga, de uma criatura com cabeça, braços e dorso de um ser humano, mas com corpo e pernas de cavalo.
"Para nós, gaúchos, o apego em relação aos animais vem desde a infância, principalmente em relação ao cavalo. De todos os animais, este é o que anatomicamente melhor recebe a nossa montaria. É um animal adaptado ao corpo humano", afirma o escultor e artista plástico Caé Braga. "Eu estudo muito isso na minha obra: a questão do homem, do Cavalo e da figura do centauro. Me proponho a fazer um trabalho de resgate em cima do cavalo e do nosso desenvolvimento cultural", declara o artista que há mais de duas décadas tem o cavalo como um dos temas centrais em suas obras.
Em O gaúcho, publicado em 1870, José de Alencar promove uma das primeiras associações na literatura brasileira da imagem do homem do pampa ao centauro. "O cavalo é um ícone do Rio Grande do Sul. A figura deste animal nos remete ao cavalo alado da mitologia grega Pégaso, graças à sua ligação mítica com a natureza", afirma Flavia Borba, médica veterinária e pintora. "Além de ser seu companheiro de trabalho, o gaúcho também o enxerga nos sonhos e na imagem", conclui a artista que retrata os cavalos como foco em suas gravuras.
Uma breve história dos cavalos no Brasil
Apesar das incertezas a respeito da vinda dos primeiros equinos para o Brasil, grande parte dos historiadores defendem que estes animais chegaram ao solo nacional em 1534 e foram encaminhados para as capitanias hereditárias de Pernambuco, Bahia e São Vicente. Com o intuito de atuar como uma política de colonização distinta do extrativismo, a criação de bovinos, equinos e outras culturas de sobrevivência, mesmo em menor escala, foram determinantes para formar a produção nacional no decorrer dos séculos XVI e XVII.
Mesmo com o incipiente desenvolvimento da criação de equinos domésticos no Nordeste, a presença dos cavalos no Brasil só foi oficialmente registrada em 1549, por Tomé de Souza. O então governador-geral ordenou que fossem trazidos ao país alguns animais de Cabo Verde com destino à Bahia. Desta maneira, teve início a criação de uma cultura que seria de suma importância para o desenvolvimento do Brasil até os dias de hoje.
À época, as atividades açucareira e a criatória formavam a base econômica do Brasil Colonial. O surgimento da pecuária nacional ocorre junto com os primeiros engenhos. A pecuária também era importante como fonte de energia para os engenhos. Inicialmente, a lenha e a força motriz de bovinos e equinos atendiam as necessidades internas destas propriedades. Porém, com a expansão da atividade açucareira, a devastação das áreas próximas aos engenhos leva à maior procura por trabalho animal para transportar o suprimento de lenha que ficava cada vez mais distante.
Após o início do ciclo da mineração no interior do país surge também a necessidade de abastecer os núcleos mineradores. Este processo reforça a interiorização do gado e, consequentemente, do cavalo, que teve sua criação expandida nas direções do Centro-Oeste e Norte.
No Paraná e em Santa Catarina, a introdução do cavalo ocorreu de forma distinta. Neste estados, os equinos vindos de São Paulo se misturaram com cavalos descendentes de animais extraviados das colônias espanholas no continente, em um processo de assimilação orgânica.
Cavalo crioulo, a raça que é patrimônio do Rio Grande do Sul
A importância dos equinos para a história e para a economia gaúcha também foi reconhecida através de projeto de lei aprovado pelo poder legislativo. Em 2002, o cavalo crioulo foi oficializado símbolo do Rio Grande do Sul e patrimônio cultural do Estado. Uma das justificativas para a sanção do projeto é o número expressivo do plantel da raça: cerca de 85% dos crioulos brasileiros estão em solo gaúcho, a maior concentração da raça no País.
"A Assembleia Legislativa votou esta distinção e nós sancionamos", afirmou, à época, o então governador Olívio Dutra (PT). "O cavalo crioulo é um belo animal, sem detrimento às demais raças que também são importantes para o Estado", concluiu o ex-governador durante a visita à Expointer naquele ano.
