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A menina dos olhos do Vale do Sinos
Bairro rural hamburguense respira paz e tranquilidade, mas também progresso e desenvolvimento.
A totalidade das estradas que cortam Lomba Grande, bairro rural de Novo Hamburgo, é de 252 quilômetros. É a mesma distância que separa Porto Alegre e Pelotas, na região Sul gaúcha, por exemplo. O bairro rural hamburguense respira paz e tranquilidade, mas também progresso e desenvolvimento. Com grande vocação para o turismo rural e agricultura familiar, a localidade vê negócios prosperarem com o aumento da qualidade de vida.
Oásis verde em meio às paisagens urbanas
O bairro Lomba Grande é ainda considerado um verdadeiro oásis verde em meio às paisagens urbanas da Região Metropolitana de Porto Alegre. A "menina dos olhos" do Vale do Sinos, onde os maciços pedregosos cobertos de mata cortam o céu aqui e ali, é também uma terra de sonhos e oportunidades, distante apenas 12 quilômetros a sudeste do Centro de Novo Hamburgo.
Não são poucas as pessoas que se aventuram em Lomba Grande, e por ali vivem, empreendem ou ambos. O bairro tem cerca de 15 mil habitantes, segundo a Administração hamburguense. Em termos relativos, é pouco, cerca de 6% da população total de Novo Hamburgo, de acordo com dados do IBGE. No entanto, Lomba tem 156 km² de área, ocupando quase 70% do total da cidade, e mais ou menos o mesmo tamanho do principado de Liechtenstein, na Europa. Lomba ainda faz divisa com diversos municípios: Campo Bom, Sapiranga, Taquara, Gravataí, Sapucaia do Sul e São Leopoldo.
Também conforme o IBGE, em 2011, Lomba Grande era o lugar de 1.363 das 1.443 propriedades rurais de Novo Hamburgo. O bairro tem Centro próprio e várias localidades e povoações. São elas Quilombo, Morro dos Bois, São João do Deserto, Santa Maria do Butiá, Passo dos Corvos, Passo do Peão, Taimbé, São Jacó, Wallahay, Vila Plentz, Vila Integração, Loteamento Santa Catarina, Quebra-Dente, Santa Maria dos Caboclos, Vila Santo Antônio, Jardim da Figueira e Vila Marisa. "São núcleos onde a atividade principal sempre foi a agricultura e a produção de hortifrutigranjeiros, sempre voltados para a área rural", conta o aposentado Aurélio Strack, morador de Lomba e atual membro da patronagem da Sociedade Gaúcha de Lomba Grande.
A sociedade foi fundada em 1933 por 22 descendentes dos imigrantes alemães pioneiros no bairro, e sedia, por exemplo, o Rodeio Interestadual. Até 2019, o evento já foi realizado 35 vezes, e naquele ano, houve mais de 700 competidores em todas as modalidades. O local já recebeu também, em 2010, o 10º Acampamento Intercontinental da Juventude, parte do Fórum Social Mundial daquele ano, com cerca de 3 mil participantes. Em 2005, Strack escreveu um livro sobre a entidade, chamado Sociedade Gaúcha de Lomba Grande, 67 anos de história. Agora, está editando outro, que será lançado pela Editora Oikos após a pandemia. Segundo ele, Lomba Grande conta sua história deve tratar das localidades e de como a Educação prosperou no decorrer das décadas em Lomba.
Mesmo no decorrer dos tempos, o bairro preservou sua essência, ao mesmo tempo em que o município crescia e ganhava importância no cenário econômico regional e estadual. Atividades inerentes ao meio rural, como sítios, balneários, áreas de lazer, camping e haras, muitas vezes acessíveis apenas por estradas de chão batido ou britado, também se mesclam com ruas asfaltadas repletas de residências e avenidas com mercados, bancos, lojas de roupas, restaurantes, cafés coloniais e prestadores de serviços diversos, como clínicas médicas e cartório. Mas é a agricultura familiar o grande motor econômico de Lomba Grande. Gente que dorme cedo e acorda cedo para produzir o alimento que termina na mesa deles próprios e de outras famílias da região.
A prefeita de Novo Hamburgo, Fátima Daudt (PSDB), ressalta a importância do bairro rural para o desenvolvimento do município. "Todos sabemos o quanto é agradável passear pelo bairro e respirar ares de colônia. Como Hamburgo Velho, Lomba Grande tem forte ligação com nossas raízes e nos remete às origens de Novo Hamburgo", salienta ela. Melhorias também estão sendo realizadas em diversas áreas, como na manutenção das estradas do interior. A Administração também promoveu a recente reforma realizada na sede da Diretoria de Desenvolvimento Rural, cujo prédio estava interditado desde 2013.
