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Produção e logística jogando juntos: Porto Indústria decola em Rio Grande
O porto não é mais o único protagonista no futuro da economia da cidade de Rio Grande
De um lado, a planta industrial transforma-se em píer, por onde são descarregadas em torno de três milhões de toneladas de matéria-prima por ano, representando uma movimentação anual de 150 embarcações. Ao invés de ficar armazenado, como se poderia imaginar que aconteceria em um porto, o produto toma conta de 14 quilômetros de esteiras que fazem com que a produção de fertilizantes inicie imediatamente, a poucos metros do porto. No outro lado desta planta industrial, em período de safra, até 300 caminhões encostam diariamente para transportar milhões de toneladas do produto que será fundamental para a próxima safra no interior do Brasil.
O funcionamento da unidade da Yara, recentemente ampliada, com um investimento de R$ 2 bilhões, ilustra bem a nova maneira de se entender a transformação que vive o porto de Rio Grande nos três últimos anos. Para se analisar a movimentação recorde de 45,1 milhões de toneladas de cargas em 2021 - 18,6% a mais do que no ano anterior - no porto que mobilizou, entre chegadas e partidas, 3.062 embarcações no ano passado, é preciso olhar, literalmente, para o outro lado da rua - ou da rodovia, a BR-392. É lá que começa a render frutos para economia gaúcha o projeto batizado como porto indústria.
"É um local diferenciado, e para a Yara, é uma instalação estratégica. Temos em Rio Grande uma das nossas maiores operações em tamanho e em faturamento, em um universo de 60 países", diz o diretor de operações da Yara na Região Sul, Lucas Elizalde. Contando com os R$ 2 bilhões da multinacional norueguesa, entre o porto e o outro lado da rodovia são investidos - parte dos recursos já injetados - R$ 9,4 bilhões para mudar o patamar do distrito industrial imensa área retroportuária de Rio Grande. Somados, o porto e o distrito industrial, cada um gerenciado independentemente já movimentam 25% do PIB gaúcho.
"O desenvolvimento no Estado sempre teve a logística marítima como algo distante da produção, mas em Rio Grande, temos uma condição completamente diferente do restante do Brasil, e que precisa ser um diferencial. Pouquíssimos locais no país têm essa área retroportuária tão adequada à instalação industrial. Santos, Paranaguá, Rio de Janeiro. Nenhum destes grandes portos têm essa condição", explica o diretor superintendente dos Portos RS, Fernando Estima.
São 2,5 mil hectares de áreas próprias para a instalação industrial ou logística. Atualmente, 53 empresas já estão naquela área. Restam em torno de 200 lotes neste que é o maior distrito industrial do Estado. Uma procura que tende a acelerar ainda com investimentos como a unidade de regaseificação de GNL e a usina termelétrica, do grupo espanhol Cobra. Avaliando a capacidade de crescimento da atuação no distrito e das atividades portuárias, Fernando Estima calcula ampliar em pelo menos 25% a movimentação do porto de Rio Grande nos próximos 10 anos.
Um distrito de oportunidades
E se a aproximação da produção ao porto é uma janela de negócios que se abre para quem pensa em investir no Estado e tem a chance de completar ciclos produtivos completos em um só lugar, como acontece com a Yara, para quem é de Rio Grande, a realidade do porto indústria representa oportunidade. São 11,7 mil trabalhadores no porto indústria.
A porta de entrada e saída da produção econômica do Rio Grande do Sul sempre esteve no horizonte de Cristian Luiz da Rosa Alves, de 34 anos. Nascido e criado em Rio Grande, cresceu vendo o pai trabalhar nos terminais antigos do porto durante 27 anos. Quando aquela realidade entrou em decadência, a família não se afastou dali. O pai e um amigo, juntamente com Cristrian e o filho deste amigo, criaram em 2007 a Rio Grande Fumigação. Um serviço fundamental para a movimentação portuária naquele que tem se configurado como o terceiro principal porto agrícola do Brasil. Eles oferecem a desinfecção para controle de pragas nos grãos embarcados no Rio Grande do Sul antes de ganharem o Brasil e o mundo.
