Com forte tradição no setor primário, o Rio Grande do Sul, aos poucos, encontra na tecnologia uma nova vocação econômica. Um dos segmentos que mais têm se destacado é o desenvolvimento de games: são 40 empresas que lançaram, apenas no ano passado, 138 jogos. Muitas dessas companhias já mantêm parcerias com clientes do exterior, de olho em um segmento que não para de crescer: no mundo, a indústria de jogos eletrônicos movimenta US$ 152 bilhões - mais do que o cinema e a música somados (US$ 121 bilhões). Na imagem, cena do game Horizon Chase, criado pela gaúcha Aquiris.
Ecossistema gaúcho de games é referência para o Brasil
Aos poucos, nas últimas décadas, a economia do Rio Grande do Sul iniciou uma expansão invisível, mas consistente. Das cabeças de alguns pioneiros da tecnologia por aqui saíram os primeiros jogos eletrônicos que iriam transformar o Estado em referência nacional na produção de games.
Atualmente, são cerca de 40 desenvolvedoras no Rio Grande do Sul, que empregam cerca de 400 pessoas. Juntas, elas faturaram R$ 32,5 milhões em 2019, 53% a mais do que no ano anterior. Os dados são da Associação dos Desenvolvedores de Jogos do Rio Grande do Sul (ADJogosRS), que reúne 33 desses fabricantes. Entre as principais estão a Aquiris e a Rockhead, sediadas no Tecnopuc.
O Rio Grande do Sul produziu 138 games no ano passado - 101 próprios e 37 como prestação de serviços. Também em 2019, jogos feitos no Estado foram indicados a oito prêmios nacionais e internacionais, conquistando três.
A ADJogosRS orgulha-se de ser a principal associação regional do gênero no País, em termos de relevância no mercado. Antes dela existia apenas a Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames), fundada em 2004 e organizadora, por exemplo, do Brazil's Independent Games Festival (BIG Festival), maior evento de jogos independentes da América Latina. "Várias regiões nos procuram para poder fazer consultorias, de tentar ajudar na organização de outros estados. Fomos a primeira associação regional do País. Hoje, já há mais algumas formadas, mas basicamente em todas tivemos alguma participação nesse sentido", comenta Ivan Sendin, diretor-executivo da entidade.
Por aqui, o início remonta ao ano de 1996, que ficou marcado para os fãs de jogos: 24 anos atrás, chegaram ao mercado títulos até hoje considerados icônicos, como os primeiros Resident evil, Tomb raider, Duke Nukem 3D e Quake, entre outros. Foi também em 1996 o lançamento do Nintendo 64, primeiro console com tecnologia 64-bits do mundo, e que vendeu quase 33 milhões de unidades em todo o planeta até 2002, quando foi descontinuado. O "meia-quatro" foi o lar, entre outros, do também aclamado mundialmente Super Mario 64, considerado um dos melhores jogos eletrônicos já lançados.
Southlogic: O pioneirismo no ano de 1996
Ainda naquele ano de 1996, Christian Lykawka cursava graduação em Informática na Pucrs, em Porto Alegre, onde havia ingressado três anos antes. Mas sua mente tinha um objetivo além. "Meu sonho sempre foi desenvolver games, mas, naquela época, não existiam empresas fazendo isso no Brasil", conta Lykawka. Ele fundou ali a Southlogic, a primeira desenvolvedora de games gaúcha e, mais tarde, a pioneira em exportar games próprios para o exterior.
O passo dado pela Southlogic foi apenas o primeiro. Mas o mercado de jogos eletrônicos no Rio Grande do Sul logo se expandiu e se regionalizou, formando profissionais de qualidade para o mundo todo. Os jogos em si compõem uma indústria que deixou, há muito tempo, de ser considerada um nicho, graças à popularização dos consoles de mesa, e principalmente plataformas móveis.
"Ela foi a principal empresa responsável por trazer negociações com PlayStation, Xbox, Wii, talvez a primeira na América Latina a trabalhar com estas três", afirma Ivan Sendin, diretor-executivo da Associação dos Desenvolvedores de Jogos do Rio Grande do Sul (ADJogosRS). O primeiro jogo da Southlogic foi Guimo, publicado para PC em 1997. Na virada do milênio, o norte-americano Christopher Kastensmidt entrou como sócio.
