Vitrine do ajuste fiscal do governo Michel Temer, o teto de gastos, aprovado há dois anos, divide os principais pré-candidatos à Presidência da República. Sete entre os 13 que foram consultados são contrários à manutenção da regra como está desenhada hoje - e prometem revê-la.
O teto de gastos, proposto pelo governo em 2016 via emenda constitucional, congelou por 20 anos as despesas públicas - o crescimento dos gastos foi limitado à inflação do ano anterior.
Quando a proposta foi apresentada, avaliava-se que ela facilitaria também a aprovação da reforma da Previdência, por deixar claro que, sem essa mudança, os gastos previdenciários passariam a consumir uma fatia cada vez maior do Orçamento, paralisando a máquina pública. Sem a reforma, o teto de gastos passou a ser mais questionado.
Cálculos mais recentes da consultoria Tendências apontam que as despesas totais do governo ultrapassariam o teto de gastos em 0,4% em 2020, continuando a estourar o limite nos anos seguintes. Entre este ano e o próximo, só a despesa com Previdência passaria de 43,3% do total para 45,6% - chegando a mais da metade em quatro anos.
A previsão anterior da consultoria apontava que o teto seria rompido já este ano, mas houve uma redução nos gastos obrigatórios em 2017, explica o economista Fabio Klein, da Tendências. A revisão de políticas subsidiadas, como o Fies - de financiamento estudantil -, e de juros oferecidos pelo Bndes deram um maior fôlego para o governo. Mas essa folga é curta.
"A medida pode ser dura, mas pelo menos cumpre seu objetivo. O teto não está lá por acaso, ele foi aprovado para forçar uma segunda rodada de reformas. E, quando se olha os números, a necessidade de se reformar a Previdência salta aos olhos de todo mundo", diz Klein.
Para o professor da PUC-Rio José Marcio Camargo, o teto de gastos é importante por funcionar como um alarme de incêndio que vai garantir a aprovação de uma reforma da Previdência no próximo governo. "Daqui a duas décadas, 100% do Orçamento terá de ir para a Previdência. A população vai acabar percebendo que é insustentável."
José Luiz Oreiro, professor de economia da UnB, porém, discorda. Ele diz que o próximo presidente será obrigado a abandonar o teto, por ser inviável. "Não é uma questão política, quem quer que seja eleito este ano deve anunciar que vai propor a retirada do teto junto com uma proposta de reforma."
Para Klein, será preocupante se o próximo presidente propuser a revogação da regra. "O Brasil poderia andar para trás. A regra atual é eficiente, flexibilizar isso seria um risco. A não ser que fosse ancorado em uma boa proposta reformista."
Preso na sede da Polícia Federal no Paraná, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já havia se declarado contra o teto de gastos. Também criticam a regra atual Marina Silva, Ciro Gomes, Manuela d'Ávila e Guilherme Boulos.
"As políticas públicas estão sofrendo um golpe, com a atitude irresponsável de congelar os gastos por 20 anos. Os mais afetados serão os índios, porque nesse congelamento quem está pagando o preço é a saúde, a educação, é o cuidado com as comunidades mais vulneráveis", diz a ex-senadora Marina Silva, da Rede. Para ela, o controle dos gastos deveria ser feito via lei orçamentária, e não com uma alteração na Constituição.
"O que nós defendemos é a revogação da Emenda Constitucional 95. Não tem como o Brasil crescer, como sair da crise, sem investimentos", afirma a pré-candidata pelo PCdoB, Manuela d'Ávila.
Mas mesmo pré-candidatos que se apresentam como mais alinhados às reformas feitas pelo governo de Michel Temer, como o senador Álvaro Dias (Podemos) e o ex-presidente do Bndes Paulo Rabello de Castro (PSC), são críticos aos parâmetros atuais do teto.
Entre os que defendem a manutenção da regra atual estão o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB).
