O potencial de gerar mais receitas e experiência com torcedores que frequentam arenas de futebol no Brasil está na mira da gigante de tecnologia Cisco, que tem uma carteira invejável de 400 estádios pelo mundo onde suas soluções já estão presentes. A player em soluções que focam conectividade e interatividades já atua na Arena tricolor, em Porto Alegre, mas o gerente geral da divisão de indústria de consumo da Cisco para América Latina e Flórida, João Paulo Albuquerque Melo, diz que é possível agregar muito mais serviços usando o smartphone que está na mão do gremista. JP, como é conhecido no mundo da TI e quem atua no varejo no Brasil, falou com o Jornal do Comércio após uma conversa com a comitiva gaúcha que foi a Nova Iorque em janeiro, para a NRF 2018, maior feira do setor no mundo e promovida pela National Retail Federation. Um dos recados de JP é que o consumidor virou "o CEO das nossas empresas".
Empresas & Negócios - Quem determina o rumo dos negócios no varejo?
João Paulo Albuquerque Melo - Cada vez mais é o consumidor que realmente manda nas empresas. E qual é o perfil desse consumidor? Estudo que contratamos traçou que, em 2020, grande parte das facetas está concentrada no consumidor como CEO das nossas empresas. O cliente final é quem vai ditar se a empresa vai ser aceita na sociedade, e não o contrário, de a corporação forçar para que isso aconteça. O consumidor já tem este poder hoje.
Empresas & Negócios - Quais são as falhas que o senhor percebe em operações ao tentar entender este momento? Há diferença entre a grande e a pequena e a média empresa?
Melo - Não vejo muita diferença. Os pequenos também podem causar disrupção nos grandes, que podem vir a eventualmente morrer. O principal erro é as empresas não prestarem atenção no momento da transformação digital e agirem sobre ele. E não é só entender este consumidor de 2020, mas, ao mesmo tempo, como estruturar as operações para atender esse novo perfil. É óbvio que precisa ter o melhor produto ou serviço do mercado. Estudo do Institute Management and Development (IMD), da Suíça, mostra que apenas um terço das empresas e dos altos executivos está fazendo algo em mudança dentro dos seus negócios para ter condição de acompanhar o que está ocorrendo no mercado. Outros 60% ou 66% não estão fazendo nada. É aí que mora o erro.
Empresas & Negócios - O CEO do Walmart falou que eles não são mais uma empresa de varejo, mas de tecnologia. O que isto significa quando se trata do maior varejista do mundo?
Melo - Todas as empresas deveriam utilizar da tecnologia para suas estratégias. A questão não é de um ou outro grupo, mas sim de ver empresas se posicionarem e indicarem que se utilizam dela para transformar seu negócio e atender o cliente final, seja pelo canal tecnológico ou até pelo vendedor. O vendedor é o ente físico, mas podemos ter um robô de um lado e um drone de outro, mas a conversação, o respeito e o entendimento de você, consumidor, e a empresa é pessoal. Esta questão vista pelo Walmart, que é supermercadista, indica que o grupo busca a tecnologia para se comunicar melhor com seu público.
Empresas & Negócios - O que é levar o conceito de entretenimento e espetáculo para ambientes de varejo?
Melo - Os shopping centers ou ambientes de alta concentração de consumidores buscam hoje se reinventar para trazer mais experiências para usuários desses ambientes para que eles fiquem mais tempo e, obviamente, consumam mais produtos e serviços. Os empreendimentos têm de se reinventar, pois já vemos a morte de modelos tradicionais. O que se busca são modelos menos convencionais e com experiências imersivas. O grupo mexicano de cinemas Cinépolis, um dos maiores na América do Sul, está investindo não só na sala tradicional, mas em ambientes únicos, que têm a tela para assistir ao filme e tobogãs, piscinas de bolinhas, para que pais levem suas crianças. Até a iluminação é pensada. A sala fica à meia luz, pois a criança pode chorar se ficar na escuridão. Ou seja, o usuário consome como família. Se pensa até em intervalo para os pequenos irem ao banheiro. Este é um exemplo da jornada que a indústria do cinema, que também sofre uma grande disrupção, está fazendo. Outra experiência é criar ambientes com realidade virtual. A pessoa consome esta cadeia de coisas dentro de um mesmo local. E tudo isto tem tecnologia no meio.
Empresas & Negócios - Quais são as oportunidades para a Cisco?
Melo - Está na conectividade disso tudo, como poder capturar o perfil de quem é o frequentador, do que ele gosta, idade, o que faz, se gosta de pipoca ou não e como. Hoje o cinema ou mesmo as lojas não sabem como fazer. Precisa ter um Wi-Fi para isso. São serviços utilizando tecnologia para aumentar consumo e reduzir custos operacionais.
Empresas & Negócios - As arenas de futebol viraram ambientes com toda esta interatividade, como isto é usado no Brasil?
Melo - A Cisco entrou no segmento de esportes em 2007 para criar disrupção e numa época em que não se tinha essa difusão de smartphones, como também não se tinha um uso tão profundo como é hoje. Uma pessoa tem dois ou até três aparelhos! Decidimos investir para gerar conectividade robusta com Wi-Fi, além disso com sinalização dinâmica, com vídeos e outros atrativos e como ativar estes dispositivos. Em uma das arenas que administramos na Austrália, um fã que faz uma foto com seu celular ao chegar ao local verá, em tempo real, aquela imagem no telão do estádio. O que faz ele se sentir parte do espetáculo. O torcedor também faz o pedido de comida da sua cadeira e retira em uma fila especial. No Brasil, começamos a atuar na Copa do Mundo de 2014. Há um grande potencial de consumo nas arenas. Estamos na Arena do Grêmio, em Porto Alegre onde já fazemos a conectividade, agora queremos dar o passo da interatividade.
Empresas & Negócios - O que a Cisco propõe para a Arena tricolor e outras pelo País?
Melo - Temos 14 arenas com conectividade básica. Algumas como a Alianz Park e a do Corinthians têm alguns serviços a mais. Mas tudo depende da maturidade do mercado, ou seja, dos operadores das arenas e dos clubes em capturar mais receitas com as interações tecnológicas. O que já se vê no mercado dos Estados Unidos. Na Austrália, nenhuma das 22 arenas fazia isso, e hoje 19 que administramos fazem e mais duas de concorrentes. Só falta uma. O mercado do Brasil percebe agora que é possível dar este passo.
Empresas & Negócios - Qual é o impacto destas soluções para a receita dos clubes?
Melo - Em média, a receita com a venda de publicidade na arena aumenta 10% a 20%, de comida e bebida, 16% a 18%, e de mídia digital em site cresce 300%. Dá para trazer ao Brasil este tipo de eficiência operacional. Fazemos estudos específicos sobre os impactos, assim como sobre as expectativas dos fãs na arena, o que ele quer mais? Conforto, comida e bebida melhor, mais facilidade de estacionamento e um valor de ingresso menor? Mas 75% das pessoas estão dispostas a pagar mais quando se têm uma experiência diferenciada. Não é uma questão de preço do tíquete, mas do valor que se traz para aquele preço de ingresso.