Embora houvesse outras poucas desenvolvedoras em solo gaúcho, a Southlogic, que tinha em torno de 20 profissionais, logo ganhou destaque por conta de jogos como Trophy Hunter 2003, criado sob encomenda para a Infogrames, hoje Atari, e Deer Hunter 2004, também publicado pela Atari, ambos conhecidos simuladores de caça. O trabalho chamou a atenção da francesa Ubisoft, que adquiriu a empresa gaúcha em 2009, em um negócio que, na época, chamou a atenção do universo gamer global.
O surgimento das grandes empresas no Rio Grande do Sul
Em 2010, o escritório da Ubisoft encerrou as atividades em Porto Alegre. Mas a formação de talentos locais já ganhava certo impulso com a criação de cursos focados no desenvolvimento de jogos digitais, primeiro na Unisinos, que fundou a primeira graduação do tipo no País, depois na Feevale, em Novo Hamburgo; e na Pucrs e na UniRitter, na Capital. "Começaram, aí, a surgir as empresas formadas por estudantes dessas universidades, ou seja, a segunda geração do mercado de jogos gaúchos", conta Ivan Sendin, da ADJogosRS.
"Há pouco mais de uma década, este era um mercado muito restrito, em que as empresas, caso precisassem de um profissional apto para a área, tinham grandes dificuldades para encontrar. Dessa forma, a necessidade virou uma ótima oportunidade para as universidades, que, ao estreitar laços com as empresas deste setor, hoje, servem como ponto de contato entre empresas e alunos, que irão virar profissionais", afirma o coordenador da graduação de Jogos Digitais da Universidade Feevale, Eduardo Müller.
São dessa época empresas de grande relevância, hoje, no mercado do Rio Grande do Sul, como a Aquiris Game Studio e a Rockhead Games, os dois únicos estúdios de jogos atualmente incubados no Parque Tecnológico da Pucrs (Tecnopuc). A Aquiris foi fundada em 2007 por Amilton Diesel, Mauricio Longoni e Israel Mendes. Já a Rockhead é mais recente: surgiu em 2010 por Fernando D'Andrea e Christian Lykawka, o mesmo da Southlogic de 14 anos antes.
Pelo lado da Rockhead, é possível citar a franquia Starlit Adventures, game gratuito para PlayStation 4, iOS e Android já baixado 14 milhões de vezes, e com spin-offs como Starlit on wheels e Starlit archery club. "Onde antes havia a figura de uma grande empresa publicadora, com acesso a uma cadeia de distribuição, hoje, há uma desenvolvedora que também publica seus títulos de forma independente", comenta Lykawka, citando a Starlit como uma franquia que tem como objetivo futuro o licenciamento além dos jogos.
No caso da Aquiris, a desenvolvedora começou com a publicação de advergames, jogos criados para a publicidade de outras marcas. A estratégia, que logo se mostrou certeira, foi utilizar a expertise profissional em marketing para criar soluções a outras empresas. A partir de 2010, o foco foi alterado para a criação de títulos próprios. O sucesso veio com a publicação de jogos como Horizon Chase, considerado o melhor jogo brasileiro de 2015, e Horizon Chase Turbo, disponível para PC (por meio da plataforma Steam), mobile e consoles como PlayStation 4, Nintendo Switch e Xbox One.
Outra das grandes realizações da Aquiris é o game Looney Tunes: World of Mayhem, lançado em 2019, em parceria com a empresa Scopely, cuja sede fica nos Estados Unidos. As conversas para desenvolver o game se iniciaram alguns anos antes, segundo Israel Mendes, diretor comercial e de marketing da Aquiris. Os norte-americanos sinalizaram que haviam licenciado o game com a Warner Bros, e, na busca por um desenvolvedor de alto padrão, a Aquiris foi escolhida. "Atender a essa exigência foi um pouco fruto da trajetória da nossa empresa. Já estávamos em um caminho bastante profissional, então, para grandes players do mercado, somos bastante respeitados e confiáveis", afirma ele.
Jogo Horizon chase coloca Porto Alegre nas telas
Em maio deste ano, a Aquiris realizou uma homenagem à cidade natal dos desenvolvedores, e publicou uma atualização gratuita do Horizon Chase com duas pistas em Porto Alegre - uma delas em formato de cuia -, mais o veículo Minuano, inspirado no Miura. Uma das cenas ilustra a capa desta edição. O esportivo foi produzido entre as décadas de 1970 e 1990 - sua fábrica ficava na capital gaúcha. "O processo começou com a pesquisa de monumentos e locais importantes na cidade, como a Escadaria da Borges, a Orla, a Arena, o Beira-Rio, enfim, elementos que povoariam o mapa, e depois fizemos a modelagem. É uma versão simplificada, mas que representa Porto Alegre de forma clara", explica Israel Mendes, da Aquiris.