Também houve uma revitalização recente na entrada do bairro, um trecho de 2,5 quilômetros da Avenida João Aloísio Allgayer, além da inauguração de uma ciclovia, cuja construção vem atraindo praticantes do ciclismo de diversos municípios da região Metropolitana, já que Lomba também integra o Circuito de Cicloturismo da Rota Romântica.
"O que diferencia o bairro na cidade é justamente sua beleza rural. Novo Hamburgo precisa olhar cada vez mais este potencial, reconhecer e valorizar, sem jamais esquecer de promover o bem-estar de seus moradores", comenta a prefeita.
O bairro conta com outras associações representativas, a exemplo da Cooperativa Mista Lomba-Grandense, a Associação Hamburguesa de Apicultura, fundada em junho de 1968, e a Associação de Moradores do Bairro Lomba Grande (Amolomba), cuja fundação é datada de junho de 1980.
Desde maio de 2000, a Amolomba é responsável pela gestão da Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Lápis Mágico, localizada junto à sede da associação, no Centro da Lomba. A escola tem, hoje, 97 alunos matriculados dos dois aos quatro anos de idade.
Agricultura familiar impulsiona a economia do bairro e do município
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Novo Hamburgo tem em torno de 120 associados. Grande parte deles é de Lomba Grande, onde também fica sua sede. Foi fundado em 1963 e representa a classe dos trabalhadores hamburguenses da agricultura familiar. O presidente do sindicato, Leomir Antônio Pereira, destaca o quão importante é o trabalho das famílias para a produção regional.
"Os jovens de Lomba Grande estão permanecendo nas propriedades, pois há os incentivos da Emater e da Prefeitura para que isso ocorra", comenta ele. A reportagem procurou a Ceasa, em Porto Alegre, mas obteve da entidade o retorno de que, atualmente, não há mais produtores de Novo Hamburgo entre os que comercializam com a central de abastecimento.
O agricultor familiar Glademir Antônio Nitsche, 58 anos, cultiva em torno de 25 variedades na propriedade de 3,5 hectares da família, que fica em São Jacó. Ele, além de produzir, ensina a cultivar. "Me sinto feliz em compartilhar com outros produtores as minhas experiências como produtor orgânico", afirma Glademir, que também conta com o apoio da esposa no negócio, Sirlei Welter Nitsche, e dos filhos Lucas, 22 anos, e Luiza, 12. Glademir é filho de agricultores e, em meados da década de 1990, tornou-se administrador de uma propriedade, após vir à região para estudos.
Por volta do ano 2000, ele, então, comprou um pedaço da terra e começou a trabalhar por conta própria. A família comercializava os alimentos que produzia nas feiras de Novo Hamburgo e Canoa. Porém, com o avanço da Covid-19, a participação no evento hamburguense foi suspensa. Mesmo assim, a safra de 2020 foi considerada positiva, com a propriedade colhendo 1.200 quilos de morangos, citando um exemplo. A produção atual mensal gira em torno de 1.200 pés de alface, 650 molhos de couve em folha e 400 molhos de brócolis.
O escritório da Emater, no coração de Lomba Grande, fica ao lado do sindicato e atende aos produtores do município. Entre as diversas atividades, destacam-se o fomento à geração de emprego e renda, incentivo à sucessão familiar e a preservação ambiental. A entidade também organiza eventos no bairro, como o Encontro Regional da Biodiversidade, no qual Glademir já palestrou como exemplo de cultivo de alimentos sem agrotóxicos.
"A maioria dos produtos vem por meio das famílias que produzem seu próprio alimento. Como eles têm esse acesso mais direto ao consumidor, isso possibilita um policultivo e a diversidade da produção", afirma a extensionista rural social da Emater/RS-Ascar em Novo Hamburgo, Leonice Maria Kreutz.
Por isso, completa a especialista, o objetivo é levar a produção sustentável aos produtores por meio de visitas técnicas e demais apoios". Em 2020, a Emater lançou a Feira Virtual da Agricultura Familiar (Fevaf), canal de vendas e conexão virtual entre produtores rurais e a comunidade interessada em adquirir os produtos. Há representantes de Lomba Grande entre os nove inscritos de Novo Hamburgo na Fevaf, entre eles, Aldonir Dal Moro e a Cooperlomba.