A nova empresa apostou e se transformaram junto com o porto indústria. Se no primeiro ano de atividade aplicavam a fumigação, em média, no máximo a dois navios por mês, quando o porto movimentava menos de 24 milhões de toneladas anuais, agora, a média é de 20 navios a cada mês. A atividade deles começou em um conteiner somente com os quatro sócios na operação, hoje ocupam uma área de 12 mil metros quadrados no distrito industrial junto ao porto, empregando 16 pessoas em Rio Grande e já operando em outros portos brasileiros.
"É uma paixão. Quando meu pai propôs a criação da empresa, eu estudava Direito, e não imaginava trabalhar com isso, mas desde criança convivia no porto, entre os contêineres. O meu primeiro emprego acabou sendo na empresa. Trabalhar com a realidade do porto, dos navios, é um aprendizado constante, pela troca de experiências que se tem com cada tripulação que chega aqui em Rio Grande", explica o empresário.
Em números, mesmo ainda considerado em fase de implementação, o porto indústria já representa uma mola propulsora na recuperação econômica da cidade, após o baque sofrido com as quebras do polo naval. Com os investimentos privados em ampliações e instalações anunciados em conjunto pelo governador Eduardo Leite em 2021, a estimativa é de que quadriplique o número de trabalhadores no período de obras. Com a concretização de todos investimentos, a avaliação é que se atinja um aumento de pelo menos 50% no número atual de trabalhadores.
Do porto para as melhorias na cidade
Se em 2016, quando houve o auge da crise do polo naval, o município registrou perdas de quase cinco mil postos de trabalho, com um acumulado de 10,6% negativos no saldo de emprego e desemprego do Caged, em 2021, mesmo com a pandemia, Rio Grande teve um crescimento de 6% neste índice, com saldo positivo de 2,1 mil empregos gerados.
"Quem convive e trabalha aqui percebe os efeitos de cada vez mais políticas públicas que aproximem o porto da cidade, mas eu acredito que a cidade poderia dar mais importância ao porto, com mais carinho mesmo. Temos uma jóia aqui no sul do Estado e nem todos sabem", comenta o Cristian Alves.
Para o prefeito Fábio Branco, um dos segredos para conseguir esta integração com a cidade é garantir que o porto indústria represente algo realmente perene para a economia local, e não mais um ciclo que se esgota em alguns anos.
"É um conceito que está saindo do papel, e pelo qual nós sempre trabalhamos. Quando o diálogo com o governo estadual, as autoridades portuárias e as entidades setoriais convergiu para o mesmo interesse, nós evoluimos em mostrar que o porto pode ser um vetor de desenvolvimento para diversas cadeias produtivas. Não tenho dúvida de que é um projeto que veio para não sair mais. O nosso desafio agora é o de mapearmos os setores que precisam do porto e atraí-los para este diferencial que é a nossa área retroportuária, o distrito industrial", diz o prefeito.
Branco salienta que o porto indústria, para resultar em desenvolvimento de toda a cidade, depende de políticas públicas de longo prazo. Hoje, Rio Grande tem o quinto PIB do Rio Grande do Sul, com R$ 10,7 bilhões. A estimativa é de que, com a operação da futura usina termelétrica, prevista para iniciar em 2024, retorne para Rio Grande pelo menos R$ 280 milhões ao ano em arrecadação de ICMS.
"Diferente de outros ciclos que já vivemos na economia do município, como o polo naval, que deixou muitos desempregados, nós não vamos adotar a estratégia de colocar todos os ovos em uma mesma cesta. As operações do porto indústria nos dão a oportunidade de desenvolver projetos e profissionais em tecnologia, abrem caminho para investirmos no turismo da cidade histórica, tanto em relação à infraestrutura quanto na formação de pessoal qualificado", explica Branco.
Trata-se, segundo ele, de um trabalho para ampliar a sensação de pertencimento da população com o porto. "Em alguns momentos da história, o porto fica de costas para a cidade, em outros, é o contrário. Eu diria que hoje a relação entre esses dois fatores é muito pequena. O conceito de porto indústria é um grande reforço para mudar essa lógica, porque cada vez mais pessoas poderão ver o porto funcionando bem e sendo uma fonte de sustento, mesmo que indireta. A realidade é que um depende do outro, e o desafio é fazer esse convívio", aponta o prefeito.
