O La Niña é a maior ameaça no horizonte dos milhões de hectares que estão sendo semeados. Os gaúchos que perderam parte do que plantaram em 2019, e não foram poucos, ampliaram significativamente a busca por este serviço. Com o aumento substancial do valor destinado pelo governo federal para a subvenção, de R$ 440 milhões no ano passado para próximo de R$ 900 milhões neste ano, a contratação do seguro acelerou junto com plantadeiras e colheitadeiras.
Coordenador da Comissão de Crédito Rural e Seguro Agrícola da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Elmar Konrad destaca que a proteção financeira foi fundamental não apenas para o produtor. Também foi decisiva para a economia de muitos municípios e do Estado como um todo. De 19,5 milhões de toneladas de soja previstas para o ciclo 2019/2020, o Rio Grande do Sul terminou ensacando e embarcando em contêineres não mais do que 11 milhões de toneladas - o restante foi dizimado pela estiagem, resultando em menos recursos no bolso do produtor e nos cofres públicos.
O baque só não foi maior pelos bons preços pagos na soja, no milho e no arroz - mas boa parte também já havia sido comercializada anteriormente, em cotações menores. Sem receber ao menos uma parcela do que perderam para a estiagem, por meio do seguro agrícola, muitos produtores deixariam de pagar suas contas. E outros nem mesmo teriam condições de voltar a semear uma nova safra, já que o prejuízo foi grande.
A relevância do seguro agrícola para manter o produtor na atividade e a economia regional como um todo encontra eco na história recente de agricultores como Antonio Rizzardi, 43 anos. Ele semeou 2,5 mil hectares entre São Nicolau, São Borja e Cruz Alta. A expectativa de produzir uma média de até 55 sacos de soja por hectare foi desidratada pela falta de chuva. Em algumas áreas, reduzindo a produtividade para até duas sacas, em outras, alcançou no máximo 20 sacas.
Produtor deve conhecer o que está contratando
O seguro rural não é algo tão complexo quanto parece, mas também tem detalhas que podem confundir o produtor e informações às quais ele deve prestar atenção. Uma delas é que o seguro não vai cobrir todas as perdas e normalmente pare do risco segue sendo do agricultor.
De acordo com a Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), na apólice deve constar a franquia ou Participação Obrigatória do Segurado (POS), que é o percentual de risco assumido pelo próprio segurado, o qual normalmente varia de 10% a 30%.
O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) oferece a oportunidade de segurara produção com custo reduzido, por meio de auxílio financeiro da União e de alguns estados, como Paraná e São Paulo.
No modelo federal, o produtor contrata o seguro e só sabe depois se contará com ele ou não, o que gera críticas e incertezas. Neste ano, com o aumento do subsídio federal, os riscos de não conseguir foram reduzidos.
Em contratações de recursos oficiais oriundos de financiamentos públicos do Plano Safra, por exemplo, o seguro é obrigatório. Neste caso é fundamental que o plantio ocorra em total concordância com as portarias vigentes do Zoneamento Agrícola de Risco Climático, quanto à cultura utilizada, ao tipo de solo e à data de plantio.
Saiba mais sobre as coberturas
O seguro agrícola tem como objetivo garantir indenização aos prejuízos causados por eventos climáticos, perdas de receita e incêndios ocorridos na lavoura, decorrentes dos riscos cobertos pela apólice. O valor da cobertura depende do objeto do seguro, que definirá o Limite Máximo de Indenização (LMI) das coberturas contratadas.
Seguro de Custeio
Neste caso, o LMI é calculado com base no custo de produção da lavoura. A indenização ocorre quando a produtividade obtida é inferior à garantida na apólice, comprometendo a capacidade financeira da produção.
Seguro de Produção
O LMI é calculado com base na produtividade esperada da área segurada multiplicada por um valor definido no momento da contratação, que será o mesmo valor utilizado em caso de indenização;
Seguro de Faturamento ou Receita
Nesta opção o LMI é calculado com base no faturamento a ser obtido com a produção, considerando a produtividade esperada e o preço futuro. A indenização ocorre quando a produtividade e/ou o preço de mercado real resultam em faturamento inferior àquele garantido na apólice.
