Do RS para o mundo: indústria de máquinas agrícolas revoluciona o campo

Fábricas instaladas no Rio Grande do Sul produzem 45% do maquinário agrícola do Brasil

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TO GO WITH AFP STORY (FILE) COMBINE HARVESTERS CROP SOYBEANS DURING A DEMONSTRATION FOR THE PRESS, IN CAMPO NOVO DO PARECIS, ABOUT 400 KM NORTHWEST OF CUIABA, IN MATO GROSSO, BRAZIL, ON MARCH 27, 2012. BRAZIL'S OLD INFRASTRUCTURE, ESPECIALLY IN LOGISTICS, IS AFFECTING THE PROFITABILITY OF THE SECTOR AND THE TRANSPORTATION OF THE SOYBEAN "HARVEST OF THE CENTURY", WHICH IN 2013 IS EXPECTED TO SET A HISTORIC RECORD. AFP PHOTO/YASUYOSHI CHIBA
Quem observa o panorama atual do agronegócio no Rio Grande do Sul por vezes pode não cogitar a hipótese de que este bem-sucedido cenário era inexistente até meados da década de 1950. Basta olhar com atenção para a história do desenvolvimento da agricultura gaúcha no último século para se atestar o quão recente é o processo de modernização pelo qual o estado passou até dispor do aporte tecnológico das colheitadeiras e dos tratores que possibilitaram com que a safra 2020/2021 fosse a melhor de sua história, com 37,63 milhões de toneladas de grãos.
Não é de hoje que o RS ocupa o posto de maior produtor nacional de máquinas e implementos agrícolas. Com um parque industrial localizado na região Noroeste, o estado responde por cerca de 45% da produção nacional de máquinas agrícolas autopropelidas, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Segundo o IBGE, em 2019 (último ano disponível) o Valor Bruto da Produção (VBP) do setor de máquinas e equipamentos agropecuários no Rio Grande do Sul totalizou R$ 11,1 bilhões. Esse valor equivale a 4,5% do VBP da indústria de transformação do Estado naquele ano.
“O setor de máquinas e equipamentos agropecuários está entre as principais atividades industriais do RS. Em termos de faturamento, responde por aproximadamente 5% do total da indústria de transformação gaúcha. O segmento apresenta encadeamentos com o setor metalmecânico e é um importante gerador de renda”, afirma Rodrigo Feix, pesquisador do Departamento de Economia e Estatística da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (DEE/SPGG). “Além disso, reúne características dos setores de alta intensidade tecnológica, com elevada produtividade do trabalho, escolaridade e remuneração acima da média, o que é relevante para a indução do desenvolvimento econômico”, enfatizou o pesquisador.
Desde o segundo semestre de 2020, o ritmo de produção tem acelerado. Segundo estimativas do DEE-SPGG, no último ano a indústria de máquinas agrícolas gerou 5.347 empregos formais no RS e, em dezembro de 2021, o setor empregava 32,7 mil pessoas.
“Hoje em dia, temos uma importância gigantesca no Brasil. Após na recente safra recorde, mesmo com a pandemia do Covid-19, nosso setor foi responsável por gerar cerca de 160 mil empregos no RS, somando os diretos e os indiretos, como por exemplo em fornecedoras e revendas”, celebra Claudio Affonso Amoretti Bier, Presidente do do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas do Rio Grande do Sul (Simers). “Nosso setor atravessa uma fase excelente, não só pela safra passada, mas também pela tecnologia embarcada aprimorada aqui no Estado”, completou.
Além dos bons resultados regionalmente, cada vez mais a produção gaúcha de máquinas agrícolas avança pelo Brasil. O crescimento da produção agrícola no Cerrado e a alta rentabilidade da produção agropecuária nos últimos anos estimularam a demanda nacional, refletindo-se em maior crescimento da indústria gaúcha. Contudo, a formação deste quadro não seria possível sem as ousadas iniciativas de alguns produtores gaúchos na primeira metade do século passado e do exitoso processo de aquisições e fusões de empresas que teve início nos anos 1970 e que se aprofundou nas últimas duas décadas, gerando a atual configuração do setor no Rio Grande do Sul.