Maioria dos associados da Cooperlomba vem da comunidade rural
A Cooperativa da Agricultura Familiar de Lomba Grande (Cooperlomba) conta com 60 agricultores associados, sendo 80% deles do bairro rural. Quando foi criada, em outubro de 2011, pelo atual presidente Aldonir Dal Moro, a cooperativa contava com 22 produtores. Sua fundação teve dois objetivos: criar uma pessoa jurídica para intermediar a comercialização da produção e ainda participar de licitações.
Em 2015, a cooperativa passou a participar de um projeto-piloto da Prefeitura de Novo Hamburgo, atendendo a 15 colégios da rede municipal. Após este período de teste, a parceria foi ampliada para toda a rede de ensino do município, e a Administração hamburguense passou a adquirir a produção inteira de hortifrutigranjeiros da entidade.
Com o baque da Covid-19 e a suspensão das aulas presenciais nas escolas, a cooperativa perdeu 90% do faturamento. Contudo, os produtores passaram a organizar a venda dos produtos por meio de delivery. "Para nossa surpresa, na primeira semana recebemos mais de 5 mil pedidos pelas redes sociais", conta o gerente da Cooperlomba, Guilherme Dal Moro, filho de Aldonir.
Desde setembro do ano passado, a cooperativa distribui kits para os colégios municipais hamburguenses e estaduais da região por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). São 7 mil unidades por mês, contribuindo para escoar parte da produção. "Hoje, 120 escolas recebem os produtos", relata Guilherme. Entre elas, 86 em solo hamburguense.
Uma das participantes do projeto é Cleusa de Paula, 55 anos. Moradora da localidade do Quilombo, a agricultora atua na Cooperlomba há três anos, produzindo morangas. "Vamos começar a produzir também alface, espinafre, tempero verde e repolho, entre outros", conta. Antes da pandemia, Cleusa e o esposo, Paulo Soares, 44 anos, já trabalhavam na seleção dos produtos para as escolas.
As filhas do casal, Patrícia de Paula Luiz, 35 anos, e Kelly de Paula, 18 anos, também ajudam os pais. Atualmente, a família atua especialmente selecionando os itens, porém no novo formato de vendas da cooperativa, direto ao cliente. A atividade na família começou porque Paulo já trabalhava há anos na lavoura. "Estavam precisando de cooperados. Vim e gostei", comenta Cleusa.
Projeto quer tornar Novo Hamburgo livre de agrotóxicos
O primeiro projeto de lei da Câmara Municipal de Novo Hamburgo em 2021 visa tornar a produção agrícola, pecuária e extrativista do município como Zona Livre de Agrotóxicos . A proposta, do vereador Enio Brizola (PT), busca proibir a produção, comercialização e uso de agrotóxicos, e se relaciona diretamente com a atividade rural em Lomba Grande, como a realizada na Cooperlomba, com quem Brizola tem uma boa relação. Caso seja aprovado, o projeto também designa punições que vão de advertência e multa a quem desrespeitar a norma.
"Uma de nossas intenções é justamente o fortalecimento da agricultura familiar, e consequentemente a economia rural em Novo Hamburgo. Temos, hoje, vários produtores engajados neste meio. Outra questão é que o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, e no Rio Grande do Sul, enfrentamos algumas dificuldades relacionadas a estes produtos", afirma Brizola. A proposta será lida na primeira sessão do ano do Legislativo, no dia 1º de fevereiro .
A produção agrícola em Lomba Grande é diversificada. De acordo com a Prefeitura, há lavouras de aipim, milho, feijão, cana, batata-doce e cultivo de hortigranjeiros. Na agroindústria, doces, melado, geleias, schimiers, pães e derivados de leite e carne se destacam. Há ainda criações pecuárias da raça Girolando, plantações de soja, arroz, produção de cachaça, água mineral, entre outros.
As criações de aves e peixes também são significativas, com este último recebendo destaque maior no período da Semana Santa, quando Lomba Grande é uma das sedes da Feira do Peixe Vivo em Novo Hamburgo. Uma das produções que vem obtendo espaço de crescimento na Lomba Grande é a pitaya. Com sede na localidade do Quilombo, a empresa Pitaya do Brasil é uma das pioneiras no país no cultivo da fruta. A produção iniciou em 2015 e já se expandiu, com uma nova unidade no Pará, segundo o agente administrativo Diego Thiesen.