A trilha sonora das pistas é inspirada na música Deu pra ti, clássico dos anos 1980 composta por Kleiton & Kledir, que foi adaptada e remixada por Barry Leitch. O escocês trabalhou nas trilhas originais do game Top Gear e, hoje, compõe as músicas do game arcade da Aquiris. "Quando as pessoas ouvem a melodia da música, dá aquela 'cola emocional', e correndo pela cidade, observando as coisas que vemos no dia a dia, é receita de golaço. Nesse sentido, colocamos Porto Alegre no mapa mundial, e pretendemos fazê-lo muitas vezes", comenta o chefe de marketing da empresa.
Empresas se expandem para outras cidades
Em 2012, pela primeira vez, o Estado recebeu uma edição do Global Game Jam (GGJ), na Unisinos. O evento consiste na criação de jogos por grupos de desenvolvedores em um prazo máximo de 48 horas. No ano seguinte, houve 82 inscritos, que produziram, ao todo, 11 jogos. Ao longo dos anos, o GGJ cresceu ainda mais, e, em 2020, a 9ª edição teve mais de 100 inscritos, que produziram 23 games. Em Santa Maria, o evento já teve 12 edições locais, além de o mesmo estar presente em algum momento em outros municípios gaúchos, como Rio Grande, Taquara e Passo Fundo.
No interior gaúcho, aliás, estão diversas dessas desenvolvedoras de games. "Temos empresas associadas no Vale do Sinos, em Gravataí, em Bagé, em Pelotas e em Santa Maria, então nossa atuação está bastante distribuída. Não existe essa separação entre Capital e Interior, tanto é que nossas reuniões são sempre feitas em caráter digital, via Skype ou outro aplicativo. Temos também um grupo no Discord, somente para associados, no qual discutimos questões gerais", afirma Ivan Sendin, da ADJogosRS. Segundo ele, dos 33 associados, por volta de 19 são de Porto Alegre, e os demais, do Interior.
Um destes é a Izyplay, empresa nascida em 2010, em Pelotas, mas que se mudou, no ano passado, para o Hub One, centro de criatividade e inovação da Universidade Feevale. Um dos cofundadores da empresa, e atual diretor criativo, é justamente o presidente da ADJogosRS, Everton Vieira. A empresa tem, em seu portfólio, advergames como WM Racing, desenvolvido para a Webmotors (Facebook e web), além de jogos próprios, a exemplo de Desafio nerd (Android e iOS) e Fantasy bingo (Android e Facebook).
"Em Pelotas, criamos um programa social para fomentar o aprendizado em games, e a Izyversity, uma iniciativa para capacitar as pessoas da região. Mas Pelotas é afastada da Capital e, por isso, ainda tem problemas de captação de profissionais, já que não há universidades especializadas em games por lá. Prevendo uma expansão, decidimos vir a Novo Hamburgo para ficar bem mais perto das quatro principais faculdades do Estado", complementa Vieira.
Presença feminina entre desenvolvedores ainda é baixa
Em 2019, somente 14% dos desenvolvedores de games no Rio Grande do Sul eram LGBQTs, negros ou mulheres, segundo a ADJogosRS. O número está abaixo da média nacional, que contava, em 2018, de acordo com o 2º Censo, com 20,7% de desenvolvedoras mulheres, contra 79,3% de homens.
Conforme a consultoria Statista, o salário das mulheres que trabalham na indústria de jogos no mundo é, na média, 9% menor que o dos homens. "O mercado de jogos ainda é majoritariamente masculino, especialmente em posições de liderança. Mas o cenário tem mudado rapidamente, reflexo da atenção dada nos últimos tempos para a pauta de representatividade", analisa a game designer Luciana do Prado, que trabalha na Izyplay desde 2017. Segundo ela, a entrada de mais mulheres pode fazer com que a presença feminina possa ser mais discutida. "Trazer visibilidade para a área nas universidades, principalmente através de mulheres, convidando para painéis e palestras, por exemplo, pode atrair muitas estudantes por trazer uma referência próxima", conta.
