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Natal exige preparo físico e psicológico, diz Papai Noel
Todos os anos, Nerci Cleon Kern deixa a barba crescer para se transformar em Papai Noel nos shoppings
MARCO QUINTANA/JC
Marcelo Beledeli
Desde 2010, o funcionário público Nerci Cleon Kern, 58 anos, segue, todos os anos, um ritual. Seis meses antes do Natal, ele para de usar o aparelho de barbear e deixa os pelos da face crescer até formar uma longa barba branca. Então, no final de novembro, começa a exercer uma segunda função além do trabalho no Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) dentro da Receita Federal no aeroporto de Porto Alegre.
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Desde 2010, o funcionário público Nerci Cleon Kern, 58 anos, segue, todos os anos, um ritual. Seis meses antes do Natal, ele para de usar o aparelho de barbear e deixa os pelos da face crescer até formar uma longa barba branca. Então, no final de novembro, começa a exercer uma segunda função além do trabalho no Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) dentro da Receita Federal no aeroporto de Porto Alegre.
Kern pega sua moto (uma Falcon 400 ano 2008) e dirige-se a um shopping center, onde, em um camarim, coloca uniforme vermelho, gorro e botas. Com isso, ele deixa de ser o técnico em informática, marido de Claudia da Silva Kern e pai da Mariana da Silva Kern, para se transformar em um bispo do século IV que mora no Polo Norte, uma figura mítica conhecida ao redor do mundo por distribuir presentes no Natal e, acima de tudo, uma espécie de pai, avô e amigo para milhares de crianças: Papai Noel.
Como tantos que exercem esse emprego temporário tradicional do período natalino, Kern começou na atividade como forma de complementar renda - um trabalho "bem-remunerado", confessa. No entanto, as experiências que teve com a profissão fizeram algo que era apenas um emprego transformar-se em uma missão: ajudar a trazer alegria para as crianças e suas famílias. Nesta entrevista, feita no Shopping Iguatemi, onde trabalha há dois anos, Papai Noel conta um pouco de como é o seu trabalho e o que faz essa atividade ser tão gratificante.
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JC Empresas & Negócios - Como começou a trabalhar como Papai Noel?
Papai Noel - Essa atividade surgiu na minha vida há oito anos. Minha filha, que hoje tem 28 anos, trabalhava no Shopping Iguatemi como Noelete, ajudante de Papai Noel, e eu a buscava muito seguidamente no serviço. Na época, tinha começado a usar barba, e não estava nem muito branca ainda, era grisalha, mas o pessoal da agência responsável pela equipe perguntou se eu queria experimentar ser Papai Noel um dia. Resolvi topar e, desde então, não parei mais. Continuo até hoje na mesma agência. Já trabalhei no Bourbon, no BarraShoppingSul, no Paseo e, agora, estou há dois anos no Iguatemi. Mas também participo de shows, faço apresentações privadas para empresas, famílias, e outras de caridade para instituições, creches. Neste ano, fui em um evento com crianças carentes, maltratadas pelos pais, isso foi muito gratificante, poder levar alegria a elas.
Empresas & Negócios - Que cuidados você tem para exercer esse papel?
Noel - Primeiro, é preciso ter barba natural. Eu deixo crescer seis meses. Chega no dia 25 de dezembro, eu corto, fico seis meses sem barba, e depois outros seis meses barbudo. Eu ando de motocicleta, então, quando chego aqui, tenho que ajeitar a barba, porque as crianças dão atenção especial a esse detalhe. Tenho cinco trajes completos de Papai Noel em casa, todo o aparato, sempre limpos e prontos para serem usados.
Empresas & Negócios - Quanto ao trabalho, o que é preciso para ser um bom Papai Noel?