Pioneirismo na produção de maquinário destinado à agricultura

No Brasil, as raízes da primeira fase do desenvolvimento da indústria produtora de máquinas e implementos agrícolas remetem aos anos finais do século XIX. Em 1892, época em que o inventor americano John Froelich fabricou o primeiro trator movido a gasolina e diesel, a produção brasileira se limitava quase que inteiramente a implementos agrícolas de fabricação artesanal, como os arados de tração animal. Inicialmente neste período, equipamentos mais “avançados” eram adquiridos exclusivamente via importação, e foram pouco a pouco introduzidos nas lavouras de café de São Paulo e, posteriormente, no Paraná.
A partir do início do século XX, com o surgimento das primeiras máquinas agrícolas e o advento de tecnologias de tração mecânica, a importação de equipamentos para as colheitas se firma com uma prática regular no País. Esta tendência ganha força e atinge o seu ápice em 1919 com instalação de uma unidade da Ford em São Paulo que tinha como principal atividade a importação de tratores.
É somente em meados dos anos 1920 que surgem as empresas nacionais do setor. Um caso exemplar deste período é a fundação da Baldan, companhia paulista criada em 1928 e que tinha sua produção voltada inteiramente para os arados de tração animal.
Por volta desta época, a indústria de máquinas agrícolas começa a dar os primeiros passos no Rio Grande do Sul. Em 1920, Ângelo Bozzeto, à época empregado como carroceiro no município de Nova Palma, decidiu se associar a uma pequena lavoura de arroz a convite de amigos. Com o aumento da plantação, os sócios decidiram comprar uma trilhadeira usada. Porém, devido às péssimas condições em que o equipamento se encontrava, Bozzeto se viu obrigado a reformá-lo, atitude que resultou na transformação daquele “caco velho”, como ele mesmo chamava, em uma máquina que trilhava não apenas arroz, mas também trigo e outros cereais.
Frente ao inesperado êxito alcançado com a reforma da máquina, Bozzeto montou uma modesta oficina e passou a fabricar de uma a três trilhadeiras por safra de cereais. Fundado em 1921, este empreendimento originaria a Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas Tigre, que a partir de 1924 passou a desenvolver novos modelos de trilhadeiras, com mais potência e capacidade do que as anteriores, as quais intitulou “Trilhadeiras Tigre”, uma vez que, segundo as suas próprias palavras, o tigre é um animal “soberbo e perfeito”, assim como eram as suas máquinas. Posteriormente, o agricultor também seria pioneiro ao adquirir aparelhos de solda, motores e prensas para serem utilizadas em suas criações.
“Ângelo representou uma quebra de paradigma para a sua época. Ele está em um grupo seleto de pessoas que enxergavam além dos limites sociais e produtivos do seu contexto de vida. Em 1921, vivendo em uma região rural, desprovida de infraestrutura básica e com limitações financeiras, idealizou e projetou um equipamento para a colheita automatizada de grãos que transformou o método de produção agrícola primitivo da época, dependente da mão-obra humana e tração animal, e gerou o aumento da produtividade nas lavouras, além de mais praticidade e de mais segurança para os agricultores”, afirma Mariza Bozzetto, presidente da Fundação Ângelo Bozzetto, entidade social sem fins lucrativos, que desenvolve projetos sociais e culturais na Região Central do RS.
Mais de uma década após a sua fundação, apesar de ter alcançado a posição de maior fabricante de máquinas agrícolas da América Latina, a Tigre viria enfrentar forte competição com a entrada de outras empresas no setor. Bozzeto então percebeu a necessidade de mais energia para a expansão de sua empresa e passou a focar seus esforços no setor de energia, tornando-se um dos responsáveis pela fundação da Usina Hidroelétrica Nova Palma, criada em 1932, da qual tornou-se sócio e diretor.
“Essa visão e desejo de transformação foram o seu legado para toda a Região Central do Rio Grande do Sul. Sua criação gerou renda e empregos, possibilitou o surgimento de outros negócios na região e, evidenciou o perfil empreendedor do Ângelo Bozzetto que investiu em obras de infraestrutura coletiva e evolução tecnológica, entre elas, abastecimento coletivo de água, geração e fornecimento de energia elétrica”, concluiu Mariza, que atualmente também preside a Nova Palma Energia.