A streamer hamburguense Luana Auler Torre tem 23 anos. Jogadora desde os seis anos, a jovem formada em Marketing, hoje, administra uma comunidade de gamers no aplicativo Discord chamada "Família da Comida", com mais de 4 mil membros. Para ela, ser mulher no universo do streaming de games representa grande responsabilidade. "Me sinto com o dever de abordar assuntos importantes para serem discutidos durante a live, por exemplo, feminismo, preconceito e respeito, pois sei que, por ter uma visibilidade, isso é importante", comenta ela.
Para o professor Eduardo Müller, da Universidade Feevale, o mercado tem observado a tendência global e evitado desenvolver games pensando exclusivamente nos homens. "Personagens considerados sexistas são frequentemente questionados na internet, por exemplo, fazendo com que os desenvolvedores ficassem mais atentos a essa questão. A representatividade ainda é uma questão delicada no ambiente de desenvolvimento. Porém, consigo perceber uma melhora nesse panorama ultimamente, com o aumento do interesse de mulheres pela área", afirma Müller.
Universidades e centros tecnológicos surgem como espaços de inovação
O fato de a maioria das empresas gaúchas de games ter, até hoje, ligação próxima com os parques tecnológicos das instituições de ensino sustenta a importância das universidades para o trabalho desenvolvido nestes locais. "Ambientes de inovação são essenciais para transformar conhecimento em riqueza para a sociedade. Na área de jogos isso não é diferente. Temos uma vocação significativa, e muito do expertise vem da formação dos profissionais nas universidades que gerenciam estes centros tecnológicos", avalia o diretor do Tecnopuc, Rafael Prikladnicki.
Segundo a Sinopse Estatística da Educação Superior 2018, elaborada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 83 instituições brasileiras ofereciam a graduação em Jogos Digitais naquele ano, sendo 11 públicas e 72 privadas. Ao todo, havia 97 cursos na área, sendo 11 nas instituições públicas e 86 nas particulares. Existiam, naquele ano, 7.276 matrículas ativas (1.469 em públicas e 5.807 em privadas). No Estado, em 2018, 10 instituições, todas privadas, tinham cursos do tipo, com 763 matrículas ativas. Doze cursos, entre presenciais e a distância, receberam Conceito de Curso 5 pelo Ministério da Educação, entre eles, os tecnólogos da Feevale e da UniRitter, os únicos do RS com nota máxima.
Quanto às pós-graduações e especializações, a página do Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital (SBGames) registra ao menos oito espalhadas pelo País. A Capes reconhece uma, na PUC-SP. No Rio Grande do Sul, a Feevale desenvolveu e lançou, por meio da graduação em Jogos Digitais e em parceria com a Jambô Editora, o game Tormenta: O desafio dos deuses, que, em 2013, foi o primeiro game do País a receber recursos de
crowdfunding, obtendo R$ 74,5 mil, mais do que os R$ 60 mil pretendidos.
Games lucram mais do que o cinema e a música somados
Pesquisas oficiais mostram que a indústria de jogos eletrônicos, em nível global, é maior do que o cinema e a música combinados. Segundo a consultoria Newzoo, especializada em análise do mercado de games, eles movimentaram US$ 152,1 bilhões em 2019, 9,6% a mais do que no ano anterior. A música, em todo o planeta, gerou US$ 20,2 bilhões no ano passado, conforme a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês). Já o cinema e conteúdos em streaming, incluindo conteúdo on demand em televisão e mobile, geraram US$ 101 bilhões em 2019, de acordo com a Motion Picture Association (MPA), entidade que representa os maiores estúdios cinematográficos norte-americanos.
E, para 2020, a tendência é de novo crescimento na indústria de jogos, que deve gerar US$ 159,3 bilhões, com o mobile representando quase o mesmo faturamento de PC e consoles somados. Neste ano, o número de gamers deve chegar a 2,7 bilhões de pessoas, mais da metade na Ásia e apenas 9% na América Latina. No Brasil, não é diferente. De acordo com a 18ª Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2017-2021, feita pela PwC, o gasto de consumidores com games no País deve crescer 17% ao ano, chegando a US$ 1,4 bilhão no próximo ano, contra US$ 644 milhões em 2016. Quase toda a receita de jogos no Brasil vem das plataformas digitais, impulsionada por jogos para dispositivos móveis, que devem crescer 26% por ano, gerando US$ 712 milhões em 2021.
O governo federal está atento à área e mostra que, ao menos neste ponto, atende aos anseios dos jogadores. Em agosto de 2019, o presidente Jair Bolsonaro reduziu o IPI para consoles de mesa, de 50% para 40%; para peças e acessórios de consoles, de 40% para 32%; e videogames portáteis, de 20% para 16%. Mas a carga tributária embutida nos jogos em si ainda é alta: 72,18% do preço do produto é imposto, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento do Varejo (IBPT).