"A opção pela pitaya foi pela rentabilidade do cultivo dentro do espaço de uma pequena ou média propriedade", observa Thiesen. Além de produzir na Lomba, a Pitaya do Brasil também compra de outros produtores e repassa a comércios da região.
Vocação para o agronegócio está presente na Feira do Produtor
Desde maio de 1989, a Feira do Produtor de Novo Hamburgo é uma iniciativa que também busca fomentar a comercialização de itens dos produtores rurais de Lomba Grande. Hoje, reúne 60 famílias de segunda a sábado, distribuídas em 14 pontos diferentes do município. Entre eles, está a avenida João Aloysio Allgayer, que leva do Centro a muitas das localidades. Ali, o evento acontece todos os sábados, das 7 horas ao meio-dia.
Entre os comerciantes, dois jovens irmãos da família Winck, moradora do Centro da Lomba. Aila Maiara Winck, 21 anos, e Stevan Tiago Winck, 24, contam que herdaram a tradição do avô, Sírio José Winck, 80 anos. O patriarca dos Winck só não está participando do evento por conta da Covid-19. "Nosso avô sempre vinha, agora está por casa", comenta Aila, dizendo que participa da Feira do Produtor desde os 12 anos de idade. Todos os produtos comercializados ali vêm da horta da família. Os Winck também abastecem fruteiras e mercados da região. "Trabalhamos sempre com os mesmos produtos, exceto legumes, que são mais difíceis de colher no verão", relata ela.
Apesar da paixão pelo meio rural, durante os dias da semana, Aila atua em uma empresa de TI na área urbana de Novo Hamburgo. "Mas não troco aqui por nada. Quando a gente chega de ônibus na cidade, já sente a diferença no ar". Com todos os cuidados estabelecidos pelos protocolos em função da pandemia, os visitantes observam os produtos e não é raro algum deles encher as sacolas de itens sem agrotóxicos. A diarista Maria Conceição dos Santos Reis, 52 anos, deslocou-se do bairro hamburguense São Jorge para conferir a feira e aproveitou para desfrutar um pouco mais das belezas do bairro. "Comprei alface e rúcula", disse ela, que adquiriu os alimentos dos Winck.
A vocação para o agronegócio resultada em diversas iniciativas, como a da aposentada Cristiane Érica Petry, 58 anos, moradora desde janeiro de 2019 do Quilombo, que criou o projeto Cestas da Horta no ano passado, também como maneira de contornar a pandemia e divulgar virtualmente os alimentos oferecidos. São 12 agricultores associados, todos com produção orgânica. Os agricultores encaminham os itens disponíveis, Cristiane reúne todos e dispara os preços via lista de transmissão do WhatsApp às segundas-feiras. Encomendas podem ser feitas até terça à tarde e as entregas ocorrem na quarta de manhã, em São Leopoldo, e à tarde, em Novo Hamburgo.
"A regra é diversidade e o mais ecológico e orgânico que conseguirmos", salienta ela. A diferença do Cestas da Horta é que não apenas os alimentos são comercializados, mas também itens de decoração e artesanato, como temperos, ecobags, detergentes e produtos de limpeza feitos com óleo de cozinha reciclado. "A atividade envolve muitas pessoas, gerando renda para elas e dando acesso a produtos diferentes. Neste sistema não há perdas de perecíveis, pois só encomendo o que vendi". Segundo Cristiane, são comercializados em torno de R$ 2 mil mensais em produtos.
Empreendimentos únicos marcam bairro rural
Outra vocação de Lomba Grande diz respeito aos seus empreendimentos únicos, facilitados pela localização próxima aos grandes centros, como Novo Hamburgo, Gravataí e Porto Alegre. Um deles é o Haras Textor, criatório de equinos da raça Mangalarga Marchador, cujos animais já conquistaram premiações regionais e nacionais. A mais importante foi em 2019, na Exposição Nacional do Cavalo Mangalarga Marchador, em Belo Horizonte (MG).
O negócio foi fundado em 1987, tem hoje 80 baias e 200 cavalos, além de estar situado em uma área de mais de 250 hectares. "Lomba Grande abriga, dentro de Novo Hamburgo, uma área rural extensa e com riqueza enorme em fauna e flora, porém a região é ainda pouco explorada. Desde o Centro do bairro, até as áreas mais periféricas, os serviços públicos de infraestrutura da Lomba ainda precisam ser aprimorados, para permitir seu merecido desenvolvimento", salienta o proprietário do haras, Marcelo Fleck.