No pós-guerra, uma nova etapa para o setor agrícola

O movimento de substituição de importações teve o seu auge no período da Segunda Guerra Mundial. Com o aumento das dificuldades que limitavam a importação de bens de capital, onde se incluem os tratores, começa no Brasil uma nova etapa do desenvolvimento da indústria de máquinas e implementos agrícolas, marcada por novos investimentos e pelo crescimento acelerado do número de empresas no setor, o que impulsionará a produção destes bens em território nacional.
Durante este período, a crescente demanda por alimentos e insumos agrícolas por parte dos países envolvidos no conflito tem como consequência a elevação da produtividade agrícola, e, simultaneamente, da indústria brasileira em geral. Aliado às barreiras e limitações para a atividade importadora que vigorava no País, este fator serviu de mola propulsora para o expressivo aumento das áreas plantadas, a intensificação do uso de insumos químicos e sementes selecionadas e, naturalmente, a mecanização agrícola, que proliferou entre os anos de 1945 e 1950.
As transformações no setor agrícola acarretadas pela Segunda Guerra Mundial também encontram eco no Sul do Brasil, em 1945. Fruto da sociedade entre o engenheiro alemão Frederico Logemann e Balduíno Schneider surge a Schneider Logemann & Cia, na cidade de Horizontina.
Inicialmente criada para suprir as necessidades locais, a Schneider Logemann começou suas atividades atuando somente com uma serraria, uma oficina mecânica e um moinho de trigo e milho. Após dois anos de sua fundação, a companhia começa produzir suas próprias máquinas agrícolas. Guiados pelas demandas dos produtores de milho e soja da região, a SLC limitou-se à produção de trilhadeiras durante este período inicial.
“Os primeiros tempos foram difíceis, tudo era novo e tínhamos dificuldades básicas como energia, comunicação, infraestrutura de transportes, e falta de estradas. Além destas, podemos citar outras como os entraves burocráticos, a falta de incentivos e recursos para investir em uma emergente indústria que começava a ter forte impacto no desenvolvimento do Agro e das comunidades no RS”, destaca Cláudio Schüür, CEO da SLC Máquinas - John Deere.
Após duas décadas dedicadas exclusivamente para a produção de trilhadeiras, trituradores de milho e ferramentas agrícolas, a SLC se arrisca a dar um passo ousado rumo à produção de máquinas agrícolas ainda inéditas no país. Surge assim, em 1965, a primeira colheitadeira automotriz do Brasil, nomeada “65-A”, feita na fábrica de Horizontina. Em uma época em que existiam poucos tratores e sem nenhuma tecnologia embarcada, a máquina não demorou para se destacar devido ao com seu motor movido à gasolina e os outros atributos semelhantes aos utilizados em caminhões que atravessavam o país transportando a produção agrícola.
No final da década de 1970, a Schneider Logemann inicia uma parceria inédita com a empresa norte-americana John Deere, que desejava expandir o seu escopo de atuação no mercado agrícola brasileiro. Graças a esta joint-venture, a SLC atinge o patamar de maior fabricante de colheitadeiras e tratores da América Latina.
Após vender a fábrica para a John Deere, o grupo SLC entra para agronegócio e torna-se o maior plantador de algodão do Brasil. A marca conseguiu outro feito inédito quando, em 2007, decide abrir seu capital, tornando-se assim a primeira empresa brasileira exclusivamente agrícola com ações na Bolsa de Valores.
“Quando nos associamos à John Deere americana, diversificamos o mix de produtos fabricados e a tecnologia embarcada. Todo esse exponencial crescimento e aquisição de conhecimento propiciou uma aceleração na evolução e quantidade de fabricantes de equipamentos em nosso estado, novamente desenvolvendo as regiões e criando riquezas nos municípios. Hoje somos a maior concessionária John Deere do Estado e uma das maiores do América Latina, com 18 unidades atendendo quase a metade dos municípios gaúchos onde somos líderes em nossos mercados”, enfatizou Schüür.

