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Reportagem especial

- Publicada em 22 de Novembro de 2020 às 20:51

No rastro da soja, trigo trilha o caminho do cerrado

Bonato, de Goiás, bateu o recorde brasileiro de produtividade do grão

Bonato, de Goiás, bateu o recorde brasileiro de produtividade do grão


/Embrapa Cerrados/divulgação/jc
Neste mês de novembro, chega ao fim a safra de trigo no Rio Grande do Sul, o último estado a colher o cereal mais usado no Brasil para fabricar massas, pães, pizzas e biscoitos, e cuja cadeia de negócios movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano. Mais uma vez, alguns reveses climáticos - geadas em agosto, estiagem em outubro - fizeram com que a safra gaúcha, inicialmente tida como muito boa, fique mais próxima de 2 milhões de toneladas do que dos 3 milhões estimados.
Neste mês de novembro, chega ao fim a safra de trigo no Rio Grande do Sul, o último estado a colher o cereal mais usado no Brasil para fabricar massas, pães, pizzas e biscoitos, e cuja cadeia de negócios movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano. Mais uma vez, alguns reveses climáticos - geadas em agosto, estiagem em outubro - fizeram com que a safra gaúcha, inicialmente tida como muito boa, fique mais próxima de 2 milhões de toneladas do que dos 3 milhões estimados.
Mesmo que a produção nacional de trigo ainda não atenda às necessidades internas (cerca de 12 milhões de toneladas anuais) e seja necessário importar entre 5 a 6 milhões de toneladas, a triticultura está cercada de certo otimismo porque começam a despontar, em estados do Brasil Central, alguns desempenhos espetaculares.
Entretanto, com os 3,3 milhões de toneladas colhidos no Paraná e mais quase 1 milhão em estados com produção emergente - Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Tocantins Piauí e Ceará -, a triticultura brasileira deu, em 2020, mais um passo rumo à autossuficiência no abastecimento, meta nunca alcançada durante décadas de peleia contra pragas associadas ao mau tempo. Como reconhece Hamilton Jardim, coordenador da Câmara Setorial de Trigo da Farsul, "estamos assistindo ao surgimento do trigo tropical", produzido nos Cerrados.
Técnicos da Embrapa e da Cooperativa dos Produtores Agropecuários do Distrito Federal (Coopa-DF) fizeram questão de registrar o feito de Paulo Bonato, agricultor em Cristalina (GO), que colheu, neste ano, 8.544 quilos de trigo por hectare, recorde brasileiro de produtividade. O volume fica bem acima da média nacional, que não chega a 3.000 kg/ha. Considerado "produtor padrão", é apontado como exemplo a agricultores de todo o Cerrado, região na qual se estima que haja 2,5 milhões de hectares (acima de 800 metros de altitude) aptos ao cultivo de trigo ou, seja, cerca de 1% do bioma.
Na teoria, problema resolvido. Na prática, é apenas o início de uma revolução agrotécnica, já que o recorde foi batido num talhão de apenas 50 hectares sob um pivô de irrigação levado no capricho, como para provar que o trigo (se bem conduzido) tem futuro no Centro-Oeste. Sim, o cereal é viável tecnicamente, mas a que custo econômico? Essa pergunta ainda suscita mais dúvidas e senões do que certezas.
Com 198 associados, a Cooperativa dos Produtores Agropecuários (Coopa) do Distrito Federal (DF), fundada em 1978, vem fazendo da triticultura uma das alternativas de uso dos 200 mil hectares disponíveis em seu perímetro de cultivo de alimentos como alho, ervilha, feijão, girassol, grão de bico, melancia, milho, olerícolas, outras lavouras irrigadas e muito rentáveis. "Se o mercado oferecer bons preços aos produtores, acredito que em 10 anos a produção de trigo no Cerrado possa chegar a uns 6 milhões de toneladas por ano", estima o agrônomo Claudio Malinski, 64 anos, que atua no DF há 40 anos.
Mas, sem perspectiva de lucro, nada feito. Neste ano, os produtores se sentiram estimulados pelo preço do trigo importado - a tonelada tem sido negociada acima de R$ 1.200,00, enquanto, em 2019, o valor ficou em torno de R$ 850,00. Foi a primeira vez, em muitos anos, em que a cotação do trigo nacional ficou bem acima do preço mínimo garantido pelo governo.
O caminho é longo: até agora, o trigo ocupa menos de 5% da área disponível na Coopa/DF para culturas com procura firme do mercado consumidor. Outro ponto negativo para o trigo, segundo Malinski, é que se trata de uma cultura com custo de produção mais alto do que no Sul, já que os produtores estão mais longe dos fornecedores de equipamentos e insumos. Problemas que só serão resolvidos a longo prazo.
Segundo a Embrapa, além da disponibilidade de terras, já não faltam sementes adequadas de trigos de ciclo curto (105/115 dias). Um dos pontos positivos é que o cereal-rei produz melhor quando plantado em terras onde se colheu soja, o grão mais cultivado no Brasil. Com isso, repete-se no Cerrado a dobradinha que, há meio século, promoveu a arrancada da soja no Norte do Rio Grande do Sul. Em 1967, o Banco do Brasil custeou a Operação Tatu, que financiou a aplicação de calcáreo (para corrigir a acidez do solo) em uma dezena de municípios gaúchos com tradição na triticultura. Deu certo por algum tempo - mais para a soja do que para o trigo.
A fórmula foi aplicada com sucesso nos anos seguintes, estimulando a migração da leguminosa chinesa para os estados do Centro-Oeste, onde somente agora a dobradinha trigo-soja tem condições de renascer com técnicas muito mais sofisticadas do que no Rio Grande de 50 anos atrás.
O recordista Bonato pratica a agricultura de precisão e faz ajustes finos a cada safra, sem economizar insumos, em sintonia com as recomendações dos técnicos. Na condução da lavoura, além de manter um rigoroso controle fitossanitário com várias aplicações de produtos químicos, ele realiza adubação foliar, utiliza inoculantes, faz aplicações de sílica para maior proteção das plântulas (que ficam com paredes celulares mais enrijecidas), além de buscar melhorias na adubação com cálcio e boro.
O problema é que tudo isso eleva os custos de produção. Por isso, a área de trigo irrigado no perímetro de atuação da CoopaDF não passou ainda de 3,5 mil hectares, já que os irrigantes dispõem de alternativas mais rentáveis. Quanto ao trigo de sequeiro, com cultivo em março e colheita em julho, já ocupa 5 mil hectares a custo bem mais baixo.