Entidades como a FURG, o Sebrae e o CDL têm sido parceiras para que o município se aproprie das oportunidades que começam a surgir com a chegada dos investimentos na economia local.
Informações do projeto
O pacote de facilitações para novos investimentos
O impacto dos investimentos entre o distrito industrial e o porto de Rio Grande ultrapassa os ganhos para a economia do município. É um dos carros-chefe da política de desenvolvimento do governo estadual. Anunciados em 2021, os R$ 9,4 bilhões mapeados em investimentos privados de 18 empresas na região foram elencados pelo governador Eduardo Leite entre os números do programa Avançar.
Ao todo, o distrito, que é um dos oito organizados pelo governo estadual em diferentes regiões do Rio Grande do Sul, tem 434 lotes, dos quais 200 ainda estão vagos. A sua área é igual à soma dos outros sete distritos fomentados pelo governo estadual.
Além da localização estratégica, a interpretação da Secretaria Estadual de Desenvolvolvimento Econômico é que os investimentos privados resultam da ampliação de incentivos aos oito distritos industriais em implementação no Estado. Um hectare na área do distrito de Rio Grande tem custo estimado em R$ 1,3 milhão, no entanto, com a modernização do Programa Estadual de Desenvolvimento Industrial (Proedi), no ano passado, investimentos industriais nesta área têm até 90% de desconto sobre o preço da área para construção. Se for no setor de logística, o desconto é de até 50%.
"Nunca houve propriamente um entrave para a atração dos investimentos para próximo do porto. O que nós fizemos foi somar os atrativos. Agora, com eles consolidados, o trabalho tem sido na oferta e facilitação destes trunfos que temos para atrair o investidor. Além de organizarmos ainda mais o distrito", explica o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Édson Brum.
É que ainda há o decreto de 2020, que ampliou incentivos às importações pelo Rio Grande do Sul e a ativação plena do Fundopem. Em Rio Grande, o programa estadual já parte com um desconto do ICMS de 48,52%. Dependendo de fatores como o incentivo à cadeia produtiva local, geração de empregos e questões ambientais, o abatimento pode chagar a 90%.
Com a confirmação do investimento do Grupo Cobra para erguer a usina termelétrica em Rio Grande, a perspectiva é de um aquecimento ainda maior de investimentos no distrito. Entre as tarefas para tornar o local mais eficiente, está uma espécie de "raio-x" da área.
"Temos empresas interessadas em se instalar naquela área e alguns lotes que têm donos desde 2009, com incentivos aprovados, mas que não ocuparam os terrenos até agora. Criamos um mutirão de revisão das áreas. Rio Grande é estratégico e por isso não pode ficar parado. O estado oferece as vantagens, mas precisam ser investimentos efetivos, e com retorno", aponta o secretário.
Em todo o ano passado, 95 hectares foram retomados e regularizados pela secretaria.
O agro na linha de frente do porto indústria
A maior parte daqueles 300 caminhões diários que carregam fertilizantes da Yara no período de safra, no porto indústria, chegou ao porto carregado de soja ou outro grão que, depois de armazenado em outras empresas do setor agrícola no próprio distrito, partem em navios para exportação. Este é o fluxo natural do porto que se consolidou como o terceiro principal no ramo agrícola do Brasil. Em 2021, das 45,1 milhões de toneladas movimentadas, foram 16,6 milhões de toneladas de soja in natura e em farelo. Responde por 52% das exportações de Rio Grande.
A produção agrícola é o carro-chefe da economia gaúcha, e não poderia ser diferente no porto indústria. Das 53 empresas atualmente instaladas no distrito, 21 (39%) têm relação com o agro, e outras 23 (43,3%), com a logística. Somente na Yara, são 1,3 mil funcionários (10% da mão de obra do porto indústria). Dos R$ 9,4 bilhões em investimentos aguardados pelos próximos anos, R$ 3,7 bilhões são no setor agrícola em operação junto ao porto.
Além da óbvia vantagem logística, o conceito de porto indústria, porém, carrega consigo o objetivo de aumentar o valor agregado na cadeia produtiva do agro em Rio Grande. O surgimento de um polo de fertilizantes é a marca registrada. Gigantes como a Bunge mantêm em Rio Grande suas unidades de alimentos e de fertilizantes, contemplando toda a cadeia produtiva. Dali, estima a Yara, poderá vir a garantia para 25 anos de atendimento da demanda da lavoura do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, parte do Mato Grosso do Sul, Maranhão, além do Paraguai e de exportações para a Argentina.