Para ele, a localização de Lomba Grande é privilegiada, próxima de alguns dos polos turísticos do país, como Gramado, além de estar situada em uma região rica em indústrias metalúrgicas e calçadistas. Fleck também salienta que outra grande preocupação é a logística para trazer animais e suprimentos de regiões e estados distintos. E observa que a melhoria de alguns serviços traria uma expansão ainda maior ao bairro.
"As estradas em sua maioria não são pavimentadas, falta estrutura qualificada de energia elétrica e também é necessário ampliar a segurança para a região, devido à sua extensão", comenta ele. Mesmo assim, o proprietário do haras salienta que a malha viária no local é muito boa, embora ainda precise ser aperfeiçoada. "Lomba Grande também seria muito beneficiado através de um estudo em nível estadual ou municipal de uma malha de ciclovias", sugere.
Futuro do bairro passa pela sucessão familiar e pelo acesso a novas tecnologias
O futuro do bairro rural de Novo Hamburgo, na opinião de quem convive com sua realidade, é de que as melhorias contínuas, tanto em acessos, quanto em serviços, podem ampliar ainda mais a qualidade de vida do local. As linhas de ônibus da Viação Feitoria, única empresa que liga o bairro rural a Novo Hamburgo, estão bem consolidadas. E, nos dias atuais, não há sinais dos eventuais "atritos" vistos no passado entre Lomba e o poder público. Lomba Grande é hoje sede de mais de uma empresa que oferece sinal de Internet por meio de fibra óptica, permitindo que os moradores consigam usufruir de serviços e criar novas possibilidades para com o resto do mundo.
Um exemplo é a Cestas da Horta, da aposentada Cristiane, que lança mão do WhatsApp para comercializar seus produtos. O bairro também sempre procurou manter sua identidade colonial, não permitindo que determinadas atividades industriais pudessem se instalar por ali. "Houve muitas lutas do nosso povo em função de não querermos mudar a vocação da nossa comunidade. Não aceitávamos que fossem colocados aqui presídio, lixão, fábricas, como havia sido projetado. Com toda a nossa luta, nada disso se concretizou", conta o escritor Aurélio Strack.
Outro desafio ressaltado é a criação de uma rede logística que possa levar mais rapidamente os produtos do campo para a cidade. "Com estradas pavimentadas, com certeza a região atrairia muito mais investidores em todos os segmentos", ressalta Marcelo, do Haras Textor. Já Luiz, do Sítio São Luiz, comenta que tem havido importantes melhorias no setor turístico. "Em termos de administração pública, a relação com o bairro foi excelente. Hoje, o acesso do turista também melhorou bastante. O que aconteceu, muito tempo atrás, foi que as próprias pessoas de Lomba Grande não valorizavam o bairro da forma como tinha que ser. Há um grande potencial ainda a ser explorado", afirma ele.
Enquanto isso, a prefeita Fátima reconhece os desafios existentes e revela que há planos para tornar Lomba Grande um lugar ainda melhor para seus moradores. Entre eles, levar adiante o projeto de restaurar a Casa da Lomba, cuja primeira parte do prédio foi construída em 1860. A casa é considerada um dos primeiros colégios do Rio Grande do Sul e a Prefeitura adquiriu o espaço em 2011. "Acho importante fomentar o turismo urbano e rural com materiais impressos e digitais para divulgação dos serviços, produtos, atrações e atividades do bairro", diz a chefe do Executivo hamburguense.
Na agricultura, Fátima ressalta que a proposta é promover a produção agropecuária sustentável oferecendo cursos de capacitação à população rural. "Queremos mapear e identificar em detalhes as propriedades rurais, aproximando mais ainda o poder público das necessidades dos produtores". O experiente professor Kieling é mais ousado. Ele argumenta que, se não houver um trabalho intenso de incentivo à sucessão familiar, em pouco tempo não haverá mais produção rural no bairro. E também é fundamental ficar de olho nas oportunidades que a tecnologia tem a oferecer. "Aquela família que ficar na terra e não acompanhar as inovações tecnológicas, estará fora do mercado", comenta o docente.
Kieling também diz acreditar que, em "dez ou no máximo quinze anos", Lomba poderá sim se transformar em um novo município. Os colégios do bairro também estão fazendo sua parte, incentivando o caráter rural desde muito cedo às crianças. A diretora da EMEI Lápis Mágico, Tamires Gomes, é moradora de Lomba Grande e comenta que a instituição tem como uma das características abrigar filhos de pais que trabalham na zona urbana de municípios da região. "Temos como principal metodologia valorizar a agricultura familiar, mesmo no sistema híbrido de ensino que estamos agora", afirma Tamires.