Uma história de altos e baixos

Rio Grande do Sul atende ao mercado regional, mas efeitos do clima prejudicam expansão

Rio Grande do Sul atende ao mercado regional, mas efeitos do clima prejudicam expansão


/WENDERSON ARAUJO/CNA/DIVULGAÇÃO/JC
Primeira lavoura comercial do Rio Grande do Sul implantada por colonos europeus chegados nos séculos XVIII e XIX, a triticultura gaúcha gera o suficiente para abastecer os moinhos do Estado, mas não garante estabilidade em volume e qualidade capazes de satisfazer os produtores, que vivem acuados pelos riscos climáticos e as oscilações do mercado.
"Até agosto, parecia que teríamos uma safra ótima em 2020", avisa Hamilton Jardim, coordenador da Câmara Setorial de Trigo da Farsul. Houve então duas geadas (em 20 e 21 de agosto) que atrasaram as lavouras, mas ainda assim elas se recuperaram. Aí sobreveio uma estiagem do final de setembro até o fim de outubro; faltou umidade para enchimento dos grãos.
"Perdemos aí umas 600 mil toneladas", lamenta o produtor, estabelecido em Palmeira das Missões, onde é comum chover no início da primavera, quando se aproveitam os agricultores para fazer o plantio das lavouras de verão. Menos mal para os triticultores que, mesmo colhendo mal, poderão vender a produção acima do preço mínimo oficial.
Os altos e baixos fazem parte da história do trigo no Rio Grande do Sul. Tanto que, há um século, o Ministério da Agricultura criou estações experimentais em Veranópolis, Julio de Castilhos e Bagé com o objetivo de desenvolver sementes resistentes a ferrugem, doença provocada por um fungo que prolifera na umidade do inverno. Em 1943, as pesquisas se concentraram no Instituto de Pesquisas Agronômicas do Sul (IPEAS), em Pelotas, estendendo-se - após a fundação da Embrapa (1973) - a Passo Fundo e Planaltina, DF.
Os agricultores seguiram plantando trigo, mas também apostaram no milho, que virou o esteio das roças coloniais e das agroindústrias ancoradas na pecuária leiteira. Ao mesmo tempo, prosperou a cultura do arroz irrigado em várzeas úmidas drenadas, de onde foi erradicada a vegetação arbórea.
As pesquisas no Rio Grande do Sul tiveram sucesso inicialmente graças ao agrônomo sueco Iwar Beckmann (1896-1971), a quem se deve a variedade Frontana, mãe e avó de outras variedades resistentes à ferrugem. A partir dos anos 1940, engajou-se nesse trabalho o agrônomo Ady Raul da Silva (Rio, 1917), que se tornaria a maior autoridade técnica do Ministério da Agricultura no campo da triticultura.
Na sua tese de doutorado concluída na Universidade de Minesotta em 1944 - muito antes do boom da soja no Cerrado -, Silva apontou o Brasil Central como o local onde a triticultura brasileira produziria o suficiente para livrar o País da necessidade de importar o cereal. Foi um chute no escuro, mas ele deu a fórmula do sucesso: seria preciso desenvolver variedades resistentes adaptadas ao clima do Cerrado, trabalho iniciado por ele em Pelotas e levado a outros estados.
É consenso entre os técnicos que a genética do trigo brasileiro melhorou a partir do cruzamento de variedades do Sul do Brasil com material trazido do Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (Cimmyt), do México, país beneficiário das pesquisas que em 1970 deram o Prêmio Nobel da Paz ao agrônomo americano Norman Borlaug.
Desde as primeiras sementes registradas em 1922, a ciência agronômica brasileira já lançou mais de 500 diferentes variedades de trigo adaptado às várias regiões produtivas do País.