"O maior impacto é com os acordos que não são bilaterais com os países que consomem nosso jogo. Na Steam, 30% do preço vendido do jogo vai para a loja, no máximo. Mas pagamos impostos no exterior, como VAT e IOF, e mais os nossos. Em um jogo que custa R$ 10,00, ganhamos R$ 5,00", afirma Ivan Sendin, da ADJogosRS. Outro problema é a pirataria: estudo de 2013 do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) mostrou que, naquele ano, 82% dos jogos vendidos no Brasil era uma cópia ilegal.
As gerações que contam a história dos videogames
Muitos consideram o ponto de partida dos videogames Bertie the Brain, jogo de 1950 que simulava uma partida de jogo da velha contra um computador, ou Tennis for Two, visível em um osciloscópio. A primeira geração dos consoles, porém, começou em 1972, com o lançamento do Magnavox Odyssey, o primeiro videogame caseiro e o primeiro a ser comercializado da história. Três anos mais tarde surgiu o clássico Pong, da Atari. Merece destaque, também, o Telejogo, de 1977, o primeiro videogame comercializado no Brasil. A segunda geração foi marcada, entre outros, pelo lançamento do console Atari 2600, que teve 30 milhões de unidades vendidas, e também pelo game Pac-Man, com vendas na ordem de 7 milhões de unidades.
A terceira geração, também conhecida como a era dos 8-bits, teve como destaques o NES, da Nintendo, lançado em 1983, e o Master System, da Sega, de 1985. Games aclamados até hoje - a exemplo de Super Mario Bros, Sonic e Final Fantasy - começaram ali. A quarta geração teve um salto na tecnologia, com o início da era dos 16-bits. São desse período consoles como Mega Drive, da Sega, cujo lançamento ocorreu em 1988, no Japão, e 1990 no Brasil, e Super Nintendo/Super Famicom, da Nintendo, lançado em 1990, no Japão, e três anos mais tarde em solo brasileiro. Super Mario World e Sonic reinaram absolutos entre os títulos mais uma vez. Os portáteis, como o Game Boy, da Nintendo, também se tornaram populares, com jogos como Tetris e a franquia Pokémon Red, Blue e Green.
A quinta geração começou em 1993 e teve consoles de 32 e 64-bits. Destaque para os videogames Sega Saturn, Nintendo 64 e o primeiro PlayStation, da Sony, que vendeu 104 milhões de unidades. Entre os portáteis, o Game Boy Color, da Nintendo, merece destaque. Na sexta geração, ou era dos
128-bits, estão inclusos os videogames lançados a partir de 1998, como Sega Dreamcast; Nintendo GameCube; o primeiro Xbox, da Microsoft; e o PlayStation 2, da Sony. Os primeiros jogos da franquia Halo, God of War, Guitar Hero e o polêmico Grand Theft Auto: San Andreas, entre outros títulos, são dessa geração.
A sétima geração, iniciada em 2004, foi marcada pelos consoles com sensores avançados de movimento: Wii, da Nintendo; e Kinect, disponibilizado com o recém-lançado Xbox 360, da Microsoft; além do PlayStation 3, da Sony. Grand theft auto IV e V, as elogiadas séries Call of duty: Black ops e Uncharted, além do primeiro The Last of us, entre outros, são desse período. A oitava geração se iniciou em 2011, com o lançamento do Wii U, pela Nintendo. No ano seguinte vieram o PlayStation 4, da Sony; e o Xbox One, da Microsoft. Em 2016 surgiu o PlayStation 4 Pro, e, no ano seguinte, foram lançados o Nintendo Switch e o Xbox One X.
A chamada nona geração tem como destaques consoles a serem lançados futuramente, como o Xbox Series X e o PlayStation 5, e ainda plataformas de games em streaming, a exemplo de Google Stadia, GeForce Now, da NVIDIA, e Project xCloud, vinculado ao Xbox. É um mercado considerado promissor: somente os jogos em nuvem podem gerar, em 2020, uma receita de US$ 187 milhões, e US$ 1,5 bilhões em 2023 , segundo a Newzoo. Isso em um cenário pessimista - e desconsiderando o coronavírus.
