Quando o músico norte-americano Afrika Bambaataa, considerado, por muitos, o pai do hip-hop, subiu ao palco da Associação de Cultura Hip Hop de Esteio (Ache), os adolescentes que frequentam diariamente aquele espaço oscilavam entre o riso e o choro de alegria. Acompanhado de Bambaataa, Da Guedes e Thaíde, referências do rap nacional, se faziam presentes. E os jovens, que já tinham aprendido tudo sobre os cantores na aula que aborda as raízes do hip-hop, concretizavam, naquele dia, o sonho em cultura. O evento, realizado no início de novembro, marcou o primeiro ano de atividades da Ache, que atende, diariamente, 60 jovens, de 12 a 24 anos, e proporciona oficinas que ligam cultura e cidadania.
A festa pelo aniversário de um ano também foi marcada pelo contrato de comodato entre os integrantes do projeto e a proprietária do espaço, que, a partir daquele dia, cedeu a casa à associação por cinco anos. Se, antes, o local era usado como ponto de tráfico e prostituição, as cores vibrantes e o grafite nas paredes trazem renovação e segurança ao bairro. O hip-hop traz a cultura.
Com isso, o estilo musical que nasceu nas ruas e periferias das grandes cidades ganha mais um instrumento de valorização na Região Metropolitana de Porto Alegre. Com o status de maior projeto de hip-hop da América Latina, a casa é usada, há um ano, para discussões frente às problemáticas culturais e sociais, os desafios da população negra, entre outros temas ligados à preservação da cidadania. Ali, também são recolhidos alimentos para as famílias carentes de Esteio, através de um projeto que já distribuiu cerca de sete toneladas de alimentos, entre março e novembro deste ano.
Porém, o principal trabalho da Ache, neste primeiro ano de atividades, tem sido o fortalecimento de suas oficinas gratuitas, divididas em quatro frentes de atuação, e que recebe o apoio do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul, através do programa de erradicação do trabalho infantil. As oficinas representam elementos da cultura hip-hop - DJ, MC, grafite e breaking -, e cada integrante do projeto tem que passar, sistematicamente, por cada um desses elementos. O quinto elemento dessa cultura é o conhecimento. Não necessariamente de matérias acadêmicas, mas o que se aprende na rua, inato a todos acolhidos da associação, e que serve como motor poético.
"Toda semana, os jovens trabalham um tema ligado à cidadania em cada uma das oficinais, como perceber a urbanidade na dança break ou as formas de resistência no grafite. Por isso, consideramos a cultura hip-hop como um instrumento didático", diz o coordenador pedagógico da Ache, Rafael Maltoni.
Enquanto a arte do hip-hop movimenta, diariamente, os estudantes que acessam as oficinas no contraturno da escola, o centro cultural em Esteio planeja novas atividades, a fim de gerar renda e estimular a produção de seus participantes. Em reforma, a sala de serigrafia será um desses locais.
"Boa parte do sustento da associação vem da serigrafia, através de encomendas externas, e a gente quer mostrar aos estudantes como é possível gerar renda a partir disso. A serigrafia é ramificação da arte do grafite, e usá-la como sustento é perpetuar a cultura hip-hop", ressalta o responsável por essa área, Rahill Gonçalves. As oficinas de serigrafia estão previstas para começar no próximo ano.
Outra sala que se apronta receberá o estúdio de música e estará disponível a todos os frequentadores do projeto. "A ideia é que o estúdio seja uma porta de entrada para a música. Um espaço para descobrir novos talentos, mas também dar suporte para quem não tem experiência ou não tem os equipamentos adequados", diz o produtor musical Alexsander Martins. O estúdio também vai receber palestras e workshops de introdução musical. Martins acrescenta que conheceu a Ache há pouco tempo, mas decidiu entrar no projeto por nunca ter visto nada parecido antes: "O potencial do espaço é muito grande, a entidade recém fez um ano, e temos muitos projetos em andamento, como a quadra poliesportiva e a horta comunitária. Ainda temos muito para crescer".