O prestígio da raça crioula no Sul do País é apoiado por dados. De acordo com estimativas da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC), o segmento movimenta cerca de R$ 1,28 bilhão por ano e gera mais de 238 mil empregos, somando postos diretos e indiretos. Segundo estudos da entidade, um potro da raça crioula custa, em média, R$ 4 mil. Já na fase adulta, esse valor salta para R$ 15 mil, em um mercado que chega a dar retorno de 25% ao ano para os seus investidores.
O valor final de um exemplar da raça, contudo, varia de acordo com a genética do animal e pode chegar à casa dos milhões de reais, Em 2014, um cavalo de 17 anos se tornou o mais caro da história da raça ao ser avaliado em R$ 16,5 milhões quando seus donos colocaram cotas de cobertura à venda.
Os resultados divulgados pela ABCCC em fevereiro deste ano mostram que o segmento mantém constante expansão no Brasil. No mês em que a entidade completou 90 anos de existência, um levantamento mostrou que, após um ano de declínio em grande parte dos serviços de registro genealógico, como consequência da pandemia de Covid-19 em 2020, a raça crioula voltou a apresentar crescimento em 2021 e encerrou o ano com números em alta. Entre os resultados obtidos, houve o aumento de 39,42% no número de registros definitivos realizados, e de 12,38% na quantidade de registros provisórios.
O número de padreações também foi maior do que em 2020, tendo um percentual de aumento superior ao decréscimo que havia sofrido no primeiro ano de pandemia, com 36.349, alta de 6,56%. Nas transferências, o crescimento em relação ao ano anterior foi de 32,24%, totalizando 17.216 negócios em 2021.
"Acredito que temos aproximadamente 350 mil animais no Estado e que nossas maiores manadas estão concentradas, principalmente, nas regiões da Campanha e Fronteira Oeste", disse o vice-presidente Administrativo e Financeiro da ABCCC, César Augusto Rabassa Hax. "Um cavalo crioulo gera, no mínimo, cinco empregos diretos como domador, cabanheiro, veterinários e outros. Somam-se a isso cerca de três indiretos, como fretes e afins. Estes são postos de trabalho bem remunerados, ou seja, além da geração de emprego, também tem uma geração de caixa importante. O cavalo hoje em dia se tornou um grande negócio", afirma Hax.
No País, raça crioula supera 460 mil animais
Atualmente a associação possui em seus quadros 63 mil proprietários, 16 mil criadores, mais de 4 mil associados e 14 modalidades oficiais. No total, a entidade concluiu que o plantel do crioulo no Brasil superou os 460 mil animais.
Apesar dos bons resultados do segmento, o criador Dennis Sfair Silveira acredita que ainda há espaço para aprimorar a cadeia de negócios do cavalo crioulo. Na visão do proprietário da Cabanha Sabiendas, os equinos não se enquadram dentre os incentivos fornecidos pelo governo e não possuem alcance para viabilizar financiamentos com custos reduzidos.
"Os principais custos para se manter uma cabanha estão relacionados a mão de obra, uma vez que a criação de cavalos passa pela aplicação direta do trabalho de profissionais da área, seja no cuidado ou no treinamento. Subsequente a isto, os custos de manutenção dependem muito também das safras sazonais que compõe a ração, como as culturas do milho e da aveia, que têm seu custo atrelado ao mercado mundial", explica o criador.
Localizada na Estrada de Itapuã, no município de Viamão, a Cabanha Sabiendas tem em seu escopo de atuação a comercialização de animais e serviços ligados ao cavalo crioulo. Os trabalhos executados na propriedade abrangem a venda de animais, para todas as modalidades de competição, bem como a comercialização de genética, através de sêmen dos garanhões pertencentes a cabanha. Por fim, também se soma isto o adestramento de animais.