"Após os investimentos na ampliação dobramos nossa capacidade de produção. A nossa intenção é atingir a capacidade plena de produção em 2023, chegando a 1,2 milhão de toneladas por ano de granulação de fertilizantes e de 2,2 milhões de toneladas por ano em mistura, ensaque e distribuição de fertilizantes", relata o diretor da Yara, Lucas Elizalde.
Conforme a pesquisa "Melhores Cidades para Fazer Negócios", Rio Grande é a primeira em condições para investimentos no setor do Agro no Rio Grande do Sul, e a nona no Brasil. E com tendência de melhoras estruturais. Para que se tenha uma ideia, somente entre as obras de ampliação da Yara, foram investidos R$ 23 milhões para a construção de uma linha de transmissão de 50 megawatts. A multinacional utiliza 18. O restante, é disponibilizado na rede para movimentar o distrito industrial.
A produção de fertilizantes em Rio Grande tem seu mercado consumidor internamente no Brasil. Não à toa, somente 1,3% das exportações de Rio Grande são de adubos e fertilizantes, com a Argentina como principal destino. Por outro lado, os adubos e fertilizantes - e principalmente a matéria-prima para a produção - representam 85% das importações da cidade.
No outro lado da balança econômica movimentada pelo porto indústria está principalmente a China, que recebe 56,3% das exportações de Rio Grande. A maior parte está naquelas toneladas de soja. Agregar valor a este produto antes de sair do Brasil é um dos desafios dos operadores do porto indústria. Atualmente, só 8,7% das exportações de Rio Grande são de soja em forma de óleo.
Nos contêineres, o caminho para atrair novos polos produtivos
Consolidar outros polos produtivos, além do setor agrícola, no porto indústria está no horizonte dos gestores municipais e estaduais para que as operações e consolidem como algo permanente na economia de Rio Grande. E mais do que isso: com maior valor agregado. Diariamente, o prefeito Fábio Branco dedica-se a monitorar o que entra e o que sai pelo Terminal de Conteineres (Tecon).
"O desenvolvimento do polo de fertilizantes é um exemplo bem sucedido nestes últimos anos, mas a partir do Tecon, nós observamos diversos potenciais que podem aumentar ainda mais a sinergia entre o distrito industrial e o porto. O que temos apresentado aos setores produtivos é a vantagem incrível que teriam aqui, com redução de custos e estrutura logística do outro lado da rua", aponta o prefeito.
No alvo estão, por exemplo, dois importantes setores: florestal e moveleiro.
Entre os investimentos contabilizados no porto indústria estão justamente os investimentos em expansão da Tanac, que já atua em Rio Grande desde o final da década de 1990. Foram R$ 38 milhões já investidos para expansão da capacidade de escoar a produção de pellets e cavacos de madeira pela Tanac e a perspectiva de chegar a R$ 300 milhões nos próximos cinco anos, com previsão de ampliação em 30% da produção e dobrar de 20 para 40 navios de cavacos e pellets até 2025.
"As possibilidades logísticas de Rio Grande são essenciais para a nossa produção. Na nossa planta de Rio Grande, depois de produzidos cavacos e pellets, eles são transportados por correias até o terminal portuário da Bianchini. É uma redução de custos muito importante quando levamos em conta a concorrência neste setor", explica o diretor de Novos Negócios da Tanac, José Osmar Graff.
Trata-se de uma das 15 maiores plantas industriais do setor florestal. Em 2021, saíram da Tanac em Rio Grande 1 milhão de toneladas de cavaco, que serve como matéria prima para a produção de celulose, e 250 mil toneladas de pellets, usados na substituição de carvão mineral na produção termelétrica, como biomassa. China, Índia e Japão estão entre os principais clientes dos produtos exportados pela empresa.
O Rio Grande do Sul tem hoje 10% das florestas plantadas para a produção florestal, e a afirmação da possibilidade de Rio Grande ser um polo produtivo para o setor tem atraído novos investimentos, como o da Mita Woodchips, que investe R$ 28 milhões na produção de cavaco.
