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Corte de orçamento leva Sistema S a 'fazer mais com menos'
Dirigentes de entidades que compõem a organização afirmam que sequer conseguem mensurar impacto social e buscam interlocução com o Congresso Nacional
Composto por nove entidades corporativas (Sesi, Senai, Sesc, Senac, Sest, Senat, Senar, Sescoop e Sebrae) e duas agências de fomento (ABDI e Apex), o Sistema S corre o risco de diminuir a oferta de ensino, cursos profissionalizantes e oportunidades de lazer e cultura para, aproximadamente, 12 milhões de pessoas em todo o País.
O alerta parte de dirigentes de federações e confederações patronais, preocupados com o anúncio de integrantes da equipe do governo de Jair Bolsonaro de que haverá cortes na contribuição do sistema. "Nossa atuação no Rio Grande do Sul poderá ser prejudicada, mas não iremos parar: o desafio será fazer mais com menos", afirma o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn. O dirigente pondera que "é precipitado prever o que vai acontecer" caso os recursos enxuguem.
No Estado, o Sesc oferece educação integral (a partir dos seis anos, no Ensino Fundamental - incluindo refeições), serviços de odontologia, tratamentos de saúde com médicos generalistas; realiza festivais de cultura e administra 11 teatros próprios, fomenta lazer, ofertando pacotes de passeios para a comunidade e disponibilizando 140 mil vagas de receptivo em hotéis do trade turístico local; além de distribuir 1,9 milhão de quilos em alimentos/ano (Projeto Mesa Brasil) para creches e asilos.
Segundo Bohn, em 2018 foram investidos R$ 90 milhões em atividades culturais (21 mil apresentações de artes cênicas e música), de esporte, recreação e turismo; e outros R$ 27 milhões em saúde, lazer, assistência e educação, beneficiando 3,8 milhões de pessoas. Já o Senac é totalmente focado para a formação técnica, com cursos nas mais diversas áreas, em 40 unidades e duas faculdades que oferecem graduação e pós-graduação (em Porto Alegre e Pelotas).
Com o mesmo intuito de prover capacitação profissional e acesso ao lazer e à cultura para trabalhadores brasileiros, outras entidades (Sescoop, Sebrae, Senar, Sest e Senat) foram instituídas ao longo dos anos. E cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Controladoria-Geral da União (CGU) fiscalizar a aplicação dos recursos entre filiados do sistema.
Criados no início dos anos 1940 com a função de qualificar profissionais da indústria (Sesi e Senai) e do comércio (Sesc e Senac), além de prover atividades de educação e cultura, os chamados serviços sociais autônomos são entidades de direito privado sem fins lucrativos, mas que administram recursos que têm de ser aplicados em favor da sociedade.
Parte da receita do Sistema S é oriunda da contribuição compulsória (que varia de 0,2% a 2,5%) sobre a folha de pagamento das empresas brasileiras. Esses recursos são recolhidos junto com os tributos do INSS, passam pelo Ministério da Previdência e seguem para as Confederações Nacionais, como a da Indústria e a do Comércio, que os repassam às 11 entidades que formam a organização.
Como essa contribuição é embutida pelas empresas no preço de seus produtos, ela é repassada ao consumidor. Por isso, também, pode ser considerada um recurso público, o que justifica a gratuidade em muitos cursos técnicos, atividades culturais e serviços de educação ofertados pelos serviços sociais autônomos. Em 2017, o valor total da receita orçamentária, via arrecadação indireta, das 11 entidades que formam o sistema, foi de R$ 17 bilhões.
Recursos já haviam sido solicitados pela União
Defendida em governos anteriores, a proposta de corte orçamentário do Sistema S está na pauta do Ministério da Economia (ME) com o argumento de desonerar a folha de pagamento das empresas. O grupo de entidades que formam a organização já estava na mira da União desde o governo de Dilma Rousseff.
O ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy tentou, em 2015, reter 30% dessas verbas dentro de um pacote de corte de gastos e aumento de receitas para equilibrar as contas públicas, mas não obteve sucesso. Em outubro do ano seguinte, o senador Ataídes de Oliveira apresentou um Projeto de Lei (PL) que destina 30% dos recursos do Sistema S à Previdência Social, mas a pauta não evoluiu.
Em dezembro de 2018, antes de assumir o Ministério da Economia, Paulo Guedes defendeu, em palestra a empresários, "meter a faca" no Sistema S para reduzir gastos e impostos. Ainda sem definir o percentual (que deve variar entre 25% e 50%), o governo afirma que é preciso transparência das entidades diante do TCU. Em janeiro, o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade (Sepec) do ME, Carlos Alexandre da Costa, disse que "está na hora de abrir a caixa-preta do Sistema S para a sociedade".
Em nota, a assessoria de imprensa do ME informa que "o tema ainda está em discussão e as decisões mais importantes estão sendo analisadas".