A assessoria do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) não confirmou se o pré-candidato é favorável ou contrário ao teto. Mas o ex-banqueiro Paulo Guedes, guru econômico do parlamentar, se diz a favor.
"Depois de 40 anos de expansão de gasto público, não posso dizer que o teto não é algo excelente. Ter um limite de gastos para os próximos 20 anos é excepcional. É a primeira vez que alguém fala em corte de gastos públicos desde o presidente Tancredo Neves", disse o economista.
O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa, apesar de ter tido destaque nas últimas pesquisas eleitorais, também não foi confirmado pré-candidato do PSB à Presidência e por isso não foi consultado pela reportagem. Na época da votação da PEC do teto, o PSB não fechou questão e se dividiu: parte dos parlamentares votou a favor; parte, contra.
O presidente Michel Temer e o ex-ministro Henrique Meirelles, responsáveis pela criação e aprovação do teto de gastos, são provavelmente favoráveis a ele. Mas, como não foram confirmados como pré-candidatos pelo PMDB, não entraram nessa conta.
Medidas no Congresso tentam burlar controle de despesas
A restrição imposta pelo teto de gastos tem encorajado o Congresso a dar aval a soluções consideradas como precedente perigoso na criação de "válvulas de escape" ao limite de despesas, na avaliação de técnicos que monitoram as contas públicas.
Um dos exemplos disso é a medida provisória (MP) 809, que cria um fundo privado para receber o dinheiro da arrecadação de compensações ambientais, que poderá ser usado pelo ICMBio nas unidades de conservação. Em outro exemplo, o relator do projeto de privatização da Eletrobrás, José Carlos Aleluia (DEM-BA), incluiu no texto a criação de uma estrutura fora do Orçamento para aplicar recursos na revitalização da Bacia Rio São Francisco.
Fontes ouvidas pela reportagem avaliam que as iniciativas são forma clara de burlar o Orçamento, especificamente o teto de gastos. No caso do ICMBio, o texto foi aprovado pela Câmara e está na pauta de terça-feira do Senado. Se aprovado, vai à sanção presidencial.
Os parlamentares que formaram a comissão mista dedicada a debater a MP 809 admitem a intenção de burlar o teto. "Por conta da Emenda Constitucional 95, que estabelece limite de gasto, por conta de um parecer do Tribunal de Contas da União, estamos impedidos de usar quase R$ 1,5 bilhão de compensação ambiental", disse o senador Jorge Viana (PT-AC), relator da MP na comissão.
O problema, dizem técnicos, não está no objetivo da política, mas no precedente criado para que o Congresso tente apartar outras receitas e despesas, à medida que o teto imponha restrições maiores. O temor é que a MP abra o caminho para a criação de "orçamentos paralelos".
É justamente esse movimento que está acontecendo no projeto de lei da privatização da Eletrobrás. A proposta enviada pelo governo ao Congresso propõe que a companhia destine R 9 bilhões ao longo de 30 anos para a revitalização da Bacia do São Francisco, sendo R 350 milhões anuais nos 15 primeiros anos e R$ 250 milhões anuais nos últimos 15.
Aleluia quer garantir que esse dinheiro não passe pelo Orçamento, para não ficar sujeito a contingenciamentos e cortes. Uma possibilidade é a criação de uma fundação, a exemplo da Renova, criada para reparar os danos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015.
O deputado nega que essa seja uma forma de driblar o teto de gastos. "Trata-se de dinheiro privado, e seria uma fundação de direito privado. Teto de gastos só se aplica a gasto público."
O Ministério do Planejamento, que assinou a MP 809 com o Ministério do Meio Ambiente, nega que haja brecha para burlar o limite constitucional. Segundo a pasta, apenas receitas de caráter privado podem ser direcionadas para um fundo à parte, fora do teto de gastos.
O Ministério do Meio Ambiente também negou que a criação do fundo seja uma forma de burlar o teto. Procurado, o Tesouro não comentou, por se tratar de medida ainda em tramitação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.