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Rio Grande do Sul desperta para o potencial econômico do mar
Estado obtém ganhos do mar relacionados à pesca, à indústria de petróleo e gás, à Marinha, entre outros
É muito comum ouvir de um gaúcho brincadeiras a respeito das praias do seu Estado, principalmente quanto à temperatura e à cor da água (em várias ocasiões, fria e marrom). No entanto, todo o verão, milhares de pessoas vão ao litoral movimentando a economia da região. Além disso, o Rio Grande do Sul obtém ganhos do mar relacionados à pesca, à indústria de petróleo e gás, à Marinha, entre outros. Agora, o foco está em mensurar esses benefícios.
O diretor-presidente do Arranjo Produtivo Local (APL) Marítimo RS, Arthur Rocha Baptista, argumenta que, dentro do conceito de "medir para melhorar", está sendo elaborado um diagnóstico dos diversos setores produtivos que compõem a Economia do Mar do Rio Grande do Sul para se ter uma fotografia panorâmica do segmento. O APL Marítimo é uma associação civil, sem fins lucrativos, que conta, como associados, com empresas, agentes públicos, prefeituras, sindicatos e universidades.
Além do futuro diagnóstico, o grupo já implementou um simulador de manobras navais de alta precisão, que colabora com o aumento de eficiência e segurança no tráfego de navios e na operação dos portos gaúchos, e um dos focos deste ano será a exploração comercial da solução.
A ideia do APL também é levantar dados como número de empresas que atuam em áreas relacionadas ao mar, receita, empregos diretos e indiretos, geração de tributos, participação do PIB gaúcho, entre outros, e difundir a importância desse setor.
Dentro desse contexto, está sendo elaborado o Plano de Desenvolvimento da Economia do Mar do Rio Grande do Sul. A perspectiva é entregar o termo de referência da iniciativa ainda no primeiro trimestre de 2020. "Já iniciamos o contato com algumas consultorias globais e fizemos apresentações prévias do plano a diversas instituições, o projeto está sendo muito bem recebido", afirma Baptista.
Segundo ele, a intenção é elaborar um plano com ações práticas e que dependam o mínimo possível de recursos públicos. O APL firmou um acordo de cooperação buscando a expertise do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) para apoiar tecnicamente na confecção do termo de referência, o qual irá indicar os objetivos, o perfil de equipe, a metodologia de trabalho, o orçamento e o cronograma para elaboração do plano.
Está sendo trabalhado um documento bilíngue (português/inglês), para que seja possível captar recursos também com organismos internacionais e selecionar uma consultoria especializada. Em uma segunda etapa, o BRDE irá indicar os projetos com maior potencial de financiamento e, eventualmente, financiar alguns desses empreendimentos.
"A partir daí, destacaremos os principais setores e, nestes, identificaremos gargalos de infraestrutura, regulação e tributação, capacitação pessoal, desenvolvimento de tecnologias, sustentabilidade e abertura de mercados", complementa o diretor-presidente do APL Marítimo RS. O próximo passo, reforça Baptista, é desenvolver projetos que possam mitigar ou eliminar esses gargalos, preferencialmente com investimentos privados ou financiados por bancos de fomento. "Quanto às iniciativas públicas, iremos priorizar ações que não necessitem de recursos do erário, como revisões normativas e melhoria de processos de licenciamento", enfatiza.
PIB de atividades marítimas no País passa do R$ 1 trilhão
Se, no Rio Grande do Sul, está sendo feito o levantamento quanto ao impacto das práticas relativas ao mar, sobre o Brasil, já existem estudos quanto ao tema. A professora do Instituto de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis (Iceac) da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e coordenadora de grupo de pesquisa sobre Economia do Mar, Andréa Bento Carvalho, é autora da tese de doutorado intitulada Economia do Mar: conceito, valor e importância para o Brasil. Segundo o trabalho, o PIB do Mar no Brasil, a partir de dados de 2015, foi de cerca de R$ 1,11 trilhão, o que correspondeu a 18,9% da economia brasileira.
A pesquisa de Andréa foi elaborada entre 2014 e 2018, e o objetivo era traçar um perfil dessa área, para mensurar quanto agrega de valor para o Brasil e suas possibilidades. Além da relevante participação no PIB geral, o estudo apontou que a Economia do Mar gerava, ainda conforme informações de 2015, cerca de 19,8 milhões de empregos formais e informais, o que era em torno de 20% do total do País. A professora ressalta que, apesar do assunto ser debatido em âmbito internacional, nacionalmente, ainda é um tema pouco discutido.
Andréa mapeou 280 municípios defrontantes ao mar no Brasil. Entre as atividades diretamente relacionadas ao oceano, a professora cita o transporte marítimo, a defesa (Marinha), o serviço hoteleiro, a incorporação imobiliária, a pesca e a cadeia do petróleo e gás. Já indiretamente, podem ser listadas todas as práticas impactadas a partir das ações diretas. "Desde um salão de beleza que vê seu movimento majorado em época de veraneio, como um agricultor que tem sua produção aumentada nesse período", explica.