Seja como for, a evolução é rápida no mundo dos games, o que requer constantes atualizações também por parte dos desenvolvedores. E, embora os jogos mobile não estejam na lista da evolução das gerações, representam um potencial considerável: 3,3 bilhões de pessoas no mundo tinham um smartphone no ano passado, aumento de 7,6% em relação a 2018. O Brasil, com 96,8 milhões de usuários, é o quarto colocado neste ranking, atrás de China, Índia e Estados Unidos.
Outra empresa de consultoria, a App Annie, estima que, em 2020, os gastos da população mundial em jogos disponíveis em lojas de aplicativos alcancem US$ 100 bilhões. Consumidores de todo o mundo passaram, em média, três horas e 40 minutos por dia em apps, 40 minutos a mais do que em 2018. "O mercado se atualiza muito rapidamente. Quando você está aprendendo uma ferramenta, vem outra. No mobile, uma das coisas que mais fatura é o hipercasual, mas existem vários nichos que não imaginamos. O console é um meio 'antigo', porém que está se adaptando. Por exemplo, hoje, você pode fazer um pagamento anual e jogar vários jogos digitalmente, como é com o Game Pass (do Xbox) e PlayStation Plus", comenta Ivan Sendin, da ADJogosRS.
Como o coronavírus mudou o cenário global dos games
A pandemia do coronavírus trouxe situações distintas para a indústria dos games. Por um lado, cancelou importantes eventos, como a E3 e a Game Developers Conference (GDC) - que será on-line, em agosto. Por outro, houve um aumento de público nas transmissões de gameplays. A Steam, por exemplo, teve, no início de abril, um recorde no número de acessos simultâneos, com 22 milhões de usuários. Já a Twitch registrou aumento de audiência de 20% nas últimas semanas, com mais de 3,1 milhões de espectadores simultâneos.
Dados do Facebook mostram que, em fevereiro deste ano, o download de games aumentou 39% no mundo todo, com grande impulso da China, onde o crescimento foi de 80% em fevereiro na comparação com o mesmo mês de 2019. Na América do Norte, o uso de jogos on-line aumentou 75% nos horários de pico. "Com a pandemia, a venda de games foi bastante aquecida, levando em consideração a busca de entretenimento com o confinamento. Contudo, tenho visto que alguns investidores da área estão, numa perspectiva de curto prazo, aguardando a pandemia passar e não realizando investimentos em novos projetos", diz o professor Eduardo Muller, da Feevale.
O líder da Tecnopuc Startups, Leandro Pompermaier, tem opinião semelhante. "O coronavírus fez com que as pessoas buscassem atividades que possam ser praticadas dentro de casa e sejam divertidas. A pandemia trouxe um crescimento do mercado de games, pois quem jogava antes joga mais agora, e quem não jogava antes, agora, busca no jogo uma fuga para que haja o esquecimento do isolamento", afirma ele. Houve também uma significativa mudança na execução dos projetos e no dia a dia das empresas. Desenvolvedoras em todo o planeta, como Rockhead e Aquiris, passaram a adotar o home office como medida de prevenção à Covid-19.
Em tempos de coronavírus, o crescimento do acesso nas plataformas de games, bem como no download de jogos, pode ter grande relação com aspectos psicológicos dos jogadores. "Os jogos sempre são uma fuga intencional, ativa e ponderada da realidade. São uma válvula de escape, porque demandam atenção e concentração, obrigando o jogador a desviar seus pensamentos de suas preocupações reais", afirma a coordenadora do Núcleo de Pesquisas da ESPM Rio de Janeiro, Ana Erthal.
"Acho que a maioria das manifestações culturais tem tido números de crescimento no mundo neste período", diz Israel Mendes, da Aquiris. "No ponto de vista dos jogos, no final das contas, acabamos por contribuir para uma manutenção da sanidade das pessoas. Aquele game que a pessoa vai jogar, seja de luta, de esportes, de aventura, não deixa de ser um 'respiro' para a mente, em relação à pressão que o confinamento causa", completa.
Aficionados confessam admiração pelo mundo dos games
Augusto Ferranti tem 24 anos e mora em Caxias do Sul, na serra gaúcha. No YouTube, ele é conhecido como o proprietário do canal Bitgamer, com 1,4 milhão de inscritos e mais de 631 milhões de visualizações no conjunto dos vídeos publicados. Ferranti, aluno de Design da Faculdade FSG, é o exemplo de alguém que faz conteúdo para uma comunidade imensa e apaixonada, como os 14% dos entusiastas globais de games denominados pela consultoria Newzoo como os "popcorn gamers". São aqueles para quem jogar videogame não é o hobby favorito, mas sim é agradável assistir a outros jogarem.
