Jogos, programas de televisão, desenhos, filmes e músicas estão hoje ao alcance de um clique. A grande inserção de crianças e adolescentes no ambiente digital reforçou um debate que médicos de crianças e adolescentes têm tido há décadas ao redor do mundo: quais os impactos do uso excessivo de telas na infância e na adolescência?
Para aprofundar a pesquisa no tema e propor soluções saudáveis no contato com a tecnologia, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) desenvolveu o Grupo de Trabalho da Saúde Digital. Em 2019, o grupo, composto por 5 profissionais especializados em pediatria e hebiatria (medicina de adolescentes), publicou o manual de orientação para médicos e pais “Menos Telas, Mais Saúde” que reúne dados e reflexões sobre o impacto do uso de telas no desenvolvimento da criança e do adolescente.
O Grupo foi formalizado no final do último ano, mas surgiu como resultado de quase 20 anos de publicações e mapeamento de pesquisas sobre o assunto ao redor do mundo. “Quando as pesquisas sobre o tema já representavam um número expressivo, ao passo que o risco à saúde também aumentou com a difusão do uso das telas, vimos a necessidade, como profissionais da saúde, de formalizar um grupo de trabalho científico sobre saúde digital”, relembra a representante gaúcha no Grupo, Suzana Estefenon.
Embora a equipe seja composta apenas por profissionais da área, entidades como o CGI e representantes de Google e Facebook auxiliam no processo de trabalho do Grupo. Para Suzana, a preocupação das empresas com o impacto na saúde foi uma surpresa positiva: “acredito que é uma luta muito importante, uma vez que eles também estão vendo a necessidade do olhar científico de quem estuda o tema e vão somar nas atividades deste ano”.
As facilidades de uso e o grande acervo de informações disponíveis são alguns dos atrativos para os mais de 24 milhões de brasileiros entre 9 e 17 anos no País. A pesquisa “TIC Kids Online Brasil”, realizada pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI), em 2018, apontou também para o aumento no número de indivíduos conectados dessa faixa etária: em 3 anos, a presença de crianças e adolescentes na internet subiu de 79% para 86%.
Além de dimensionar o impacto causado pelo uso frequente de celulares, televisores, computadores e tablets, o Grupo também relaciona essa prática com outras questões inerentes a formação pessoal. Em 2016, no Manual de Orientações para Pediatras, Pais e Educadores, publicado pela SBP, os especialistas exploraram a relação entre o ambiente digital e o contato direto com a natureza. Entre as características apresentadas no Manual, o estresse tóxico, a obesidade, sobrepeso, sedentarismo, alergias, distúrbios de sono e alimentação e falta de coordenação motora estão diretamente ligadas tanto ao uso excessivo de telas, quanto a distância de ambientes diversos, especialmente aqueles a céu aberto e compostos por elementos naturais, sejam eles construídos ou não. Todos materiais publicados pelo Grupo de Trabalho da Saúde Digital podem ser acessados no site da SBP, no link:
www.sbp.com.br.
Excesso de conexão pode comprometer o desenvolvimento cerebral
A preocupação dos especialistas se concentra nos problemas causados pelo uso excessivo de telas em momentos de formação do indivíduo e que podem acarretar em problemas no desenvolvimento cerebral, no ritmo do sono e na formação das conexões dos neurônios, a qual desenvolve-se, idealmente, obedecendo a estímulos visuais, auditivos, de toque e de afeto, incorporando informações e vivências, além de estimular todas as regiões do cérebro. “Hoje, o contato com as telas é fornecido até aos bebês como um estímulo muito constante. Isso provoca um impulso reduzido nas mesmas regiões cerebrais, e não ao conjunto cerebral, de tal forma que o cérebro acaba não realizando todas as conexões ideais”, explica Suzana.
A pesquisa do CGI apontou que, em 2018, aproximadamente um quinto dos usuários de Internet entre 11 e 17 anos tentaram, mas não conseguiram, passar menos tempo na rede. Além disso, 23% declarou ter se sentido mal em algum momento por não poder estar na internet. Outro dado preocupante evidenciado na pesquisa, concentra-se em uma outra forte preocupação da equipe de pesquisa: o tempo compartilhado com a família e amigos.
No estudo, 22% dos usuários dessa faixa etária mencionaram que passaram menos tempo com a família, amigos, ou realizando lições escolares porque ficaram muito tempo na internet. Ao passo que 20% relataram deixar de comer ou dormir por causa da internet, 18% dos entrevistados afirmaram que se deram conta de estar navegando na rede sem realmente estarem interessados no que viam. “Parece apocalíptico, mas a gente não quer passar essa visão. Temos que entender que a relação com a tecnologia tem que haver uma disciplina, um limite de horas diárias para não comprometer o horário de outras atividades importantes”.