De qualquer forma, os desafios são imensos e grandiosos, como a própria área de Lomba Grande. Por ora, o bairro cada vez mais consolida sua importância devida, com sua rica história se mesclando à atualidade. Da mesma forma, tem tudo para prosperar todo aquele que sabe usufruir de suas riquezas únicas. "Em função do momento em que vivemos, a população está valorizando cada vez mais a área rural. É o grande momento de aproveitar todos os recursos naturais que Lomba Grande pode oferecer", finaliza Marcelo, do Haras Textor.
Sítios são opções de lazer e estão abertos para realização de eventos e projetos de imersão
Dados da Prefeitura indicam que há 17 sítios de lazer registrados em Lomba Grande. O Pé na Terra, por exemplo, fundado em 1989 pelo advogado Wilson Newton Alano, tem suas raízes fincadas na agricultura familiar. O local tem 52 hectares e recebe eventos diversos, como imersões do The Fools, projeto de imersões de idiomas gestado no sítio.
"Agora estamos passando por um momento de transição. Temos toda uma história de produção de alimentos orgânicos, desde a década de 1990, e idealizamos para este ano um espaço de retiros e desenvolvimento pessoal, como as práticas de yoga e meditação", afirma o porto-alegrense Carlos Eduardo Basso, um dos proprietários do Pé na Terra.
A ideia, segundo ele, é unir o útil ao agradável. Há também um residencial dentro da estrutura do sítio, e dois dos moradores dele são instrutores de yoga. Além disso, a maioria de quem vive ali pratica a modalidade. A estrutura está sendo preparada com esmero: parte da decoração do local é inspirada em temas característicos.
"Estamos começando a abrir a agenda para o curso de formação de novos instrutores", relata Basso, que gerencia o local com as amigas Patrícia Bittencourt e Romina Simonetti, que é chilena. O Pé na Terra também oferece trilhas guiadas e acomodações aos visitantes pelo Airbnb.
Até há pouco tempo, o The Fools "ocupava" a estrutura do Pé na Terra, oferecendo imersões exclusivas para prática de idiomas. Quem participa afirma que a experiência é inesquecível. Só que, com a pandemia, o grupo redirecionou o negócio quase totalmente para o ambiente virtual, seguindo na linha já consagrada do grupo. Entre elas, se destacam as atividades diferentes a cada 1h30 e o idioma português para comunicação é proibido. "O legal do presencial é que ele traz não apenas a experiência do idioma, como também te tira do contexto urbano", relata Milena Escarrone, uma das cinco sócias do projeto.
Agora, o Fools está retomando aos poucos as imersões presenciais na Lomba, respeitando todos os cuidados sanitários. O diferencial do projeto é que ele não funciona como uma escola, mas sim um complemento a ela, conforme diz Milena. Por lá, a cultura de cada local é incentivada. No Fools, se fala inglês, francês, alemão, italiano e espanhol, junto com voluntários nativos de cada idioma. Os participantes não precisam necessariamente ter proficiência no idioma escolhido. E a conexão do projeto com o bairro rural vai além da simples localização do sítio.
"O pessoal tomava café da manhã e fazíamos questão de que os produtos viessem de agricultores familiares locais", relata Milena. Ou seja, além de ser possível aos participantes interagir com culturas de outros países, acontece também o contrário: todos têm contato com o comércio e a produção regionais.
O Sítio São Luiz foi fundado em 1992 por Luiz Antônio Daudt e sua esposa, Daniela Junqueira de Oliveira, em uma propriedade de 40 hectares em Morro dos Bois. "Nosso projeto inicial era receber escolas e oferecer a parte chamada hoje de educação ambiental, com foco no contato das crianças com a natureza e com a vida no campo", afirma Daudt.
De acordo com ele, o negócio expandiu, e foram criadas novas acomodações para receber os grupos além dos estudantes. A diversificação veio com foco no turismo de aventura, trilhas e espaços para eventos, além de uma pista de golfe da modalidade Pitch and Putt, que já recebeu até um torneio nacional em 2019.