"Existe uma perspectiva muito positiva não apenas pelos aspectos estruturais de Rio Grande, mas também pela qualificação dos trabalhadores da cidade, que já têm essa vocação industrial", aponta Graff.
A Tanac emprega hoje 300 trabalhadores, e 90% desta mão de obra é de Rio Grande.
Conforme as estatísticas de operações do porto, em 2021, madeira bruta ou em lenha representou 1,7 milhão de toneladas de cargas movimentadas, e pouco mais de 3% das exportações a partir de Rio Grande. Entre as operações totais do Terminal de Contêineres, 74% das cargas são exportadas, e 26%, importadas.
A diferença ainda está no valor agregado entre o que sai e o que chega. Dados do Ministério de Relações Exteriores mostram que, apesar desta diferença proporcional entre exportações e importações, os valores não são tão diferentes. Em 2021, Rio Grande exportou 3,9 bilhões de dólares (62%), e importou 2,3 bilhões de dólares (38%).
"Há um potencial incrível para agregar valor à produção e às cargas a partir de Rio Grande. Nós temos aqui o cenário ideal, com uma área para instalações industriais privilegiada e um complexo portuário extremamente competente, mas precisa ser otimizado", avalia o diretor presidente do Tecon Rio Grande, Paulo Bertinetti.
No caso do setor moveleiro, que também tem na madeira uma das matérias-primas, a sua produção é concentrada na Serra, e o potencial ficou demonstrado no ano passado. Entre janeiro e novembro, mais de 88 toneladas de móveis foram movimentadas pelo Tecon, representando um aumento superior a 50% nas exportações em relação ao ano anterior, o melhor resultado em 13 anos. E se a montagem e a cadeia produtiva do setor estivessem a poucos metros do ponto estratégico que é o porto?
"Não queremos tirar ninguém da Serra, mas oferecer uma otimização logística para este setor, e atrair fornecedores deles também para Rio Grande, para que, por exemplo, a montagem, a finalização ou a distribuição dos produtos possa acontecer por aqui. É um potencial que temos buscado para a nossa região", aponta o prefeito, que já fez duas investidas ao polo moveleiro da Serra.
O porto acaba sendo um termômetro de quanto esta cadeia produtiva é complexa e cara, em termos logísticos, para os produtores. Hoje, são importados, em boa parte, da China, os componentes que serão usados na montagem dos móveis na Serra. Chegam pelo Tecon desde dobradiças até chapas em MDF que são usadas em fundos de gavetas. O material é transportado até a produção na Serra e depois retorna em caminhões ao porto para a exportação.
"Se o nosso potencial logístico é cada vez mais importante e reconhecido, ele precisa servir como uma vitrine para ampliar o potencial industrial do porto indústria. Representará crescimento nas operações e maior valor agregado à economia local", diz Bertinetti.
Mesmo que a movimentação de 45,1 milhões de toneladas em 2021 tenha sido recorde no porto de Rio Grande, ainda está bem abaixo da capacidade de 58 milhões de toneladas. No caso do Terminal de Contêineres, o potencial ainda não explorado se mostra ainda maior. No ano passado, foram 14 milhões de toneladas movimentadas por contêineres, é menos da metade da capacidade de 30 milhões de toneladas deste terminal.
"Temos hoje a capacidade de operar os maiores navios existentes", garante o diretor do Tecon. Trata-se do terminal de contêineres mais automatizado do Brasil. São 875 funcionários trabalhando diretamente no terminal. São 1,5 mil caminhões que diariamente circulam pelo local,
Polo naval dá sinais de recuperação
Seis anos depois da derrocada, com as investigações por corrupção na Petrobras, o polo naval de Rio Grande, finalmente, dá sinais de recuperação e uma esperança de que possa ser reerguido, inclusive, com uma nova roupagem. Nos próximos meses, a perspectiva é de que, entre o Estaleiro do Brasil e o Estaleiro Rio Grande, este operado pela Ecovix, sejam gerados em torno de cinco mil empregos _ um quarto do que o polo naval chegou a empregar no seu auge. Os números apontam benefícios imediatos, mas os olhos estão também no futuro. Com o avanço dos projetos tanto de instalação da estação de regaseificação e usina termelétrica, quanto para operação offshore, na Lagoa dos Patos, de energia eólica, os estaleiros podem se tornar importantes pontos de apoio, sobretudo no período de construção.
