De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54 milhões de brasileiros possuem mais de 50 anos - o que equivale à população inteira da Itália - e, até 2050, o instituto projeta que 43% da população do País estará nesta faixa etária. Mas, quem são os maduros - e principalmente as maduras - que movimentam a economia consumindo mais de R$ 1,8 trilhão por ano, conforme dados da pesquisa Longevidade realizada pelo Instituto Longevidade em parceria com Bradesco Seguros?
É sabido que a mudança mais consistente no comportamento geracional começou no século XX - quando as mães e avós iniciaram a revolução sexual com a queima de sutiãs e uso da pílula anticoncepcional ainda na década de 1960. De lá para cá, um longo caminho precisou ser pavimentado, tendo as netas e filhas daquelas mulheres como as construtoras desta estrada.
A psicóloga e psicanalista Fernanda Soibelman Kilinski faz uma analogia entre envelhecimento e adolescência, pois ambos são momentos de mudanças corporais e de status na sociedade. "Costumamos agrupar todas as dificuldades e sintomas que a mulher dessa faixa etária apresenta, na menopausa, mas a verdade é que cada mulher vive o momento de forma diferente. Algumas tranquilamente, outras sofrem muito. Portanto, o emocional tem papel importante - o ser humano não pode ser reduzido ao puramente biológico", alerta a terapeuta ao exemplificar com a questão da sexualidade.
"A mulher, quando chega aos 50 anos, quer ressignificar sua vida e a sexualidade, logicamente, entra neste processo", explica, acrescentando que existem dois perfis diferentes de mulheres: aquelas que pela história e vivência estão mais abertas para explorar seu corpo sem culpas e, na outra ponta, aquelas que ainda carregam os preconceitos.
"Quando deitam no divã, estão no lugar certo para problematizar toda sexualidade e encontrar o caminho, pois nesta faixa etária estão no limiar do fim dos tabus". De forma mais ampla, a psicanalista alerta que, embora as mulheres de 50 anos de agora não sejam as mesmas de algumas décadas atrás e tenham muito mais liberdade do que antes, não são todas que podem usufruir dessa condição, visto que uma mulher de classe média tem muito mais recursos materiais do que uma em situação de vulnerabilidade social.
Para a fisioterapeuta especialista em gerontologia Gisele Varani, por conta das segmentações de cunho religioso, econômico, étnico, de gênero, entre outros, não existe um padrão de mulher de 50 anos e, sim, a mesma heterogeneidade que há na sociedade atual. Entretanto, ela percebe uma realidade comum entre todos estes grupos: a sobrecarga de tarefas que cresce cada vez mais. "Hoje, convivemos em famílias que têm bisavós de 90 anos, avós de 70, a mulher de 50 com filhos de 30 e netos de dois anos. Isso significa que a mulher de 50 acaba assumindo a preocupação, o cuidado e planejamento do envelhecimento dos pais e avós, além de se sentir moralmente instadas a ajudar os filhos num momento profissional e familiar difícil também."
Segundo Gisele, o suporte de políticas públicas para estes diversos públicos é escasso, o que significa que nesta faixa etária são comuns as queixas de exaustão que, inclusive interferem nos próprios cuidados com a saúde. "Elas buscam tanta ajuda para os outros que na sua hora preferem ficar vendo Netflix com uma taça de vinho na mão para tentar desopilar todo o estresse", exemplifica, lembrando que este recorte diz respeito àquelas em situação econômica mais confortável, pois a mulher de 50 da periferia se comporta de maneira diferente, cuja motivação de vida é trabalhar para dar conta da sobrevivência financeira.
Dicas para as Mulheres 50 em busca de colocação no mercado de trabalho
-Curso superior é um quesito importante.
- Atualização tecnológica com uso das ferramentas mais solicitadas: Office, Google drive, Google docs, Zoom, Google Meet, Teams, ferramentas de colaboração Linux (como Trello).
- Aceitar ser gerido por pessoas mais jovens;
- Curiosidade e facilidade de adaptação;
- Saber trabalhar em times horizontais, colaborativos e com diversidade.