São 40 atividades diretamente relacionadas ao mar, e o segmento mais relevante quanto a valores no País, conforme o levantamento, é o turismo (serviços do mar), com movimentação de R$ 60 bilhões. Em seu trabalho, Andréa usou a metodologia da matriz de insumo-produto, que também é utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para calcular o PIB brasileiro. A pesquisadora está participando ainda de levantamento sobre quanto a Economia do Mar representa para o Rio Grande do Sul. A iniciativa deve ser concluída antes do final do primeiro semestre deste ano.
Apesar de não ter os números consolidados ainda, Andréa adianta que, na Região Sul, o peso do turismo no total movimentado pela Economia do Mar será relevante, mas não tanto como no País. A pesquisadora lembra que, em outras regiões, como o Nordeste, o clima é favorável para o aproveitamento da praia pelo público o ano todo, e, no Sul, essa questão é mais forte no verão. Além disso, nessa região, o turismo no Litoral sofre a concorrência com as atrações da Serra.
Novas oportunidades de exploração sustentável do oceano são apresentadas
Assim como atividades tradicionais, como pesca, movimentação portuária, transporte marítimo, entre outras, há ações envolvendo o mar que começam a ganhar espaço, como as energias renováveis do oceano (eólica, de ondas e marés), a biotecnologia marinha (como os biocombustíveis, recursos genéticos, farmacêuticos) e a mineração em águas profundas. A coordenadora da Pós-Graduação em Economia do Mar da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e diretora do APL Marítimo RS, Patrízia Raggi Abdallah, lembra que a Economia do Mar consiste no uso e na exploração sustentáveis dos oceanos e recursos marinhos.
"Entender e trabalhar nesse conceito sustentável de Economia do Mar atende ao ODS14/ONU, o objetivo de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas, que preconiza a vida saudável no mar, o qual foi endossado em 2019 pelo governo do Rio Grande do Sul", reforça Patrízia. Ela recorda que, desde 2014, a Furg possui um Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada na área de Economia do Mar, pioneiro no Brasil. O objetivo é aliar esse conhecimento acadêmico à realidade da economia gaúcha para fomentar todas as atividades relacionadas a esse setor e, a médio prazo, tornar o Rio Grande do Sul uma referência em Economia do Mar.
"As águas gaúchas guardam vastas riquezas e grandes oportunidades, as quais precisam ser exploradas de forma inteligente, não custa lembrar que algumas décadas atrás o Rio Grande do Sul possuía o maior parque industrial pesqueiro do Brasil e, mais recentemente, um grande polo de construção naval", reforça.
Patrízia ressalta, ainda, que o Rio Grande do Sul tem a quarta maior costa marítima do Brasil e o "mar de dentro", que é a Laguna dos Patos e seu complexo de rios e vias navegáveis. Nesse sentido, o coordenador da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) e da Hidrovias RS, Wilen Manteli, enfatiza que as hidrovias são verdadeiros ativos subaproveitados e que o ideal seria copiar os exemplos que deram certo na Europa e nos Estados Unidos, com a instalação de várias indústrias e empresas de logística na beira dos rios.
"A hidrovia é um fator de desenvolvimento regional e nacional que atrai empreendedores", ressalta. Para o integrante da ABTP e da Hidrovias RS, o maior beneficiado com essa medida será o porto do Rio Grande, que concentrará o recebimento das cargas que circulam pelas vias fluviais do Estado. Manteli frisa que Rio Grande, se tiver ousadia, poderá ser o melhor porto do Mercosul. Entre as razões que justificam esse posicionamento, o dirigente cita a localização geográfica do complexo. A estrutura encontra-se próximo à Argentina e ao Uruguai, sendo o único porto da região que pode atingir uma profundidade de 60 pés.
Turismo muda perfil do litoral gaúcho no período de veraneio
Além do clima, o verão aquece a economia de várias cidades litorâneas do Rio Grande do Sul, como é o caso de Tramandaí. O secretário da Indústria e Comércio do município, Gilberto de Mattos da Rosa, destaca que a população local é de, aproximadamente, 53 mil pessoas. Porém, em momentos de pico do período de veraneio, como a virada do ano, chega-se a cerca de 500 mil pessoas.
"No restante do verão, varia de 150 mil a 300 mil nos fins de semana", comenta. O secretário salienta que esse é o momento de "safra" da cidade, fundamental para a economia. "Costumamos dizer, aqui, que a época de ganhar dinheiro é no verão", frisa. Rosa ressalta que, além do turismo, o mar proporciona para Tramandaí recursos a partir da movimentação de petróleo e derivados.
A maior parte da nafta (principal matéria-prima petroquímica) que vai para a Braskem, no polo de Triunfo, e do petróleo que abastece a refinaria Alberto Pasqualini (Refap), em Canoas, chega ao Estado pelas duas monoboias de Tramandaí (situadas a quatro e seis quilômetros da costa). Os equipamentos também servem para levar até os navios gasolina e óleo diesel destinados à exportação. Outra atividade envolvendo o mar e desenvolvida pelos moradores de Tramandaí, citada pelo secretário, é a pesca. No entanto, Rosa ressalta que essa prática é feita de forma mais artesanal na região.