Importar trigo é um 'vício'

A importação de trigo é uma espécie de vício crônico desde fins da Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil fechou um acordo para comprar o cereal barato dos EUA, que possuía então estoques gigantescos. Por 40 anos, o governo federal recebeu trigo americano barato. Mesmo assim, houve um tempo em que essa despesa anual, acrescida de compras da Argentina, equivalia a 10% das importações brasileiras.
A conta-trigo, semelhante à conta-petróleo, gerou um subsídio ao consumo e resultou, em 1961, no escândalo do trigo-papel, pelo qual triticultores e moageiros montaram um esquema fraudulento de importações lastreadas em produção interna fictícia. Para sanar o problema, o governo criou a Comissão do Trigo Nacional (CTRIN), que funcionou por 30 anos na agência central do Banco do Brasil em Porto Alegre.
Com um orçamento gigantesco, a CTRIN só não conseguiu conquistar a autossuficiência na produção de trigo, tema que ainda faz parte da agenda do Ministério da Agricultura. Na conturbada reunião ministerial do governo Bolsonaro em 22 de abril de 2020, a ministra Tereza Cristina defendeu o incentivo ao trigo, "o único produto em que o Brasil não é autossuficiente", mas seu recado se perdeu na balbúrdia subsequente.

Pandemia, transgenia & cia

A Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo) realiza, na manhã desta quarta-feira, dia 25, a 27ª edição (virtual) do congresso internacional do setor. Um dos temas emergentes, além das mudanças em função da pandemia, é a pressão da agricultura argentina pela liberação da venda de trigo GM (geneticamente modificado).
Em nota oficial assinada pelo presidente executivo Rubens Barbosa, a Abitrigo descartou a hipótese de aceitar esse trigo no Brasil, onde 85% dos moinhos consultados declararam ser contra a novidade. Em 2004, uma variedade transgênica foi aprovada nos EUA, mas sua produção e comercialização foram interrompidas em vista da negação dos consumidores.
Segundo a Abitrigo, a maioria dos brasileiros que consome o cereal não quer "soluções transgênicas". No entanto, a Argentina foi a fonte de soja transgênica introduzida clandestinamente no Brasil no final do século XX e legalizada em 2003. Outro assunto a ser colocado no forno é como a pandemia mexeu com o mercado brasileiro de derivados de farinha de trigo, cujo consumo anual per capita é estimado em 40,6 quilos.
Em expansão nos últimos anos, a indústria de pães congelados sofreu queda de 15% a 20%, admite uma fonte do setor. Em compensação, a redução na frequência a padarias favoreceu a venda de pães fatiados e com prazo de validade maior. Também aumentou o uso de farinhas para a fabricação de pão caseiro - fenômeno que os padeiros profissionais denominam "pãodemia".
Padeiros emergiram pelo País, fabricando em casa e vendendo (via internet) pães e outros derivados de farinha. "Eu já fazia pães artesanais para amigos, mas, neste ano, com a perda das fontes de trabalho na área cultural, passei a viver do que consigo fazer no meu forninho", diz a jornalista Nonô Joris, que processa pelo menos 25 quilos de farinha por mês em Porto Alegre.
 