Fonte: Maturi
Nos dias atuais, os 50 anos são os novos 50
Para a jornalista Fátima Torri, as mulheres estão construindo uma nova velhice
FATTO COMUNICAÇÃO/DIVULGAÇÃO/JC
A jornalista Fátima Torri, idealizadora da revista digital Fala Feminina, observa que se passou de um total descaso no olhar para as Mulheres 50 (velhas) para a glamourização da velhice. "Se antes eram descartadas, agora são levadas ao altar da tolerância, da beleza das rugas, dos cabelos brancos e muitos vivas para viverem uma vida (quase) eterna", afirma a jornalista, observando, porém, que há uma amnésia coletiva de que após os 50 anos, apesar da ciência e da tecnologia, de todos os cuidados médicos e da indústria cosmética, a solidão aumenta, as dores no corpo redobram, o peso não é mais o mesmo, e as doenças se aprofundam. Viveremos mais, sim, com as novas gerações construindo uma nova velhice.
"Esse papo que os 50 são os novos 30 não existe. Os 50 são os novos 50. Porque enquanto a gente acreditar que só os 30 anos são um lugar confortável, a gente nunca vai querer estar nos 50 e vamos seguir tendo aversão ao envelhecimento. É fundamental mostrar que os 50 é um excelente lugar". O alerta vem de quem recebeu, no ano passado, o prêmio Influencer/Creator do Ano pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP), Patricia Parenza, jornalista, 51 anos, empreendedora e comunicadora digital. Conhecida no mercado da moda há tempo, Patricia começou a falar sobre a mulher 50 em 2016, quando entrou no climatério.
Hoje, ela conta com quase 60 mil seguidores no seu perfil do Instagram, uma comunidade que cresce e troca experiências sobre menopausa, envelhecimento, reposição hormonal e sobre "treinar o olhar" para ver beleza na maturidade. "Eu vejo a mulher de 50 como pura potência, que está reescrevendo a história. Essa mulher não está descrita na literatura científica, por isso dá pra dizer que estamos fazendo uma grande revolução", afirma.
Para ela, um dos principais desafios é dissociar a beleza da juventude, aceitar e admirar rostos e corpos com linhas de expressão, cabelos brancos e - como influenciadora digital - sugere abandonar um pouco os filtros nas redes sociais para construir um olhar mais positivo. Outro ponto que merece atenção, segundo Patricia, é a questão do mercado de trabalho. "A gente percebe que as empresas estão começando a entender que diversidade não diz só respeito a raça e gênero, mas também a idade."
Mercado de trabalho exige constante atualização profissional
Vagas para cargos estratégicos e com home office estão aumentando no Brasil
Ina Fassbender/AFP/JC
O empreendedor social Sergio Serapião lidera a Labora, primeira startup paulista focada no público sênior. "A questão geracional não é a primeira diversidade que as empresas têm trabalhado neste novo cenário, antes vêm raça e gênero, mas percebe-se, sim, um avanço", pontua o especialista, lembrando que não existe um histórico de contratação em escala de pessoas mais velhas. As que se mantêm no mercado é porque já estão trabalhando no local há bastante tempo. "O contingente 50 é grande e as empresas precisam abrir novos postos, não apenas aqueles no topo, mas também promovendo uma reinvenção de carreiras."
Serapião destaca estudos consolidados que apontam os diferenciais da força de trabalho sênior: menor ansiedade de ascensão profissional, compromisso visível com o trabalho, menores taxas de turn over e abstenção. Ele ressalta, também, a importância das próprias pessoas 50 repensarem o formato de trabalho que desejam, definindo o que buscam em termos de carga horária, trabalho presencial ou à distância e novas carreiras.
O preconceito etário ainda é muito comum, forte em boa parte das empresas. E, para as mulheres é ainda mais cruel, afirma Mórris Litvak, CEO e fundador da Maturi - plataforma especializada em oportunidades de trabalho para 50 . "As mulheres sofrem o preconceito etário mais cedo do que os homens", analisa, ao estimar que normalmente ocorre aos 40 anos, especialmente na cultura latina que valoriza em muito a estética.
"Boa parte das mulheres maduras que estão buscando emprego acabam tendo que partir para um trabalho autônomo em função desta dificuldade", alerta. Até pouco tempo atrás, os perfis mais ofertados eram para atendimento a clientes e vendas. No entanto, recentemente, aumentaram as vagas para cargos estratégicos, como desenvolvimento de produtos, tecnologia, gestão, assistente virtual e atividades em home office. Segundo CEO da Maturi, as empresas que não estão olhando para isto, vão ficar para trás, não só porque a força de trabalho está envelhecendo, mas porque o público consumidor também está. Na opinião do especialista, para conhecer o público maduro, saber quais são suas necessidades, atender e se comunicar é preciso tê-lo dentro de casa.