Diferenças a serem consideradas
Os seguros agrícola podem ser contratados, ainda, sob diferentes formas de cobertura. Veja quais são elas:
Seguro multirrisco
Cobre diversos riscos climáticos numa única cobertura. Na cobertura básica normalmente estão inclusos os principais riscos climáticos, tais como chuva excessiva, seca, geada, granizo, raio e incêndio, entre outros. Quando se tratar de seguro de faturamento/ receita, a variação de preço da cultura também será um dos riscos cobertos.
Nesta modalidade é importante observar as seguintes variáveis abaixo:
Produtividade esperada
Tem como referência o potencial de produção da lavoura, baseando-se na média histórica de produtividade da área a ser segurada. O mercado segurador geralmente define esses números com base em dados do IBGE, de cooperativas, instituições financeiras e até do próprio produtor rural.
Nível de cobertura
Refere-se a um percentual de proteção garantido pela apólice, baseando-se na produtividade ou no faturamento, e varia de 50% a 85%, conforme a seguradora e o produto. Quanto maior o nível de cobertura, maior a proteção oferecida pela apólice.
Coberturas adicionais
Alguns produtos oferecem a possibilidade de contratação de coberturas adicionais, como Cobertura de Replantio e de Perda de Qualidade.
Seguro de riscos nomeados
Oferece coberturas distintas para riscos climáticos específicos, de modo que o segurado possa contratar proteção apenas para os riscos de seu interesse. Por exemplo, em áreas de baixa temperatura, o produtor rural pode optar por contratar apenas a cobertura de geada. Em culturas de frutas e hortaliças, o principal objetivo é cobrir as perdas qualitativas, além da produtividade. Em culturas de grãos e cana de açúcar, a indenização costuma se basear na proporção da área atingida em relação à área total segurada.
Fonte: Fenseg
Grande em tamanho, pequeno em proporção
Em 2020, cerca de 10 milhões de hectares, em todo o Brasil, foram segurados por meio do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), de acordo com a Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg). Superando, assim, todo o ano de 2014, quando foi registrada área segurada de 9,9 milhões de hectares. Era, até então, a maior marca.
O problema é que as áreas cobertas, no total, equivalem a apenas menos de 10% da área cultivada no Brasil. De acordo com dados da Conab, somando plantio de inverno e verão, são cerca de 120 milhões de hectares destinados à produção de grãos no País.
Vale destacar que o setor de seguro como um todo teve leve retração até julho, enquanto os produtos rurais em geral germinaram com vigor. Ou seja, assim como em boa parte da economia brasileira, o que mais se desenvolveu em 2020 foi o agronegócio. A procura por seguro no campo foi generalizada na hora de se resguardar de perdas agrícolas.
Números em destaque
- Foram utilizados até agosto, segundo a FenSeg, em torno de R$ 680 milhões em subvenção ao prêmio. O que auxiliou financeiramente os produtores a contratar cerca de 149 mil apólices, com um valor total segurado de R$ 33 bilhões.
- No Brasil, a arrecadação do seguro rural chegou a R$ 4,38 bilhões no acumulado de janeiro a agosto, um crescimento de 27,7% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo dados da Susep.
- Além dos grãos, pecuaristas e agricultores movimentaram outros mercados. Também tiveram alta o seguro de vida para produtores (32%), animais (15%) e penhor rural (9%). Em todo País, há um ano, 52% dos seguros agrícolas tinham sido contratados com subsídio. Hoje, chega a 89%, de acordo com a FenSeg.
Investir para mitigar perdas aprofunda raízes no agronegócio
A instabilidade climática que assolou o Sul do País no verão passado e a histórica área atingida por queimadas no Centro-Oeste acabaram levando o seguro rural a um novo patamar no Brasil. E também reforçou o mercado, as ações de diferentes instituições e o próprio desenvolvimento de produtos.
Dois dos principais bancos públicos com atuação no Rio Grande do Sul e no agronegócio gaúcho, o Banco do Brasil e o Banrisul, colheram bons frutos neste ano simbólico para o setor. Também estão semeando novas estratégias para 2021, que deve ser igualmente promissor para a atividade.
De acordo com Paulo Hora, superintendente executivo da Brasilseg, empresa BB Seguros, apenas entre janeiro e setembro de 2020 a instituição financeira soma 7 milhões de hectares segurados e projeta alcançar 8 milhões até o dezembro. Isso de um total de cerca de 14 milhões de hectares previstos para contar com algum tipo de proteção no Brasil. Neste cálculo, o Rio Grande do Sul corresponde a 20% das contratações do banco, com 1 milhão de hectares.