Quando é questionado sobre as razões que o levaram a se envolver com o mercado de equinos, Silveira responde de maneira suscinta: o gosto pelo cavalo. É através deste sentimento que o dono da Cabanha Sabiendas, que também cria bovinos e ovelhas, se mantém confiante em relação aos próximos passos do segmento da raça crioula no país
"Um movimento que venha dos criadores pode e tende a potencializar o mercado dos cavalos crioulos, fazendo com que este ativo já extremamente valorizado retorne ao patamar de seis anos atrás", aposta o criador. "Para nós, o cavalo crioulo significa, família, companheirismo e prazer de ter um parceiro tamanho grande na nossa vida", define.
Freio de Ouro é vitrine para os cavalos crioulos
Além de seus 90 anos recém completados, a ABCCC também celebra outra data em 2022: os 40 anos do Freio de Ouro. Ocupando a posição de maior competição da raça de cavalos crioulos no País, em 2018 a prova foi reconhecida pela Assembleia Legislativa como patrimônio cultural gaúcho.
Atualmente, mais de mil animais passam anualmente pelas etapas classificatórias da prova. A grande final é tradicionalmente realizada na Expointer, feira em que o crioulo representa entre 70% e 80% dos negócios com animais.
Cada prova do Freio de Ouro conta com uma pontuação específica a ser conquistada pelo cavalo e pelo ginete. Quem obtiver melhor pontuação na soma das etapas é o grande campeão. A primeira fase da competição é a análise morfológica dos animais, seguida pelo julgamento funcional feito nas provas de andadura, figura, voltas sobre pata e esbarrada, mangueira, campo e bayard/sarmento.
"O Freio de Ouro foi criado a partir de uma das nossas maiores culturas, a pecuária, e é a maior prova de seleção da raça crioula. Como em qualquer esporte de alto rendimento, o maior desafio é o de se manter no topo. É difícil chegar à final todos os anos, uma vez que é uma seleção muito grande", afirma Jardel Pereira, ginete multipremiado e domador da Estância Liberdade, no município de Rolante. "O cavalo é meu trabalho, meu esporte e meu lazer. Não consigo me imaginar sem esse animal na minha vida", conclui o vencedor do Freio de Bronze 2021.
De acordo com a ABCCC, o Freio de Ouro proporcionou que a raça atraísse a atenção da mídia via programas de televisão e sites especializados. Por estes motivos, a prova é considerada um divisor de águas do mercado da raça, em termos de divulgação e valorização da mesma no agronegócio nacional.
"O Freio de Ouro se entrelaça à cultura do Rio Grande do Sul pois é como se fosse a Olimpíada do homem a cavalo, que, afinal, é a maneira com que o nosso Estado foi feito. O cavalo tem uma representação na mitologia, na cultura, na arte e literatura, que é a simbologia de força e de liberdade", disse o jornalista, escritor e roteirista Renato Dalto. "O Freio aproxima o homem do cavalo e o obriga a entender o animal. Desta maneira o cavalo passa a se tornar um amigo, e não um inimigo conforme pinta o folclore do folhetim", frisa o autor do livro "Freio de Ouro, uma História a Cavalo"
Outra obra de Dalto que aborda o universo da prova do cavalo crioulo é "Coração de cavaleiro - a arte de Vilson Souza", biografia do primeiro vencedor do Freio de ouro. Conhecido como "Ginete do Século", Vilson Souza revolucionou a doma do cavalo crioulo e ajudou a profissionalizar o segmento no Estado.
"Eu acho que o Seu Vilson foi um pioneiro ao ter uma leitura do cavalo através da mescla de diferentes técnicas e escolas. Ele vinha das competições de carreira, da doma campeira e ao servir o exército tem noções de adestramento e equitação clássica. A partir da leitura destas diferentes escolas ele soube conjugar um estilo próprio. Ele nos abriu o horizonte em termos de cavalos crioulo e sobre o que estes animais podiam fazer. Ele é um gênio da raça", afirma o escritor.
Cavalo árabe: equino ancestral se destaca em solo gaúcho
A segunda maior raça presente do Rio Grande do Sul representa o rebanho dos equinos mais antigos do planeta. Embora não existam registros escritos que indiquem com absoluta precisão o seu início, sabe-se que a criação do cavalo árabe pode ser estimada em mais de três mil anos. Prova disso são os desenhos de cavalos orientais em paredes de pedra e objetos de arte encontrados em países como Egito, Grécia e no Sudeste Asiático.