Constituição Federal ampara a contribuição
Uma frente composta por deputados estaduais e federais gaúchos tentará impedir o avanço do PL 10.372/2018, que trata do corte orçamentário do Sistema S. A iniciativa partiu de um apelo do presidente do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop-RS), Vergílio Perius, junto a lideranças do setor cooperativista e da Frente Parlamentar de Apoio ao Cooperativismo do Estado (Frencoop-RS) da Assembleia Legislativa.
"O Sistema S tem feito um traba- lho de grande impacto na formação profissional e na qualidade de vida de milhares de gaúchos", afirma o presidente da Frencoop-RS, deputado Elton Weber.
"Em nível nacional, nossa administração está com intervenção em três estados do Nordeste por terem aplicado mal seus recursos", admite Perius. "Lá, eles estão com auditor permanente para cuidar da boa aplicação destes valores, e os funcionários estão passando por treinamentos para entender a complexidade do tema."
Apoiado no artigo 240 da Constituição de 1988, o dirigente demonstra tranquilidade sobre a ameaça de corte orçamentário e interpreta a fala de Guedes como um "chamado" para que as entidades do Sistema S atentem aos apontamentos do TCU.
"Não vai ocorrer (o corte orçamentário), a não ser que façam uma emenda constitucional - e nós iremos trabalhar para fazer frente a essa iniciativa. Além disso, mesmo que alterassem essa legislação por emenda, existem outros artigos na Constituição que dificultariam o processo", observa Perius. "O governo sabe que tem que atender aos princípios constitucionais."
Em 2018, a receita da entidade em nível nacional foi de R$ 370 milhões, enquanto, no Estado, atingiu R$ 40 milhões. Contando com 2,9 milhões de sócios e 426 cooperativas, o Sescoop-RS destina, pelo menos, 70% do valor arrecadado para treinamento e capacitação dos profissionais do setor.
"É uma demanda grande, pois há cooperativas em todos os setores da economia - atendemos 13 ramos e temos 250 empresas cadastradas", diz Perius. "Nossas ações são especialmente voltadas para o treinamento e a capacitação de profissionais, de gestores até quem participa do programa Jovem Aprendiz", resume.
Em 2018, o Sescoop-RS investiu R$ 29 milhões (76% da receita) em atividades-fim. Além de cursos técnicos, oferece cursos de extensão para a comunidade, graduação, mestrado e MBA a gestores do setor cooperativista.
TCU analisa relatório sobre o Sistema S
Atualmente, o Tribunal de Contas da União (TCU) está analisando relatório sobre "possíveis" irregularidades em algumas entidades do Sistema S, após realizar, em 2018, auditoria solicitada pelo Congresso Nacional. O pedido partiu do senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), que contesta a transparência no uso dos recursos da arrecadação indireta dos serviços sociais autônomos.
Durante o trabalho de levantamento de informações sobre os valores referentes à arrecadação direta e indireta de todas as entidades da organização no ano de 2017, o TCU apontou lacunas no que se refere às demonstrações contábeis e contestou valores de salários de cargos de executivos, além de gastos na aquisição de terrenos e prédios.
À frente da Fecomércio-RS que administra o Sesc-RS e o Senac-RS (cuja receita conjunta é de R$ 550 milhões), o empresário Luiz Carlos Bohn rebate: "Nossa transparência é bastante grande. Apresentamos balancetes mensais, acompanhados pelo Conselho Fiscal Nacional, que verifica periodicamente a prestação de contas e aponta o que deve ser feito."
O presidente da Federação gaúcha também afirma que a entidade realizou uma pesquisa junto a empresas do mesmo porte dos serviços sociais autônomos que administra, e concluiu que o salário de seus diretores e gerentes é semelhante à média do mercado.
Impactos serão equivalentes à redução praticada
O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Petry, adverte que se ocorrerem os cortes orçamentários no Sistema Indústria, "os impactos serão equivalentes à redução praticada".
Formado por federações estaduais e sindicatos patronais, o Sistema Indústria é uma rede nacional de caráter privado responsável por iniciativas de apoio ao setor. A partir das demandas identificadas nas empresas pelas entidades que formam o Sistema, é ofertado educação básica, formação profissional, capacitação empresarial e soluções técnicas e tecnológicas às indústrias.
A organização também desenvolve programas socioeducativos que contribuem de maneira efetiva para melhorar as condições de segurança e de saúde no ambiente de trabalho.
Neste sistema, a Fiergs é a representação do empresariado industrial gaúcho, criada para a promoção e o desenvolvimento da economia do Estado e do País, com foco em competitividade.
"Dados do Sistema Indústria mostram que serão cortadas no País 1,1 milhão de vagas por ano em cursos profissionais", afirma. Petry calcula que, caso os recursos enxuguem, mais de 18 mil trabalhadores do Senai e do Sesi serão demitidos; 317 escolas serão fechadas (prejudicando 498 mil alunos) e 1,2 milhão de pessoas irão ficar sem atendimento em saúde.