Região Noroeste se destaca na produção de maquinário

No período do pós-guerra, a região Noroeste do Rio Grande do Sul, apresentava um ambiente econômico favorável a investimentos no campo e para a formação do aglomerado industrial de máquinas agrícolas que ocorreria nos anos seguintes.
O expressivo aumento da base agrícola nos anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, com a produção de grãos para alimentação como sua principal atividade agrícola e o fato de a região contar com uma base fundiária menos concentrada do que no Sul do Estado, é um dos principais fatores que propiciaram a existência de um importante e crescente mercado para a indústria de máquinas no território gaúcho.
Outros fatores também foram importantes para consolidar o polo industrial agrícola na região, como a existência de instituições de ensino voltadas para as demandas de produtores locais, como por exemplo o centro de formação de mão-de-obra (localizado no colégio Evangélico Panambi, criado em 1903) e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí (Fafi), criada em 1957, que em 1985, se tornaria a Unijuí. Além disso, a pré-existência de uma indústria de implementos agrícolas com capacidade de reconversão, e que passou a produzir autopeças e componentes para os equipamentos usados no trabalho do campo, também foi um elemento fundamental para que o noroeste do RS se tornasse o centro da indústria de máquinas agrícolas no estado.
No início da década de 1980, o setor de máquinas entra em uma fase que se estende até os dias atuais. Caracterizado pelas fusões e aquisições entre as empresas que se haviam instalado no RS nos anos anteriores, este novo momento marca o início do processo de compra dos capitais nacionais, e de muitas unidades nacionais de empresas estrangeiras, por grandes grupos internacionais.
Na realidade, desde o final dos anos 1970 o setor de máquinas e implementos agrícolas já apresentava sinais da restruturação no cenário brasileiro. O movimento de fusão ou associação entre empresas e a aquisição de empresas nacionais por internacionais que, definiu a configuração que temos hoje do agronegócio no Brasil e no RS, se insere em um contexto mundial onde se observa uma nova organização internacional do trabalho, baseado na especialização internacional das regiões. Neste cenário, a América Latina acaba por se tornar um celeiro fornecedor commodities, e, principalmente, commodities agroindustriais, frente aos olhos do mundo.
No entanto, mesmo com a ampliação da capacidade produtiva das empresas agrícolas, através da criação de novas unidades ou do aumento das unidades existentes, observa-se a interrupção do fluxo de entrada de novos grupos no mercado de máquinas agrícolas. A fusão das companhias para a conquista de novos mercados acarreta uma grande concentração técnica e econômica entre as empresas que lideram a cadeia produtiva.
É neste período que se consolidam os grupos empresariais que atualmente sãos líderes no mercado brasileiro, o que geralmente coincide com uma posição de liderança no mercado mundial, uma vez que a maioria está integrada a grandes grupos internacionais. Parte destes grupos firma seus pilares em solo gaúcho, como é o caso de marcas como a John Deere e da AGCO.