A força do cooperativismo

Mecanização da lavoura tritícola também beneficiou culturas do arroz, milho e soja

Mecanização da lavoura tritícola também beneficiou culturas do arroz, milho e soja


/Christoph Schütz/pixabay/divulgação/jc
Fora a pioneira Cotribá, fundada em 1911 em Ibirubá, o cooperativismo tritícola deslanchou na segunda metade dos anos 1950 graças a um esforço público-privado para impulsionar a cultura no Rio Grande do Sul. Na época, foram fundadas dezenas de cooperativas identificadas pelo T do cereal-rei. Data de 1958 a Fecotrigo, que marcou época. A entidade orientou cooperativas para mecanização das lavouras, construção de silos e organização da logística de exportação (de soja, parceiraça do trigo nos anos 1960) e criou uma bem-sucedida estrutura de pesquisa em Cruz Alta. Deu-se mal ao cair na tentação de fazer jogadas cambiais no mercado internacional de fertilizantes e grãos no exato momento em que o Brasil dava calote nos credores externos, em agosto de 1982.
A longo prazo, quem mais se beneficiou com a mecanização agrícola emergente, além do trigo, foram as lavouras de arroz, de milho e, por último, da soja. Com a imagem queimada, a Fecotrigo foi sucedida por outra federação, denominada Fecoagro, fundada em 1997. Segundo o site da nova federação, "a fundação foi um marco na história do cooperativismo gaúcho e simbolizou um passo de maturidade do setor dentro do mundo da economia globalizada".
Hoje, a Fecoagro conta com 42 cooperativas filiadas, agregando 178 mil associados que respondem por 60% da produção de trigo, 45% do leite, 45% na soja e 20% do milho. Nesse universo, 12 cooperativas ainda conservam a nomenclatura antiga (cooperativa tritícola) e quatro a sigla tritícola mesmo depois de trocar a razão social. A Cotrijuí, que chegou a ser a cooperativa gaúcha mais importante, com projetos em outros estados para atender a demandas do governo federal, está em situação falimentar.
A maior cooperativa do Brasil, a Coamo, fundada em 1978 em Campo Mourão, começou com o trigo quando o Paraná liderava a produção de café. Sua primeira indústria foi um moinho de trigo. Iniciada por 70 pioneiros, a Coamo tem 29 mil associados em 63 municípios, alguns no Rio Grande do Sul.
 

Variedades com múltiplos usos

Caso o cereal não tenha a qualidade que a indústria moageira exige, pode ser vendido para fabricação de ração

Caso o cereal não tenha a qualidade que a indústria moageira exige, pode ser vendido para fabricação de ração