Um olhar detalhado no perfil desta nova mulher
A start up Mindminers - plataforma especializada em pesquisas de comportamento humano - promove constantemente estudos para identificar os diversos perfis e preferências de consumidores. A pedido do Jornal do Comércio, a plataforma fez um recorte com o público feminino em duas pesquisas realizadas entre 2019 e 2020, quando foram analisados os consumidores com mais de 50 anos.
A pesquisa Co-Marketing Longevidade entrevistou 739 mulheres com idades entre 50 e 79 anos, sendo que a predominância - 62% - situava-se na faixa 50/59 anos. Foram ouvidas mulheres de todo o Brasil, com o Sudeste liderando, seguido da região Sul. Mesmo que a concentração tenha sido na região Sudeste, o levantamento consegue ser uma radiografia deste universo. A pesquisa comprovou que as mulheres 50 estão em plena atividade profissional, pois apenas 27% afirmam ser aposentadas. Além disto, contribuem significativamente com as despesas de casa: 39% assume os custos sozinha e outras 31% divide os gastos com companheiro (a).
Mesmo assim, elas ainda não percebem um mercado preocupado em atender suas necessidades, apontando carências em opções: 55% acreditam que faltam cursos voltados para a maturidade (excetuando cursos de línguas) e 49% não identificam, nas lojas, roupas para a mulher madura. Duddu Vanoni, especialista em comunicação e inovação em moda, observa que quando são definidas algumas personas da faixa 50 se fala mais em estilo do que em moda. "Com isto está lançado um desafio para as marcas: entender os estilos destas mulheres". Ele argumenta que esse público já tem uma vida, uma história construída e opta por aquilo que gosta e a roupa segue essa disposição. "Nesta faixa etária, algumas mulheres adotam estilos identificados com as artes, yoga, espiritualidade, entre outros. As marcas precisam identificar quando essa consumidora diz - É assim que me sinto bem. "O que, particularmente, acho muito bacana, pois é reflexo de personalidade".
A diretora de cena Bárbara Graziela é taxativa: "Já dizia Elizabeth II: temos a idade que sentimos ter. Essa frase resume muito do tanto que acredito e sinto sobre passagem de tempo, envelhecer, ou melhor, a felicidade de fazer muitos aniversários", diz a integrante da produtora Casa da Janela que tem acumulado experiência na direção de mulheres maduras. Segundo Bárbara, essas mulheres tornam possível o que deveria ser entendido e vivido como algo natural, que é o trabalho, o prazer, a diversão, os planos e sonhos. Bárbara observa que a fala e atitude dessas mulheres, em plena maturidade emocional, aliadas ao conhecimento e força vital, amplificam a voz e puxam pela mão muitas outras mulheres que ainda não chegaram aos 50 e as que desejam seguir com suas vontades legítimas como se deve ser".
Justamente de olho na crescente procura por mulheres reais, Maria Rosa criou a Fifty Models em 2006. Segundo a CEO da FM, houve uma expansão e visibilidade da maturidade nas últimas décadas. "A representatividade deste segmento se faz necessária", explica, ao destacar que as grandes marcas no mercado de beleza, lingerie e moda praia são as que mais lançam mão destas profissionais. São empresas que estudam as novas tendências de comportamento humano, apoiam a diversidade e também as que mais lucram no mercado. Por outro lado, esse trabalho representa um plus financeiro para este perfil de mulheres, pois não é um mercado com regularidade.
Mulheres maduras e com os pés no chão
Itanajara de Almeida afirma que é preciso ser mais engajada e combativa
arquivo pessoal/divulgação/jc
Neste caleidoscópio da maturidade, Ivone Conceição Ribeiro da Silva, 54 anos, duas filhas e casada há 27 anos, garante que a idade não é um peso, nem preocupação. Formada em Gestão Imobiliária, Ivone faz academia, participa de um grupo de estudos do sagrado feminino e, como mulher negra, enfrenta com segurança eventuais preconceitos.
"Em uma loja de moda feminina não fui atendida pelas vendedoras, mas clientes brancas que chegavam depois de mim eram prontamente atendidas. Não tive dúvidas: peguei as mercadorias, me dirigi ao caixa e quando me perguntaram se alguma vendedora tinha me atendido fiz questão de falar com a gerente e relatar o que tinha acontecido. Ou seja, se a as mulheres de 50 sofrem com preconceitos, imagina sendo negra", lamenta. Filiada ao partido político Frente Negra Gaúcha e integrante do Grupo de Arte Dança e Expressão do Negro - GADEN, Ivone garante que ainda existe muito racismo velado, mas facilmente percebido.
