As praias de Santa Catarina costumam ser um dos destinos favoritos dos brasileiros, mas, nos últimos anos também têm sido refúgio cada vez mais procurado por quem respira inovação. Sim, grandes empresas e startups passaram a olhar com mais atenção para o estado, que se tornou uma referência no Brasil quando o assunto é a construção de uma política pública continuada voltada para o futuro. Com a pandemia da Covid-19, e a cultura do trabalho remoto, cresceu o número de pessoas buscando unir essa cultura com a tranquilidade e as belezas naturais do estado vizinho. A migração jogou ainda mais luz para o polo de tecnologia catarinense, que movimentou cerca de R$ 10 bilhões em 2021. "As novas gerações escolhem primeiro onde vão morar e depois onde vão trabalhar, por isso, durante a pandemia muitos executivos trouxeram suas sedes para cá. O resultado tem sido muito bom, pois quando a maré sobe, sobe para todos e todos se beneficiam", aponta Diego Brites Ramos, empresário e vice-presidente de Relacionamento da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), sediada na capital Florianópolis. Sócio e diretor geral da Teltec Solutions, uma empresa de soluções digitais tradicional de Santa Catarina, ele acredita que o associativismo é um dos trampolins para ecossistemas de inovação férteis. "A tecnologia traz muito poder para quem atua nesse mercado, mas também muitas responsabilidades. O que vamos fazer com essas tecnologias e como elas vão chegar ao grande público? São perguntas sempre pertinentes para que a inovação realmente gere impacto", aponta Ramos.
Empresas & Negócios - O que faz de Santa Catarina um polo de inovação tão elogiado dentro e fora do Brasil?
Diego Brites Ramos - Priorizamos uma grande coesão entre diversos atores que compõem o ecossistema. Além disso, a Acate tem 35 anos de história. É preciso incentivar a colaboração entre todos os parceiros, com atores que entendam a importância de estarmos todos trabalhando juntos, com um mesmo objetivo, remando para o mesmo lado. Estamos sediados em uma ilha (Florianópolis) e quando a maré sobe, sobe para todos, e todos se beneficiam. Na pandemia, por ser lugar desejado de moradia, muitos empreendedores mudaram a sede das suas empresas para cá. As novas gerações primeiro escolhem onde morar e depois onde trabalhar. Mas esse movimento não nasceu da noite para o dia, somos um estado empreendedor na essência. Temos também essa cultura do cooperativismo característica da região Sul e isso contribui para ecossistema altamente colaborativo, A inovação acontece da porta para fora, mas uma cultura mais aberta ajuda muito para sucesso das empresas.
E&N - Qual sua percepção sobre o cenário de negócios no Brasil e o papel da macroeconomia para o setor de tecnologia e inovação nacional?
Ramos - Tivemos em 2021 uma recuperação do Produto Interno Bruno (PIB) de cerca de 4,6%. O setor de tecnologia, no entanto, cresceu muito acima disso nos últimos dois anos, beneficiado em grande parte pela aceleração da digitalização dos negócios. Inclusive, o setor de tecnologia do Brasil acabou crescendo mais do que a média global, pois tínhamos um gap maior em relação a economias mais maduras, então, aceleramos muito. É um setor que está se descolando bastante do PIB geral do país e crescido alheio ao desempenho econômico.
E&N - Como o mercado de investimento em startups acelerado tem refletido no fortalecimento das empresas digitais?
Ramos - Não só no Brasil, mas também no mundo, vivemos um período de muita liquidez no mercado, com muita injeção de dinheiro e estímulos. Mas, esse também é um cenário desafiador em razão dos juros baixos fora do país. Tivemos recordes de investimentos em startups no mundo todo nos últimos dois anos. Em 2021, investimentos em venture capital, geralmente destinado a startups, e private equity, destinado às mais maduras, cresceram 128% no Brasil em relação a 2020, que já tinha sido grande. Ano passado foi fantástico para o setor de tecnologia. E olhando apenas para Santa Catarina, foi um ano com transações extremamente representativas: abertura de capital da Intelbras e venda de 92% da RD Station por R$ 1,8 bilhão para a TOTVS. O setor tech catarinense movimentou R$ 10 bilhões. Se me perguntassem no início de 2021, eu jamais projetaria esse resultado tão significativo. Foi um ano de consolidação do processo de digitalização das empresas, e as startups estão sendo fundamentais neste processo.
E&N - Pelo que temos visto de 2022, vamos repetir o bom desempenho?
Ramos - A expectativa é que os juros sigam em alta com os novos aumentos da Selic, e o mesmo acontecendo nos Estados Unidos, então, o custo do dinheiro deve ficar mais caro. Os investidores em geral podem voltar para alternativas atreladas a curva de juros, renda fixa e, com isso, ir com menor apetite a investimentos de riscos, como para as startups. O cenário macroeconômico é muito desafiador também em razão das eleições presidenciais. Talvez não tenhamos um ano tão fantástico como o de 2021 para o setor de tecnologia, mas ainda devem haver M&As (fusões e aquisições) este ano no mercado nacional. Entretanto, acredito que o país deve seguir crescendo.
E&N - Como você tem percebido a implantação do conceito de inovação aberta no setor de inovação e o papel dos grandes players para a consolidação deste modelo?
Ramos - As empresas, em geral, estão se dando conta que não conseguem acompanhar todas as mudanças sozinhas. Estamos falando de muitas tecnologias emergentes, como Big Data, Internet das Coisas (IoT), 5G e outras inovações. Mas, a verdade é que poucas grandes empresas que estão adotando inovação aberta de forma bem-feita. Se por um lado existe a possibilidades de que os fundos de venture capital se retraiam, temos potencial de grandes corporações nacionais que nem começaram a implementar inovação aberta. Estou otimista que isso ganhe força dado ao nível de digitalização das empresas brasileiras, que ainda é baixo.
E&N - Quais os próximos passos de evolução para o ecossistema de inovação brasileiro?
Ramos - O ecossistema de inovação brasileiro está ficando mais maduro, com empreendedores mais experientes, e com os grandes fundos olhando mais para as empresas da América Latina. Vivemos um período de maior liquidez, o que acaba dando oportunidade de saída para investimentos. Seja por uma estreia na bolsa de valores ou sendo vendida para uma empresa estratégica, o mercado de inovação tem tido mais liquidez e os investidores conseguem enxergar retorno dos seus investimentos. Vejo espaço para fundos mais regionais do que para, já que lá existe um mercado muito mais maduro que o nosso, mas a vantagem do fundo regional é já conhecer o empreendedor. Lançamos na Acate uma parceria com fundo regional focado em deals da região Sul. O que falta na nossa região é mais capital, para descentralizar recursos, pois os grandes fundos colocam aportes mais em São Paulo. Como região, precisamos atrair esses grandes players financeiros.