/couleur/pixabay/divulgação/jc
A Embrapa de Passo Fundo desenvolveu nos últimos 18 anos variedades de trigo que podem ser usadas com duplo propósito - tanto podem alimentar o gado como servem para produzir o grão. "É uma revolução dentro do sistema lavoura-pecuária", afirma o agricultor Ivonei Librelotto, cuja fazenda em Boa Vista das Missões, entre Palmeira das Missões e Frederico Westphalen, a 400 km de Porto Alegre, se tornou ponto de peregrinação técnica desde agosto de 2008, quando sediou um pioneiro dia de campo patrocinado pela Embrapa Trigo. Com apenas 50 hectares próprios e pouco mais de 100 ha arrendados, Librelotto é um bem-sucedido apóstolo da integração lavoura-pecuária.
Semeado em março, dois meses antes da data (20 de maio) recomendada para a semeadura do trigo comum, o trigo DP chega aos meses de inverno com a altura ideal para o pastejo bovino. "Não há pastagem de inverno ou silagem que supere o trigo no ganho de carne ou produção de leite", afirma Librelotto, que chega a colocar cinco novilhos por hectare do trigal. Somente a engorda bovina (à razão de pelo menos um quilo por dia) paga o custo da lavoura. Mas tem o segundo tempo do jogo: se o clima for positivo para a produção do cereal, o agricultor tira o gado da lavoura a tempo de o trigal se recuperar e chegar ao fim do ciclo com uma colheita que pode ser até mais produtiva do que um trigal convencional. Se não tiver a qualidade exigida pela indústria moageira, o trigo pode ser vendido para a fabricação de ração.
"No final das contas, a colheita do grão dobra a renda do sistema", diz Librelotto, que tem planos de engordar 500 animais por temporada com um rendimento muito acima da média do RS (menos de 100 kg/ha/ano). Após concluir a colheita em 25 de outubro passado, ele fez as contas: mesmo prejudicado pela geada de agosto e a seca do final do ciclo, produziu 280 quilos de carne e mais 30 sacas de trigo por hectare. Trocando em miúdos, obteve uma renda de R$ 2.100,00 por ha com a carne e espera R$ 2.400,00 com o grão. Descontando o custo de produção de R$ 2.000,00 por ha, terá uma renda líquida de R$ 2.500,00.
Largamente cultivados nos Estados Unidos, na Argentina, no Uruguai e na Austrália, os trigos DP foram desenvolvidos em Passo Fundo pelo melhorista Léo del Duca, responsável pelo lançamento, em 2002, da BRS Figueira, a pioneira da especialidade. Em seguida destacou-se a BRS Tarumã, com ciclo de 150 dias e potencial produtivo médio de 3.200 kg por hectare, mesmo apresentando espigas menores do que outras variedades. Em 2016, a Embrapa começou a difundir a variedade BRS Pastoreio, cujas espigas podem ser consumidas diretamente pelo gado ou até transformadas em silagem, pois não apresentam aristas (filamentos que ferem a boca dos animais). No próximo ano, será lançada a variedade Tarumax, um aprimoramento da rústica Tarumã.
Como precisam de frio para florescer, os trigos DP só podem ser cultivados com viabilidade integral no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Sul do Paraná. Apesar de sua viabilidade como alimento bovino no inverno, os trigos DP ocupam pouco mais de 10% da área plantada de trigo no Rio Grande do Sul. Segundo a Embrapa de Passo Fundo, em 2020 os trigais DP passaram de 100 mil hectares, sendo apenas 30 mil de sementes fiscalizadas (as outras são as chamadas "sementes salvas" -- pelos produtores).

No Sul, lavouras estão mais suscetíveis a intempéries

Barbieri lembra que triticultores pagam o seguro agrícola mais caro

Barbieri lembra que triticultores pagam o seguro agrícola mais caro


/Faesc/DIVULGAÇÃO/JC
Enori Barbieri, vice-presidente da Federação da Agricultura de Santa Catarina (Faesc), torce para que a triticultura ganhe espaço no Centro-Oeste, deixando assim de ocupar terras no Sul onde as colheitas estão sujeitas a acidentes climáticos que comprometem a qualidade do trigo e não remuneram os produtores.
Além disso, o dirigente lembra que os triticultores pagam o seguro agrícola mais caro da lavoura brasileira - 35% do custo de produção, percentual que deveria ser de 60%, se o trigo não pegasse carona com a soja.
No caso de Santa Catarina, que dispõe de pouca terra para o cultivo mecanizado de grãos, o trigo ocupa 200 mil hectares, mas o longo ciclo de cultivo, que só acaba entre outubro e novembro, atrapalha o início das lavouras de verão - no caso, soja (650 mil hectares) e milho (300 mil ha), os dois insumos mais importantes para o sustento da agroindústria catarinense de carnes, que precisa buscar esses grãos em outros estados e até em outros países.
Diante da peculiar situação catarinense como produtor de carnes cercado pelos maiores produtores de trigo do País, Barbieri acrescenta outro dado fundamental: "O trigo é uma das mercadorias mais fáceis de importar, pois sobra no mundo". Resta saber o que o Rio Grande do Sul e o Paraná produziriam no inverno nas áreas hoje ocupadas pelo trigo.
 

*Geraldo Hasse

Jornalista especializado em agricultura, Geraldo Hasse trabalhou por mais de 30 anos na mídia do Sudeste e escreveu uma dezena de livros.