Por ano, o sítio recebe cerca de 10 a 15 mil pessoas, e o empreendimento, que trabalha somente com reservas, é considerado pioneiro no turismo rural no Vale do Sinos, preservando o bioma Mata Atlântica. "As pessoas estão vindo de fora e investindo em Lomba Grande. O turismo tem sido bastante procurado neste sentido, até em função da pandemia e dessa 'fuga' das pessoas do ambiente urbano. No nosso caso, prezamos muito por qualidade. Hoje, é possível você passar um longo tempo aqui", conta Daudt, ressaltando os dois novos chalés construídos pelo empreendimento, e que contam com infraestrutura completa para receber os visitantes, com fogão, geladeira, Wi-Fi e TV por assinatura.
Atividade imobiliária está em alta no bairro
Com a expansão do bairro, a atividade imobiliária logo precisou dar conta das novas atividades e dos novos moradores. Os empreendimentos assim surgidos primeiramente foram negócios de nicho, mas hoje estão consolidados. "As principais modalidades que os clientes buscam são os sítios de lazer, opções para fugir da correria das grandes cidades e ter um contato mais direto com a natureza, embora tenha crescido a procura por terrenos e casas de moradia", salienta Leonilda Tavares Allgayer, sócia-proprietária da Kolling Imóveis, a primeira imobiliária de Lomba Grande, fundada em 1987 por Nelson Kolling.
Hoje, há mais negócios do tipo em Lomba, tanto intermediando a venda e locação de imóveis rurais, mas também na área urbana. Tudo derivado desta expansão econômica e do aumento na qualidade de vida. "O bairro vem crescendo significativamente, e em maior intensidade nos últimos anos. As ofertas de serviços e empreendimentos locais vêm se expandindo também, proporcionando à comunidade maior comodidade e variedade de opções. Quem procura Lomba Grande busca tranquilidade, bem como oportunidades de negócios e novos empreendimentos", comenta a empresária. No caso dos sítios, por exemplo, a reportagem encontrou uma opção de R$ 99,9 mil, e outra de R$ 3,5 milhões, ambos na Lomba.
Roberto Kieling tem uma longa trajetória de conhecimento sobre a Lomba Grande. Atual professor do curso de Turismo da Universidade Feevale, ele também foi secretário Municipal de Agricultura, entre os anos de 1989 e 1992, na gestão do ex-prefeito Paulo Ritzel, e entre 2005 e 2008 , durante o mandato de Jair Foscarini à frente da Prefeitura. Além disso, foi um dos grandes idealizadores da Feira do Produtor em Novo Hamburgo e da Feira do Colono, ainda hoje um dos maiores eventos de Lomba. Na opinião dele, uma das características atuais do bairro é conseguir se transformar em um centro de produção de alimentos, especialmente orgânicos.
"Hoje, talvez uns 40 dos 80 dos participantes da Feira do Produtor têm certificação orgânica, a qual não é obrigatória", salienta ele. Outra delas é a criação de cavalos, que teve um crescimento exponencial e cuja gestão está profissionalizada, assim como no Haras Textor. Também segundo ele, o bairro se desenvolveu como "dormitório". "No começo da década de 90, existia apenas um do que é chamado condomínio urbano no meio rural. Quando voltei à secretaria, existiam 60, e hoje deve haver mais de 150. Então esta necessidade da infraestrutura precisa acompanhar este desenvolvimento", comenta o professor.
História de colonização e lutas para manter identidade
O histórico de Lomba Grande pode ser contado a partir da presença indígena, possivelmente da etnia caingangue, como demonstram vestígios arqueológicos. A presença de famílias de origem luso-brasileira na área remonta ao final do século XVIII, especialmente em Santa Maria do Butiá, atual divisa com Campo Bom. "Estas famílias se dedicaram, principalmente, à agricultura", conta o historiador do Instituto Histórico de São Leopoldo e doutorando em História pela Unisinos, Rodrigo Luis dos Santos. Ou seja, a vocação para o meio rural é antiga.
Também existiu, em Lomba Grande, segundo ele, a presença de negros escravizados, motivo pelo qual há a localidade do Quilombo. Entre 1788 e 1824, Lomba foi vizinha da Real Feitoria do Linho Cânhamo, fazenda pertencente ao Império Português - e, mais tarde, Império do Brasil -, onde era cultivado o linho cânhamo utilizado na fabricação de cordas. Mais tarde, houve fluxos migratórios de outras regiões da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, como Santo Antônio da Patrulha e Aldeia dos Anjos, atual município de Gravataí. As primeiras famílias alemãs chegaram ao atual território de São Leopoldo em 1824, e depois, novas levas de imigrantes foram se instalando em outras regiões, como foi o caso da Lomba.