O presidente da Fiergs sublinha ainda que as contas do Sistema S são fiscalizadas e aprovadas pelo TCU. "Há, portanto, uma fiscalização externa, conforme a Lei nº 8.443 de 1992 - ou seja: há 27 anos o TCU monitora os investimentos dos serviços autônomos", destaca.
CNI foi alvo de operação da PF sobre corrupção
A instituição que administra o Sesi e o Senai é a Confederação Nacional da Indústria (CNI), cujo presidente, Robson Braga de Andrade, foi afastado do cargo no dia 20 de fevereiro, por decisão do juiz da 4ª Vara Federal de Pernambuco, César Arthur Cavalcanti de Carvalho. Alvo da Operação Fantoche da Polícia Federal (PF), Robson Andrade - também diretor do Departamento Nacional do Sesi - é investigado por envolvimento em supostas fraudes em convênios de empresas com o Sistema S e o Ministério do Turismo (MTur). Ele é apontado de estar vinculado à "origem" de esquema que envolveria um grupo de empresas que já teriam recebido R$ 400 milhões de verba desviada de contratos com o MTur e o Sesi. Preso no dia 19, Andrade foi solto após depoimento à PF, em Brasília.
No Estado, o Sesi atua em 416 municípios. Possui Conselhos Consultivos e Conselho Regional, e é formado por empresários voluntários, que juntamente com as diretorias analisam e aprovam os recursos a serem investidos em saúde do trabalhador, educação, inovação e tecnologia. Segundo números de 2018, o Sesi-RS realizou 11,3 milhões de atendimentos. Também foram atendidas pelo serviço autônomo do setor 8,2 mil indústrias gaúchas; enquanto 89 mil matrículas (60 mil gratuitas) foram realizadas, e cerca de 181 mil consultas odontológicas e 260,8 mil atendimentos beneficiaram trabalhadores do setor.
A estrutura de atendimento do Sesi-RS é composta de quatro escolas de Ensino Médio, 16 polos presenciais de EJA-EaD; 31 unidades móveis (odontológicas, saúde ocupacional e treinamentos de NRs); 46 unidades operacionais (CATs, Centro Esportivo e Sesi Saúde Educacionais), 37 gabinetes odontológicos próprios, 26 bibliotecas fixas e 106 postos de atendimento nas indústrias.
Transparência é um dever, avalia presidente do Sebrae
O presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), João Henrique Sousa, afirmou que "a transparência (do Sistema S) ultrapassa o simples desejo de informar, tornando-se um dever para com a população". "O relatório do TCU representou uma excelente oportunidade para que o Sebrae pudesse divulgar amplamente seu portal de transparência, que traz o detalhamento do nosso orçamento; apresenta nossas receitas e despesas e todas as nossas licitações e contratos", afirmou o dirigente, em nota.
Souza destacou que o Sebrae "se sujeita à fiscalização exercida pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que avaliam o bom uso dos recursos à luz dos princípios da legalidade, legitimidade, economicidade, bem como frente à efetividade de programas e projetos de atendimento".
Segundo ele, a prestação de contas também é feita por meio do relatório de gestão, documento elaborado anualmente, onde são apresentadas informações sobre os resultados obtidos em cada ano (estratégias, recursos e aplicação destes valores).
Em 2017, o serviço social autônomo responsável por promover competitividade e o desenvolvimento sustentável dos empreendimentos de micro e pequeno porte - aqueles com faturamento bruto anual de até R$ 4,8 milhões, além do Microempreendedor Individual (MEI) - realizou R$ 9,9 milhões de atendimentos; 5,2 milhões de orientações técnicas; 1 milhão de cursos presenciais ofertados, além das palestras e cursos EaD.
No Rio Grande do Sul, a organização está presente em todas as regiões, através de unidades de atendimento físicas. Os projetos, capacitações e consultorias atendem desde o empreendedor que pretende abrir seu primeiro negócio até pequenas empresas que já estão consolidadas e buscam um novo posicionamento no mercado.
Com atendimento individualizado (presencial e a distância) e através dos projetos coletivos (grupos de empresas do mesmo setor e objetivos comuns), a entidade orienta e qualifica os pequenos negócios de todos os setores (indústria, agronegócio, comércio e serviços) para que sejam lucrativos e competitivos, e que a cultura empreendedora se consolide plenamente.
De acordo com informações do Sebrae Nacional, a demonstrações financeiras de todas as unidades (ao todo, 27) deste serviço social autônomo são auditadas ao final de cada trimestre, com o objetivo de assegurar a ausência de erros em sua apresentação, bem como recomendar, quando aplicável, ações para o aprimoramento dos controles.
"Além disso, o Sebrae possui um Programa de Integridade Corporativa, que se encontra em seu quinto ano de execução, e que tem como objetivo formalizar o comprometimento da empresa com a ética, a transparência e as boas práticas de governança", destaca Sousa. O Programa de Integridade Corporativa desdobra-se em ações, como os comitês de compliance, o Código de Ética, a modernização da ouvidoria, o aperfeiçoamento contínuo do sistema de controles internos para mitigações de riscos e a capacitação dos colaboradores.