Mas, ao ser mais acionado para arcar com as indenizações por perdas causadas pela estiagem que massacrou lavouras no Estado, de certa forma, o setor de seguros também se retrai. Com o custo elevado por um volume maior de sinistros e a nova ameaça de déficit hídrico prevista para este ano, algumas seguradoras limitaram a cobertura. A decisão também leva em consideração questões de equilíbrio de contas e potencial financeiro para arcar com pagamentos futuros.
"Muitas seguradoras não estão mais fazendo contratos há algum tempo. Não é o nosso caso. Ainda estamos e seguiremos atendendo o produtor", diz Hora, ao alertar que, quem deixar para fazer seguro muito tarde, poderá não conseguir cobertura para sua lavoura.
O executivo acrescenta que, na Brasilseg, um dos investimentos mais constantes e crescentes tem sido justamente em tecnologias que ajudem a aumentar a previsibilidade climática. O que é positivo para a operação e para o produtor, inclusive ampliando serviços voltados a pequenos agricultores. O próprio Ministério da Agricultura, destaca Hora, tem reforçado ações de esclarecimentos sobre seguro rural, monitoramento de riscos e capacitação de peritos.
Sem falar dos recursos, claro, para este e o próximo ano: além dos R$ 880 milhões de subvenção previstos até dezembro, há programados mais R$ 1,06 bilhão para 2021 - montante que o setor espera que aumente para R$ 1,3 bilhão. "Essa previsibilidade dá segurança ao mercado, na conversa das seguradoras com os produtores e aumenta a demanda", afirma Hora.
Robson Santos, superintendente da área agronegócios do Banrisul, chama a atenção para o fato de que o novo risco climático que agora se avizinha sobre as lavouras gaúchas eleva a necessidade de seguro. Agomar Aliatti, que responde pela área de Seguros, Previdência e Capitalização do banco gaúcho, também adverte para o fato de que o cenário anterior - de perdas e ameaça de mais uma estiagem - restringe a oferta de coberturas. "Por isso, é importante termos cada vez mais empresas atuando no setor", afirma. Hoje, o Banrisul opera com três seguradoras no segmento. "Queremos ter ao menos mais uma em 2021, ou até duas. Assim, o produtor tem mais opções caso uma ou outra porta se feche", completa Aliatti.
De acordo com Santos, em termos de área cobertura, a soja, claro, é a campeã. Depois vem o arroz e, em terceira posição, o milho. Mas enquanto soja e milho têm acima de 95% das operações realizadas pelo banco, no custeio do arroz o seguro entra em apenas 85% das operações, principalmente por serem grandes áreas de plantio.
"Em 2020, cresceu muito a procura por garantia não apenas nas culturas de verão, mas também de inverno, com uma alta nacional de 88%. No trigo, em termos de operação de custeio do banco, 99% tiveram seguro neste ano", detalha Robson.
No Banrisul, o seguro agrícola é uma atividade recente e promissora, assegura o responsável pelo segmento de agronegócio. O banco passou a atuar com o serviço há apenas três anos, mas é uma das maiores apostas de produtos para este e os próximos ciclos. "O setor é o que mais cresceu na carteira do Banrisul. De uma média de 15% no segmento de seguro, o rural prevê 85% de incremento em relação a 2019", conta Aliatti.
A área de Seguros, Previdência e Capitalização do Banrisul também registra, neste ano, aumento da procura pela contratação de seguro sobre patrimônio rural, e a tendência é que a expansão continue nos próximos anos. "Isso inclui máquinas agrícolas e outros equipamentos usados na produção e transporte de grãos, que exigem altos recursos investidos pelo produtor e que ainda são pouco segurados", avalia Aliatti.
Cátia Rivelles, representante da Mapfre na Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional doa Seguros Gerais (FenSeg), acrescenta, como tendência, a adoção de métricas mais personalizadas no momento de calcular riscos, produtividade e outras referências.
A executiva destaca ainda o avanço de normatizações e adoção do serviço por culturas ainda pouco usuais. "O cultivo de banana, por exemplo, sofreu muito em função dos ciclones-bomba que atingiram o Sul do Brasil e, neste ano, foi incluído no programa de Seguro Rural (PSR) do Ministério da Agricultura", relata Cátia.
* Thiago Copetti
Jornalista, Thiago Copetti é especializado em Gestão de Empresas e setorista de agronegócio do Jornal do Comércio. Também é bacharel em Relações Internacionais, com foco em temas sino-brasileiros