"O estaleiro pode atuar na movimentação, implementação e manutenção das torres nos parques eólicos, por exemplo. Estes projetos precisam de uma base de apoio próxima. Pode ser uma oportunidade", apontou o diretor operacional da Ecovix, Ricardo Ávila, em entrevista recente a uma publicação especializada no setor energético.
A perspectiva coincide com uma visão estratégica mais adequada em comparação com o boom do polo naval vivido anos atrás, como destaca o prefeito de Rio Grande, Fábio Branco:
"É um setor importante para a economia da região, com capacidade de grande geração de empregos, mesmo que se forma sazonal. Desta vez, não será uma aposta única, mas é parte de toda a uma política pública de atração de investimentos em diferentes setores. O nosso porto agora é visto como um vetor de desenvolvimento para diversos setores".
Na última semana de fevereiro, a Ecovix iniciou o trabalho que deve durar um mês nos reparos do navio norueguês Siem Helix II. De acordo com a assessoria de imprensa da empresa, entre eletricistas, pintores e mecânicos serão necessários até 700 trabalhadores durante o serviço. O estaleiro mantém 140 funcionários fixos no local.
Em setembro do ano passado, a Ecovix já havia atendido aos mesmos clientes, que trabalham no setor petrolífero, fazendo reparos no Siem Helix I.
De acordo com o diretor operacional da Ecovix, Ricardo Ávila, a expectativa é de que outros dois ou três reparos mantenham o estaleiro atuante durante o ano de 2022.
Os sinais positivos também vieram do outro lado do canal, em São José do Norte, com o contrato para construção de sete módulos da plataforma P-79 da Petrobras, pelo EBR. Neste empreendimento, que agora começa a selecionar trabalhadores, estão previstos de três a quatro mil funcionários. Eles terão o prazo até o segundo semestre de 2023 para a entrega das unidades.
O EBR foi contratado pelo consórcio SAME, encarregado de construir a plataforma, e colocou novamente o polo no mapa mundial da indústria naval. É que as unidades não serão montadas por aqui. Depois de prontos, os módulos serão integrados na Coreia do Sul.
Dos projetos à missão espanhola, gás natural aquece os investimentos
Foram dez anos de planejamento, apresentação de projetos, frustrações e uma viagem oficial à Espanha no ano passado, que acabou sendo decisiva para que Rio Grande se tornasse o destino programado para o maior investimento privado já ocorrido na economia gaúcha. Os R$ 5,9 bilhões previstos pelo Grupo Cobra na estruturação de uma unidade de regaseificação de GNL e na construção de uma usina termelétrica são encarados como o diferencial que faltava para atrair cadeias produtivas para o porto indústria.
"A limitação energética sempre foi um entrave para concretizarmos investimentos não só em Rio Grande e na região sul do Estado, mas em diversas outras regiões onde hoje não temos acesso ao gás natural. Agora, temos esta possibilidade de garantia de energia a baixo custo, produzida no Rio Grande do Sul, até 2045", diz o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Edson Brum.
Ele reuniu-se com os investidores na missão do governo estadual à Espanha em 2021, e o relato é que se tratava de uma convergência de interesses. De um lado, Rio Grande, com o porto e o distrito, se apresentaram como alvos estratégicos para os espanhóis. De outro, os gaúchos apresentaram a garantia de que acompanhariam todo o processo para acelerar as liberações para o investimento.
O próximo passo para que a unidade de regaseificação e a usina saiam do papel é a liberação, pela ANEEL, da transferência do projeto da Bolognesi para o Grupo Cobra. A perspectiva é de que em 2024 possa iniciar a operação comercial, com capacidade de gerar um terço de toda a energia do Rio Grande do Sul para o sistema nacional.
"Temos um contrato de fornecimento de energia para a rede, que pode ser acionado a qualquer momento. Mas a venda de gás para fornecimento de energia à produção é uma relação direta com as empresas. Teremos uma grande capacidade de armazenamento de gás que, em alguns anos, impactará positivamente na atração de investimentos industriais em toda a região sul do Estado", comenta o diretor corporativo do Grupo Cobra, Jaime Llopis.