As pesquisas do historiador Santos mostram como pioneiros de Lomba Grande as famílias Plentz, Beck, Schmitt, Born, Cassel, Jungbluth, Lindenmeyer, Winck, Schilling, Allgayer, Müller, Schaefer, Thiesen e Moehlecke. No ano de 1848, foi fundada a Comunidade Evangélica de Lomba Grande, pertencente à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). "Em seu templo, há um dos primeiros órgãos de tubo instalados no Brasil, ainda em funcionamento", diz Santos. O templo atual foi fundado em 1911. Ao lado desta igreja, há um cemitério com alguns sepultamentos datados ainda de 1839. Já a Igreja Católica tem como sede na Lomba a Paróquia São José, fundada em 1940 na área central.
Lomba Grande foi criada em 22 de dezembro de 1904, como 6º distrito de São Leopoldo. Também em 1940, um acordo político anexou Lomba Grande a Novo Hamburgo, cujo prefeito era Odon Cavalcanti Carneiro Monteiro, já que a lei federal exigia que um município emancipado tivesse duas entradas e duas saídas. Na época, os hamburguenses tinham apenas o trecho de estrada que se tornaria mais tarde a Rodovia Getúlio Vargas, ou BR-2, atualmente a BR-116. A anexação de Lomba, então, permitiria que Novo Hamburgo tivesse divisa com Gravataí e Taquara.
"Embora algumas lideranças políticas de Novo Hamburgo tivessem comemorado a anexação de Lomba Grande, não era essa a localidade que interessava inicialmente ser incorporada. O interesse estava no distrito de Campo Bom", conta Santos. Teria sido Theodomiro Porto da Fonseca, então prefeito de São Leopoldo, quem sugeriu, em 1939, no Rio de Janeiro, a anexação de Lomba Grande a Novo Hamburgo. Havia, neste sentido, a ideia de que sua consequente desanexação de São Leopoldo não seria tão fortemente sentida do ponto de vista econômico, ao contrário de Campo Bom.
Na década de 1950, houve a demarcação e medição do distrito de Lomba Grande, com instalação de posto de saúde, linhas de ônibus e energia elétrica. Em 1967, Lomba virou uma localidade. Cinco anos depois, foi inaugurada a Estrada da Integração Leopoldo Petry, via de nove quilômetros e até hoje a principal ligação com a cidade de Novo Hamburgo. Nos anos 1990, "houve uma onda emancipacionista em localidades pequenas", segundo afirma Aurélio Strack. Assim, Lomba tentou "separar-se". Em novembro de 1991, foi realizado um plebiscito, no qual estavam inscritos 2.921 eleitores, e dos quais 2.509 votaram. O resultado da apuração foi o seguinte: 1.080 votos para o 'sim' à emancipação, 1.399 votos 'não', 13 votos em branco e 17 votos nulos.
"Novo Hamburgo, na época, usou a máquina pública para cooptar os colonos, minando a confiança deles dizendo que Lomba Grande não teria como se manter se fosse um município. Isso, no meu ponto de ver, foi decisivo para que o 'não' vencesse", afirma Strack. No ano de 1995, tentou-se nova consulta popular do tipo, porém a mesma foi vetada pela Assembleia Legislativa após pedido do próprio governador do Estado na época, Antônio Britto, por uma série de motivos, gerais e específicos. Entre eles, justificou-se que a desanexação poderia "desfigurar" o território de Novo Hamburgo e "abalar" a economia do município. Por fim, em 1996, Lomba Grande se transformou em bairro hamburguense.
João Aloysio Allgayer, que dá nome à principal via de Lomba Grande, foi um exímio comerciante e industrial no bairro, segundo escreveu o autor do livro Ruas e Praças de Novo Hamburgo: Quem é Quem, Paulo Henrique Kern. Conforme a obra, Allgayer foi, por 28 anos, gerente na Caixa Rural União Popular de Lomba Grande, e teve participação ativa nas diretorias da Sociedade Atiradores, Esporte Clube Lomba-Grandense e Centro de Tradições Gaúchas, todas lomba-grandenses. O historiador Rodrigo também destaca como importantes personalidades do bairro Affonso Strack (1897-1979), Albano Guilherme Konrath (1898-1972), Francisco Waldemar Bohrer (1882-1966) e, mais recentemente, Valéria Beck (1951-2004). Todos eles são atuais nomes de logradouros no bairro rural.
*Felipe Faleiro
é jornalista formado pela Universidade Feevale, de Novo Hamburgo. Nascido e criado no Vale do Sinos, trabalha desde 2016 como repórter em veículos da região.