Com estiagem ou sem, importância do setor hoje é inegável

O desenvolvimento do setor agrícola no Rio Grande do Sul está invariavelmente ligado à história da indústria de máquinas e implementos agrícolas. A importância do segmento no Estado pode ser atestada pelo papel que desempenha na geração de emprego formal, que segue em ritmo constante ao longo dos anos.
“A indústria de máquinas e implementos agrícolas tem uma grande importância na economia do Rio Grande do Sul, já que sua atuação incide diretamente em dois geradores de riqueza: na própria indústria e na agricultura. Além disso, é um dos segmentos mais inovadores na indústria e que gera mais de 20 mil empregos diretos e 100 mil indiretos, mostrando-se uma potência em geração de riqueza e desenvolvimento”, declara o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Porcello Petry.
A crescente produtividade ano a ano entrelaça cada vez mais o futuro do agronegócio às tecnologias das máquinas agrícolas, processo que tem como norte principal o aumento da produtividade com a redução de custos para o produtor rural. Contudo, o bom prognóstico não elimina os desafios que se avizinham no horizonte do setor.
“Nosso empecilho é a pandemia e consequente desconstrução das cadeias globais de suprimentos. A escassez de suprimentos, desde 2020, tem afetado muito a cadeia global de fornecedores que atende diversos segmentos, entre eles o de máquinas agrícolas. Tem sido um desafio enorme a toda indústria, que em geral teve os reflexos da paralisação em função da pandemia. Faltam componentes eletrônicos, aço, borracha e plástico, por exemplo”, lamentou Rodrigo Junqueira, gerente geral AGCO & vice-presidente Massey Ferguson América do sul. “Isso ocorre porque alguns setores da indústria retomaram mais rapidamente e demandam matérias-primas e peças de outros segmentos, que exigem mais tempo para produção. Temos recebido sucessivos e significativos aumentos de preços, com os reajustes constantes de preços pressionando nossos custos”, acrescentou.
Outro fator a ser superado é a carência de infraestrutura no país. Aliado a isso, soma-se também as intempéries climáticas que afetaram a produção do estado recentemente. “A atual seca no Rio Grande do Sul, sem dúvida, tem nos prejudicado. Mesmo assim, o restante do Brasil segue comprando nossos produtos”, afirma Claudio Bier, presidente do Simers. “Outro problema é a falta de estrutura para entregarmos tudo o que temos produzido. Ano passado deixamos de vender por falta de capacidade de entrega”, conclui o dirigente.
Se os obstáculos recentes representam a imposição de dificuldades ao setor, as raízes firmadas pelo setor de indústria de máquinas e implementos agrícolas no RS trazem a certeza de a relevante posição atingida pelo setor através dos anos seguirá como um forte pilar do desenvolvimento econômico no Estado. A manutenção e expansão das empresas do segmento agrícola são fundamentais para a geração de emprego no Rio Grande do Sul, e a continuidade do processo de modernização da indústria das máquinas representa a evolução da própria agricultura gaúcha como um todo.

Armazenagem também tem elo no Rio Grande do Sul

A partir do início dos anos 1930, o crescimento da produção de algumas culturas em solo nacional, principalmente o café, gera a necessidade de expansão da demanda interna para a fabricação de tratores e máquinas agrícolas com tração mecânica. Este aumento da procura por equipamentos agrícolas leva ao início de um processo que se caracterizou pela substituição de importações no Brasil.

No Rio Grande do Sul, a busca produção de máquinas e implementos agrícolas de fabricação local encontra eco no atual município de Panambi. É lá que, em 1939, os irmãos Otto Kepler e Adolpho Kepler Jr. decidem unir seus esforços com o alemão Paulo Otto Weber. Desta fusão nasce a "Kepler Irmãos & Weber", companhia que dedicou ao desenvolvimento do setor metalmecânico gaúcho e que anos mais tarde ocuparia posição mundial de destaque no fornecimento de sistemas de armazenagem de grãos.