Submetidos às mais rigorosas condições climáticas, os cavalos árabes tiveram que se adaptar a todo o tipo de privações, tais como a falta de água e comida, temperaturas elevadas durante o dia e baixas à noite, além das longas distâncias percorridas em terrenos áridos. Devido a estas características, inicialmente a raça foi utilizada pelos beduínos para montaria, transporte de cargas e, inclusive, em guerras.
"O cavalo árabe não é uma raça submissa. É necessário lidar com gentileza para conseguir a retribuição deste cavalo. Justamente por isso que trabalhamos com um método de doma racional. Afinal, gentileza gera gentileza", conta Marcia Pasqua, proprietária da Escola de Equitação Lagoa Centro Equestre em Pelotas. "A interação com o cavalo gera, inclusive, melhorias na equitação. A partir daí, tentamos nos comunicar com esse ser maravilhoso e entender melhor um pouco do mundo dele, como se fizéssemos parte do mesmo bando", enfatizou.
Com o passar dos anos, sob a influência do comércio, o equino começou a se espalhar pela Europa e, no final do século XVII, chegou aos Estados Unidos. Alguns grandes personagens da história mundial como Napoleão Bonaparte; Alexandre, o Grande e George Washington possuíam esses animais.
O marco inicial da criação do cavalo árabe no Brasil se deve ao gaúcho Guilherme Echenique Filho, que importou da Argentina um garanhão e sete éguas puras e, em 1929, iniciou sua criação na cidade de Arroio do Sul. Somente em 1964 aconteceu a formação do stud book brasileiro do cavalo árabe, onde a criação nacional começou a se ordenar devido a unificação dos registros dos animais existentes e a fundação da Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Árabe (ABCCA).
Atualmente, a ABCCA estima que existam cerca de 9 mil criadores no País e um plantel superior a 50 mil animais em 3,5 mil haras. A maior concentração se encontra em São Paulo, com mais de 130 criadores.
O Brasil é um dos grandes exportadores de animais devido à qualidade genética. Segundo dados da ABCCA, em três anos, foram exportados 116 animais, em um mercado no qual o preço médio de um cavalo árabe pode variar R$ 30.000 a R$ 300.000,00.
Contando com 324, entre criadores e associados ativos, a Associação Gaúcha do Cavalo Árabe (AGCA) nasce em 1975 como parte do projeto de extensões regionais da ABCCA. O plantel gaúcho, ainda de acordo com a Associação, está em 1.503 animais, sendo 1.335 de Puro Sangue Árabe e 168 de Cruza Árabe, concentrados em sua maioria em Porto Alegre e cidades da região metropolitana.
A principal prova da raça é o "Domados do Pampa". O campeonato inclui categorias como cinco tambores, cross country, combinada, rédea espelhada, rédea campeira, seis balizas, três tambores e a de morfologia funcional e tem sua etapa final realizada durante a Expointer.
"No Rio Grande do Sul, o Domados do Pampa gera um grande vínculo de trabalho que movimenta produtos de suplementação, ferreiros e treinadores centros de treinamentos. Inclusive, devido a este ciclo de emprego, conseguimos autorização para manter estas atividades durante a pandemia, já que o contrário geraria um déficit de valores muito grande para o mercado", declarou a Presidente da Associação Gaúcha do Cavalo Árabe (AGCR), Fernanda Camargo. "O cavalo crioulo é uma marca do Rio Grande do Sul, mas o nosso mercado é diferente pois engloba mais provas funcionais de velocidade. O árabe agrega a parte da maneabilidade com a velocidade. Por sua resistência, apenas um cavalo árabe pode suprir as necessidades de uma família inteira", conclui.
*Marcel Horowitz é jornalista formado pela Pucrs. Realizou o curso Agronegócio: estratégia e gestão e já colaborou para a Revista Press e para o portal Agrolink.