Itanajara de Almeida também é negra e integrante da Associação de Afroempreededorismo (Odaba). Casada e mãe de um filho com 29 anos, a cabeleireira lista quatro características que precisa renovar todos os dias: ser resiliente, corajosa, otimista e empática. Para ela ser mulher negra e 50 neste tempo leva a uma reflexão sobre quem é o quem quer ser. Preocupada com a realidade vivida diariamente por seus pares, Itanajara se torna mais engajada e combativa, lembrando que no Brasil muitas mulheres negras não têm a oportunidade de chegar à maturidade porque morrem por conta da violência doméstica, estupro "ou ainda pela comercialização de seus jovens corpos negros", denuncia. "Então, do alto dos meus 54 anos, me levanto todos os dias e agradeço pela mulher que me tornei, em nome de todas que não tiveram a oportunidade".
Na outra ponta, Lisiane Mossmann - jornalista, 52 anos e natural de São Leopoldo - teve uma vida movimentada nos últimos 20 anos, prova que a chamada acomodação não é regra nesta idade. Em 2000 se mudou para Fortaleza (CE) e dois anos depois para Teresina (PI), onde residiu até julho do ano passado, quando decidiu voltar para o Rio Grande do Sul. E não se tratava somente de uma mudança de estado, como também de área dentro da comunicação.
Para isso, precisou estudar novas competências e se atualizar no universo do marketing digital e de conteúdo. Foi quando surgiu uma oportunidade no Rio Grande do Sul, mas que implicava em outra decisão difícil: a separação dos filhos de 15 e 16 anos que seguem residindo em Teresina. "Foi um desafio muito grande mudar de emprego, cidade, reiniciar do zero e longe dos meus filhos aos 52 anos, mas ao mesmo tempo instigante e motivador", avalia.
Nunca é tarde para mudar e buscar novos desafios
Clarice Decker, do Venezianos Pub, lembra que o preconceito continua
MARIANA ALVES/JC
A ONG Mulher em Construção - criada em 2006, por Bia Kern - capacita mulheres no mercado de trabalho da construção civil, visando resgatar valores, direitos e independência econômica. Com um grande número de assistidas na faixa 50 , Bia tem um olhar acolhedor para essas mulheres. "Elas são mais experientes e já passaram por muitas situações difíceis de vida, são chefes de família e a maioria foi diarista ou recicladora. Elas tendem a se tornar ótimas profissionais porque não tiveram oportunidade de estudo", explica.
Uma dessas representantes é Matilde Lopes (59 anos) que ainda ouve frases do tipo 'ela faz serviço de homem'. "Confesso que ter mais de cinquenta anos e trabalhar na construção civil não é fácil, ainda acham que somos as senhoras da limpeza, mas vamos vencendo o preconceito e machismo com muita competência".
Se os desafios e descobertas para as mulheres com 50 anos não são poucos, o que dizer das que decidiram assumir suas escolhas afetivas pouco convencionais? Quem responde é a professora estadual de história, sociologia e filosofia Liane Muller, 62 anos, lésbica e ativista da causa LGBTQIA . Com a experiência de quem, desde 1993, atua junto ao Nuances - Grupo Pela Livre Expressão Sexual, que em 2021 completou 30 anos de fundação - Liane pondera que, se por um lado os avanços foram inegáveis, por outro, a comunidade amarga um retrocesso. "É evidente que, com um governo conservador, o preconceito que era mascarado passou a ser legitimizado", afirma, lembrando que o Brasil é um dos países que mais mata LGBTs no mundo. Por isso, de acordo com ela, muitos direitos conquistados estão, na prática, sob ameaça. "É importante a gente ter consciência que só teremos direitos garantidos com políticas públicas adequadas, principal pauta do Nuances desde a sua criação, um dos movimentos pioneiros na defesa da diversidade sexual no Brasil".
Para Clarice Decker, 50 anos, proprietária do Venezianos Pub Café - tradicional local de diversidade e resistência na icônica Travessa dos Venezianos, em Porto Alegre - as mulheres LGBT 50 são, em geral, muito maduras e, ao mesmo tempo, jovens no comportamento. "São mulheres que aprenderam muito, que pavimentaram um caminho menos sofrido para as gerações atuais, mas que seguem enfrentando preconceitos", avalia. O pub, que reúne um público dos 18 aos 70 anos, conquistou também a preferência dos heterossexuais, fato que só agrega valor à diversidade, rompendo fronteiras e guetos.
*jornalistas formadas pela Pucrs. Com históricos profissionais diferentes, atualmente trabalham em parceria com assessoria de comunicação