Posteriormente conhecida apenas pela abreviação “Kepler Weber”, as origens da empresa remontam ao longínquo ano 1935, quando Otto e Adolpho Kepler Jr, donos da ferraria Kepler Irmãos, adquirem a Fábrica de Máquinas Agrícolas e Industriais, que na época contava com a direção técnica de Paulo Otto Weber. Especialista em moinhos, o alemão já projetava instrumentos mecânicos para lavoura desde 1930. Mas foi somente após a sociedade firmada entre Weber e os irmãos Kepler que o território de Panambi pode se tonar referência na produção de equipamentos para o campo.

Em menos de duas décadas. a empresa se transformou em uma potência do setor agrícola. De acordo com os registros do livro “Industria de Ponta: uma história da industrialização do Rio Grande do Sul”, de autoria de Eduardo Bueno e Paula Taitelbaum, em 1956 a Kepler Weber já era responsável pela produção dos maiores engenhos de arroz comercializados em solo nacional. Em 1976, década que também marcou o início das exportações e negociações internacionais da KW, cerca de 90% das cooperativas agrícolas brasileiras possuíam os equipamentos da companhia em seus quadros.

Posteriormente a Kepler Weber foi vendida para instituições financeiras e, após recorrer à recuperação judicial no início dos anos 2000, a companhia foi reestruturada em 2007. Atualmente conta com o fundo Previ, do Banco do Brasil, e o Banco do Brasil Investimentos (BBI) como seus maiores acionistas, permanecendo como referência na área de armazenagem agrícola.

“A companhia se estruturou nos últimos anos e tem conseguido absorver o bom momento do agronegócio brasileiro, com investimentos em tecnologia e novos produtos”, declarou Paulo Polezi, CFO da Kepler Weber, em entrevista recente ao Jornal do Comércio.

Grupos internacionais migram para o solo gaúcho

John Deere
A John Deere tem sua entrada no Brasil ligada à Schneider Logemann & Cia, em Horizontina. Após adquirir 20% das ações da SLC, a empresa passa a produzir máquinas agrícolas com tração eletromecânica. Em 1979, a marca norte-americana amplia sua participação para 40% das ações e a empresa passa a chamar-se SLC-John Deere. Atualmente o grupo possui o controle acionário da SLC e todos os produtos incorporam a marca estrangeira.
“O Brasil está estrategicamente localizado em uma região tropical, com clima favorável, disposição de áreas cultiváveis e abundância de água, além de área verde preservada. Baseado nessas condições climáticas e de boa agricultura, a John Deere iniciou sua participação no mercado brasileiro. Desde então, a parceria com a indústria brasileira Schneider Logemann & Cia acelerou a introdução da tecnologia John Deere no País”, destacou Alfredo Miguel Neto, diretor de Assuntos Corporativos para América Latina da John Deere, sobre as razões que levaram ao estabelecimento da empresa em terras gaúchas.
O processo de expansão da John Deere se consolida com a instalação, em 2007, de uma nova unidade na cidade de Montenegro destinada à produção de tratores de grande porte. Atualmente, são produzidos no local 40 modelos de tratores com motores de diferentes faixas de potência, que variam entre de 55 a 400 cavalos.
“No ano de 2008, foram investidos US$ 250 milhões, pouco tempo depois, em 2015, foram mais US$ 40 milhões para ampliar as instalações e nacionalizar a produção dos tratores de grande porte 8R, os únicos deste modelo fabricados pela companhia fora dos Estados Unidos. A unidade localizada no Vale do Caí tem grande relevância para as estratégias globais da companhia, já que exporta para toda a América do Sul e alguns países africanos”, revelou Miguel Neto.
Atualmente, a companhia possui 79.000 funcionários ao redor do mundo, sendo que mais de 8.000 estão no Brasil. No Rio Grande do Sul, são mais de 2 mil colaboradores na cidade de Horizontina e mais de 1.500 em Montenegro.
Além destes investimentos o Instituto John Deere, numa parceria com a John Deere Brasil, Grupo SLC e FAHOR, está desenvolvendo o projeto do Memorial da Evolução Agrícola. A iniciativa será construída em um terreno de cerca de 5 mil metros quadrados, no centro de Horizontina, onde funcionava a antiga fábrica da SLC. O objetivo do empreendimento não é apenas beneficiar a comunidade local, mas também desempenhar o papel de referência histórica para todos aqueles que querem conhecer mais sobre o agronegócio brasileiro.
Para 2022, a companhia prevê um crescimento de 5% no mercado agrícola brasileiro. No setor de construção, é esperada uma alta de 5% a 10% globalmente. Na última década, a John Deere investiu mais de US$ 550 milhões em novas localizações e em novos produtos; expansões de unidades; aumento da rede de concessionários da divisão Agrícola e na consolidação da rede de distribuidores para a área de Construção, além de inovações em agricultura de precisão e conectividade.
“Importante destacar que 95% de tudo que é vendido no mercado brasileiro são produtos manufaturados nacionalmente, as fábricas brasileiras também são responsáveis pela exportação de equipamentos para mais de 80 países”, concluiu o representante da marca na América Latina.