"É tudo mato ainda", brinca ele, ao comentar sobre o mercado atual de streams. "É uma profissão nova, entreter pessoas, influenciá-las. Vejo que essa profissão é só o início, e que há jogos se adequando para serem gravados e mostrados a outros." Segundo ele, o canal se iniciou "por acidente", em 2012. "Gravei umas coisas com meus amigos só para ver no que dava e acabou gerando visualizações. Fui gravando depois e editando como hobby", conta Ferranti. Hoje, ele é um dos embaixadores da NVidia, marca especialista em hardware, no Brasil. "Existem marcas que investem no YouTube, como lojas de informática."
Ferranti diz ter por volta de 450 jogos, mas que não tem um game preferido. "Uma coisa que aprendi em anos é que seu inscrito nunca vai saber o que ele quer assistir. As pessoas estão lá para assistir e estão ligadas à pessoa que está transmitindo. É uma energia diferente. É legal porque você se anima vendo o pessoal animado. O chat em tempo real faz piada com você e vice-versa, acaba gerando piadas internas. É como se fosse uma roda de amigos curtindo um jogo ou vídeo juntos", salienta o youtuber.
O profissional de Marketing Christian Albrecht, 38 anos, é um gamer "raiz". Ele afirma que começou a ter contato com o mundo dos jogos ainda quando criança, por intermédio da irmã, nove anos mais velha que ele. "Ela tinha ganhado um Atari, que foi bastante difundido na época. Desde lá, como videogame era um objeto caro, e ainda é hoje, não tinha como cada um ter o seu, era tudo compartilhado", conta ele.
Aos nove anos de idade, Albrecht afirma que começou a auxiliar em uma locadora de jogos próximo de casa, o que despertou nele ainda mais a paixão pela área. "Foi ali, onde fiquei por alguns anos, que comecei a ter um contato muito mais forte com tudo o que é jogo e console", diz. Por volta de 1998, o porto-alegrense ganhou seu primeiro computador, por intermédio do pai, que o deu de presente.
"Ali, comecei a jogar games mais complexos, pelo menos na época que havia disponível. Jogos em PC costumavam ser mais 'sérios' do que os de videogame naquela época, e isso me interessava bastante", salienta. Por um longo período, jogos, para ele, foram dessa forma. Mas, após o nascimento da filha - que, hoje, tem dois anos -, Albrecht mudou de ares, embora a nostalgia sempre retorne. "Sempre tento achar algum tempo para jogar algo. É uma forma de relaxar para mim. Nessas ocasiões, acabo buscando algum jogo multiplayer, pois, assim, aproveito para reencontrar alguns amigos on-line", afirma.
O jogo preferido de Albrecht é StarCraft, game inicial da franquia de mesmo nome lançado para os PCs em 1998. Na sua visão, de quem acompanhou de perto a evolução dos games, diz acreditar que o mundo gamer sofreu uma completa mudança nos tempos atuais, em relação aos períodos passados. "Além de o mercado ter aumentado muito, abrangendo mais gente, ele movimenta muito mais dinheiro também. Os eSports estão aí para mostrar isso, têm campeonatos on-line cujas premiações em dólares são mais expressivas do que de vários esportes tradicionais", comenta o profissional de marketing.
O que esperar para
o futuro dos jogos?
O que vem aí para os videogames ainda é incerto. A próxima geração promete consoles com ainda mais processamento gráfico, conexões de internet ainda mais velozes, a exemplo do 5G, e o já citado serviço de streaming para jogos. E a opinião é de que as empresas precisam permanecer de olho nestes constantes updates do mercado. "O bacana de acompanhar o desenvolvimento de games no Rio Grande do Sul há bastante tempo foi perceber o avanço contínuo da qualidade dos projetos. Pequenas empresas, que, antes, desenvolviam projetos para celular ou games com foco no mercado de publicidade, hoje, produzem games para consoles como Playstation 4 e Nintendo Switch, contando com investimento internacional de grandes publicadoras", diz o professor Eduardo Müller, da Feevale.
Christian Lykawka, pioneiro dos games, acredita que os
smartphones popularizaram os jogos em geral, tornando-os uma mídia mainstream, ou seja, os jogos deixaram de ser produtos de nicho. "A disseminação dos mais variados formatos de games expandiu esse mercado para incluir pessoas de todas as idades e trazendo diferentes propostas de entretenimento interativo. A tendência é que esse crescimento perdure por mais tempo, evoluindo conforme as gerações que consumiram os games tornem-se os novos desenvolvedores", afirma.