O impacto inicial no ambiente do porto indústria será sentido na geração de empregos. No período de construção, a perspectiva é gerar mais de 4 mil empregos. Depois, durante a operação, Llopis resume como será o reflexo na oferta de trabalho na região.
"A operação, em si, demanda pouca mão de obra. Mas este é um investimento que vai espalhar o emprego para outras indústrias que serão atraídas pela disponibilidade de energia. Não tenho dúvida de que haverá uma transformação", diz.
De acordo com o secretário Brum, desde o retorno da Espanha, a procura por empreendedores interessados em se instalarem entre Rio Grande e Pelotas aumentou significativamente.
A operação funcionará a partir do porto de Rio Grande, recebendo navios carregados com gás natural liquefeito (GNL). O GNL será injetado em dutos para carregar a unidade de regaseificação, em terra, com capacidade para transformar 14 milhões de metros cúbicos de gás, de volta à forma gasosa, por dia. São cinco vezes mais do que os 2,8 milhões do gasoduto Brasil-Bolívia no Rio Grande do Sul.
A partir desta unidade, o gás seguirá por dutos até a futura termelétrica, mas ela só consumirá menos da metade do gás disponível. O restante poderá ser distribuído para setores industriais, primeiro, na própria região do porto indústria.
"Seja por novos dutos, por navios ou até mesmo caminhões, certamente novos produtos para a distribuição do gás serão fomentados a partir da nossa instalação", aponta Llopis.
O investimento terá ainda a capacidade de ampliar o potencial portuário de Rio Grande. De acordo com o diretor-superintendente dos Portos RS, Fernando Estima, o porto pode se tornar um hub de abastecimento internacional de navios, uma espécie de posto de combustível para navios que utilizam novas tecnologias, movidas a gás natural.
"Será um novo píer, do qual a unidade de regaseificação utilizará 30% do tempo. Teremos uma nova área de atracação com potencial para ser utilizada em 70% do tempo. É um movimento que virá aliado à atração de novas indústrias para a região", explica Fernando Estima.
Tecnologia made in Rio Grande
Juntamente com a ideia de um porto integrado ao distrito industrial, a administração portuária trabalha com a ideia do porto-cidade. "Somente com a cidade realmente integrada, tendo o porto como algo que lhe pertence e que representa oportunidades, é que se conseguirá fazer projetos de desenvolvimento se tornarem mais permanentes", acredita o diretor-superintendente dos Portos RS, Fernando Estima.
Está em andamento um convênio dos Portos RS com o Oceantech, da FURG, e a Embrap para estimular empresas locais a desenvolverem tecnologias para a operação portuária. E tem dado resultados. Os rebocadores, por exemplo, são equipados com sensores para monitorar as condições do canal como resultado de um projeto da FURG com tecnologia israelense.
Outros R$ 2 milhões são investidos no monitoramento do tráfego do porto com um simulador também desenvolvido pela universidade local. E há ainda o projeto em estudos para geração de energia _ que poderá beneficiar o distrito industrial _ a partir das ondas nos molhes da barra.
"Hoje podemos dizer que o porto parou de comprar boa parte dos equipamentos para se tornar um Porto Lab. Provocamos a academia e, com isso, trouxemos o conhecimento que é produzido aqui para dentro da nossa estrutura", afirma Estima.
Segundo ele, o diálogo da administração portuária também inclui as entidades empresariais para fomentar cursos de qualificação em contabilidade, na área jurídica, em serviços portuários, em línguas e relações comerciais.
"A qualificação não apenas dos colaboradores, mas de toda a estrutura da cidade retorna em qualidade na produção. Estamos completamente engajados neste objetivo de atuar integrados com Rio Grande", salienta o diretor de operações da Yara, Lucas Elizalde.
Com o Projeto Qualificar, em parceria com o Senai, a empresa tem formado trabalhadores especializados na área de manutenção. O objetivo é ter todos os colaboradores da multinacional norueguesa em Rio Grande com o ensino médio completo.
Assinatura
*Eduardo Torres é jornalista, com passagens pelos jornais Zero Hora, Diário Gaúcho e Correio de Gravataí.