É um daqueles espetáculos difíceis de definir e que incomodam o espectador - o que não é (nem um pouco) ruim. Mas o certo é que Traga-me a cabeça de Lima Barreto, exibido na quarta-feira passada no Theatro São Pedro, marcou, de forma certeira, o início das atividades da FestiPOA Literária, que acontece agora em maio na Capital.
A performance arrebatadora do ator Hilton Cobra como Lima Barreto hipnotizou a plateia. Nem mesmo os insistentes e incômodos aparelhos celulares, com suas luzes piscantes, apareceram desta vez (ainda bem!). O espetáculo parte de uma hipotética autópsia da cabeça de Lima Barreto com o propósito de investigar como um autor negro (e de raça supostamente inferior) realizou, em vida, obras memoráveis como O triste fim de Policarpo Quaresma.
Pelos termos da infame teoria da eugenia, apenas pessoas claras, puras, têm inteligência capaz para tal tarefa. Aos negros, aos diferentes, a simples biologia e a cor da pele são suficientes para atestar a inferioridade.
O ator, enquanto personifica Barreto, mostra à plateia quão absurdas são essas ideias. Hilton Cobra examina a podridão que se esconde nas opiniões de hoje - o racismo velado, que subjuga as pessoas pela cor da pele. É triste, choca ler no telão o veneno do preconceito destilado por cientistas no início do século XX. Triste, mais ainda, porque, 100 anos depois, pouco mudou.