Para Everton Vieira, presidente da ADJogosRS, o mercado nunca esteve tão aquecido como agora. "O mobile foi muito mais disruptivo do que todos os outros dispositivos que vieram antes dele. Houve uma grande democratização dos games, e o jogo virou até uma commodity. Sobre o futuro, acho que o mais importante é pensar em ser multiplataforma. A empresa de games tem que pensar no produto divertido e que rode até em geladeira", encerra.
Estado deve lançar novo programa para games neste mês
No Rio Grande do Sul, o governo do Estado tem feito ações para fomentar a indústria de jogos. O Jornal do Comércio apurou, com exclusividade, que deve ser lançado, neste mês, o Programa Games RS, coordenado pela Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia (SICT). "O benefício é a criação de um espaço comum para que governo, entidades e universidades possam trabalhar em conjunto, construindo ações que potencializem o setor. A mobilização das diversas secretarias, entidades públicas e privadas, bem como a ADJogosRS, demonstra o compromisso do governo em tornar os games uma referência no Estado", afirma o secretário estadual da pasta, Luís Lamb.
O programa começou a ser discutido no final do ano passado, em uma reunião entre Lamb; o secretário da Casa Civil, Otomar Vivian; e a ADJogosRS. Desde o último dia 29 de maio, o projeto tramita no jurídico da secretaria da Casa Civil, de onde, após aprovado, vai para sanção do governador Eduardo Leite. Antes, passou pelas secretarias de Desenvolvimento e Turismo (Sedetur) e de Educação, que também deram seus pareceres e opinaram sobre a proposta. Depois, retornou à Inovação, que encaminhou a minuta do decreto para o passo atual.
No ano de 2018, a Sedetur investiu R$ 25 mil no setor para participação em eventos, resultando em R$ 500 mil de negócios gerados, ou seja, para cada R$ 1,00 investido, R$ 20,00 retornaram. Em 2019, o mercado de jogos foi além: foram investidos R$ 30 mil, e o retorno foi de R$ 1 milhão: retorno de R$ 33,33 para cada
R$ 1,00 investido. Os dados são da ADJogosRS, que também gerencia o Arranjo Produtivo Local (APL) de Jogos Digitais. O projeto foi um dos 12 contemplados, em 2015, pela Agência de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI) para receber R$ 150 mil por 18 meses.
A Secretaria da Cultura (Sedac) implantou, no ano passado, o Programa Estratégico de Governo RS Criativo, na qual o setor de games está incluído. "Entre as ações de apoio já implantadas estão as mais de 600 horas de capacitações presenciais em empreendedorismo criativo, em Porto Alegre e outras nove regiões do RS, além do Ciclo de Residência Criativa, que está em seu segundo edital. A Sedac também proporciona ao setor o lançamento de editais anuais. Em 2019, o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do Audiovisual II ofereceu R$ 7,5 milhões para financiamento de projetos, e o FAC Movimento, R$ 3 milhões", diz a assessora de Artes e Economia Criativa da Sedac, Ana Fagundes.
Fundos específicos também estão entre as iniciativas promovidas pela esfera governamental. "Um exemplo é o investimento feito pelo Badesul na Aquiris via Fundo CRP Empreendedor", explica Elias Graziottin Rigon, assessor de venture capital e inovação do Badesul Desenvolvimento. O BRDE também tem um programa que seleciona startups, incluindo da economia criativa, em fase de validação. "Com o BRDE Labs, pretendemos alcançar empreendedores em estágio inicial, que ainda não estão prontos para receber aportes de um fundo ou mesmo um financiamento", afirma Mauricio Mocelin, superintendente do BRDE no RS. O prazo do edital do programa neste ano terminou em 31 de maio.
Outra entidade que está atenta à movimentação da indústria dos games é o Sebrae, que atua com ações na área desde 2016. "Buscamos, através de capacitações e mentorias, apoiar o desenvolvimento e a expansão internacional das empresas que participam dos nossos projetos. Proporcionamos acesso às principais feiras e eventos do setor, o que gera várias oportunidades de negócios para os desenvolvedores gaúchos", diz a analista de articulação de projetos do Sebrae-RS, Bruna de Oliveira Lourenço Machado.
* Felipe Faleiro é jornalista formado pela Universidade Feevale, de Novo Hamburgo. Nascido e criado no Vale do Sinos, trabalha desde 2016 como repórter em veículos da região.