Noel - A agência dá cursos, ensina como tratar com crianças. Não é só chegar na cadeira e sentar. É uma atividade cansativa, todos os dias, sem folga, durante 48 dias, com turnos de cinco a quase sete horas. Diariamente, passam cerca de 1,4 mil pessoas pelo Papai Noel. Eu saio daqui às 23h e, no outro dia, às 6h estou indo para o meu emprego normal. Então, a rotina desses dois meses é muito puxada. Quem quer trabalhar com isso tem que gostar de criança e ter jogo de cintura. Você conversa com milhares de crianças e adultos, e cada um é diferente. Geralmente, só falam o que querem de presente, como estão na escola, como estão os irmãos. Mas, às vezes, as pessoas te dizem coisas que te chocam, ou são rudes, e você tem que manter a compostura. Acho que é preciso ter muito cuidado com o que conversar. Não falar coisas polêmicas, como futebol e política. É preciso saber que, naquele momento, você não é simplesmente um Papai Noel, mas é o Papai Noel da criança que está contigo.
Empresas & Negócios - Nessas milhares de conversas, muitas devem ter sido emocionantes. Como lida com essas situações?
Noel - É preciso ter preparo psicológico, saber lidar com essas situações. Muitos pedem que o pai e a mãe que estão separados voltem, ou a cura de alguma doença na família. Eu procuro ficar bem tranquilo, pois, se ficar nervoso e demonstrar isso, é até pior para a criança. E muitos pais costumam usar a visita para insistir na questão de largar o bico ou a mamadeira, e procuram passar essa responsabilidade de convencimento para os papais noéis. Isso acontece diariamente. Papai Noel é como se fosse um psicólogo, e não apenas para os pequenos, mas também para adultos. Costumo receber pessoas idosas, de cadeira de rodas, pessoas do Interior que nunca tinham encontrado um Papai Noel quando estavam na infância. E muitas delas querem conversar, falar de carências, descarregar problemas, querem falar da vida, desabafar.
Empresas & Negócios - Em comparação com quando o senhor era criança, muita coisa mudou no espírito de Natal?
Noel - A figura do Papai Noel está igual, e o espírito natalino, de festa, ainda é forte. O que piorou é o consumismo. Querem coisas caras, presentes que oneram os pais, e eles acabam dando. Às vezes, até tento orientar, "quem sabe tu não escolhes um presente mais barato". Às vezes, me chateio por esse consumismo, que pode pesar muito para as famílias. Antigamente, dava-se qualquer presentinho para a criança e ela estava satisfeita. Hoje, elas já chegam com o que querem definido: quero o brinquedo tal, a boneca tal, que é desse jeito. Isso me incomoda.
Empresas & Negócios - Fazer esse trabalho trouxe alguma mudança na sua vida?
Noel - Passei a enxergar as coisas de forma diferente. Esse serviço dá oportunidade de conhecer muitas famílias, com hábitos completamente diferentes, e a conversar com cada uma delas. Tu começas a ter uma visão diferente da vida. Recebo pessoas que têm filhos com deficiência, e conheci muitas histórias sofridas, tristes. Mas tem que saber como lidar. Tem um menino com Síndrome de Down que me reconhece há anos e foi me visitar em todos os shoppings pelos quais passei. Em uma semana, ele veio me ver duas vezes aqui no Iguatemi. A família já me reconhece também. Tu acabas criando vínculos. Tem gente que lembra: "tirei foto com o senhor no ano passado!". Isso é muito gratificante, é o que me dá forças pra continuar com o trabalho ano após ano. Não é nem o fato do dinheiro como trabalho temporário, eu não precisaria disso. Venho porque gosto. E pretendo seguir o máximo que puder. Tenho 58 anos, sou um dos papais noéis mais jovens, por isso me chamam ano após ano. Uma pessoa de idade não aguenta muito tempo essa rotina.
Empresas & Negócios - Papai Noel existe?
Noel - Claro que existe! Essa magia do Natal faz ele existir. As crianças ainda acreditam em Papai Noel, um velhinho que protege, ajuda. É muito legal trabalhar com isso, justamente porque se vê que a criança acredita na figura.
Empresas & Negócios - O que o Nerci pediria ao Papai Noel?
Noel - Pediria que as famílias fossem mais unidas, que os pais olhassem mais pelos filhos. Hoje, muitos pais e mães são forçados a um ritmo muito louco, ficam muito focados no trabalho e em ganhar dinheiro, chegam em casa e quase não dedicam tempo a conviver, brincar, conversar com seus filhos. Sinto que isso é muito necessário nas famílias.