AGCO

Outro case conhecido de companhia estrangeira que consolidou suas bases em solo gaúcho é a AGCO. A multinacional norte-americana adquiriu empresas de capital local e estrangeiro, vindo a se transformar em uma das principais produtoras de máquinas e implementos agrícolas do Brasil.
Criada em 1990, inicialmente a AGCO fabricava e distribuía equipamentos agrícolas apenas na América do Norte. Com o intuito de expandir seus mercados e assegurar o status global da companhia, em 1996, comprou a Massey Ferguson no Brasil e assumiu a sede da empresa em Canoas.
“A aquisição proporcionou às atividades da marca no Brasil suporte tecnológico de ponta, investimentos para abertura de novas unidades e diversificação de produtos, além de fortalecimento para que os produtos feitos no Brasil tenham cada vez mais acesso aos mercados globalizados”, explicou Rodrigo Junqueira, gerente geral AGCO & vice-presidente Massey Ferguson América do sul. “Um exemplo foi o lançamento do MF 9030, o primeiro pulverizador Massey Ferguson já fabricado no mundo, e a plantadeira Momentum, projeto 100% nacional, que revolucionou o plantio, em especial nas grandes propriedades”, concluiu.
Hoje a AGCO detém aproximadamente 40 empresas. Na América do Sul, seus os produtos são comercializados por meio de Fendt, Massey Ferguson, Valtra, Precision Planting e AGCO Grãos e Proteína, unidade que reúne equipamentos destinados à funções a armazenagem, secagem, transporte e processamento de sementes.
No Rio Grande do Sul, a AGCO possui diversas unidades: a de tratores, em Canoas; colheitadeiras, em Santa Rosa; e plantadeiras, em Ibirubá. Relacionadas à área de grãos e proteína, possui sedes em Passo Fundo, para pré-montagem e expedição de equipamentos do segmento de grãos, e em Marau, para manufatura de ambos os segmentos e expedição de equipamentos de proteína. Dos 3.484 colaboradores das fábricas e unidades da AGCO Grãos e Proteína no Brasil, 2.489 se encontram em território gaúcho.
“Estamos em um período glorioso para o agro, com a produtividade crescendo ano a ano e o produtor bastante capitalizado não apenas por decorrência dos valores das commodities, mas também pelo contexto econômico. O produtor é extremamente empreendedor e profissional e busca neste momento investir em tecnologia e o maquinário. O futuro do agronegócio está bastante ligado às tecnologias das máquinas agrícolas, que tem como objetivo principal aumentar a produtividade e reduzir custos para o produtor rural”, avalia Junqueira.

* Marcel Horowitz é jornalista formado pela Pucrs. Realizou o curso Agronegócio: estratégia e gestão (ESPM) e possui contribuições para a Revista Press e portal Agrolink.