O publicitário João Satt, da agência Competence, que integra o G5, de Porto Alegre, teve papel fundamental na concepção do Marcas de Quem Decide. Há 20 anos, quando a ideia surgiu, Satt participava das estratégias de reposicionamento do Jornal do Comércio. O formato de entrega da pesquisa, portanto, contou com sua influência. Nesta entrevista, ele lembra esse momento histórico e compartilha suas interpretações sobre branding e o universo de criação de valores para as empresas
Marcas de Quem Decide - Como foi a sua participação no Marcas de Quem Decide?
João Satt - Pouco antes do Marcas nascer, a Competence estava fazendo o reposicionamento do Jornal do Comércio. E, naquele instante, concluímos, junto com a diretoria do JC, que o jornal era uma fortaleza, mas que precisava definir com clareza sua pauta. Não tinha pauta melhor que ser o jornal de economia e negócios do Rio Grande do Sul. O JC, até hoje, não só utiliza esse posicionamento como entrega isso. Todo posicionamento é uma promessa, uma expectativa que a marca leva ao mercado. Paralelamente a isso, começava-se a discutir a questão de marcas. E, naquela época, estavam muito em voga as pesquisas de top of mind. Eu já tinha iniciado meu mergulho no universo das marcas e participado como jurado do The New York Festival, um festival de propaganda muito importante que acontece na cidade de Nova Iorque. Eles têm uma premiação especial chamada AME, que significa Advertising Marketing Effectiveness (Efetividade de Marketing na Comunicação). Marketing, no fundo, é marca. Trouxe para a reunião esse aspecto: não adianta ter uma marca lembrada, tem que ter uma marca comprada. Todas as demais pesquisas são só top of mind. Às vezes, lembras uma marca, mas preferes ir na outra. Ou porque é melhor, ou porque é mais barata.
Marcas - Nesses 20 anos, você foi colaborador incansável, com vários artigos publicados. O que destacaria?
Satt - Em um deles, comentamos que tudo que marca faz marca. Um comercial de rádio, por exemplo, leva 30 segundos, enquanto uma loja passa 12 horas por dia fazendo marca. Quando tem uma vitrine mal feita, aquilo está fazendo marca; uma vendedora que te atende mal está fazendo marca. A organização pode estar fragilizando ou fortalecendo a marca. Por isso que os modelos organizacionais são extremamente importantes no negócio, que é o organismo. A marca é a pele. Todos esses conceitos foram sendo apresentados por nós através do Marcas de Quem Decide. Não encontro nenhuma outra publicação que tenha tido a disciplina, a consistência e a abrangência do Marcas. Ele teve papel didático de explicar para o mercado o que estava acontecendo. Nesse tempo, passamos de uma agência para um grupo de empresas que trabalha com valor, que é o G5.
Marcas - Pois então, como se gera valor a uma marca?
Satt - Valor é tudo aquilo que é importante para alguém. As pessoas, cada vez menos, compram produtos, e, cada vez mais, valor.
Marcas - E o futuro das marcas, para onde vai?
Satt - O data driven já é uma realidade. A Netflix é um exemplo - ela vai vendo tua recorrência de hábito de preferência de filme e vai te oferecendo. A Amazon também - se compras um livro, tem outro para sugerir. Vai te mapeando. Uma das grandes moedas que teremos para o futuro serão as trocas de bancos de dados. Haverá relações entre marcas que, até então, não eram pensadas. Muitas marcas vão passar a atuar integradamente em cima de um mesmo cliente. Uma revenda de automóveis de luxo vai começar a atuar em cima do cadastro de uma relojoaria de luxo. E a recíproca é verdadeira. Essas "clusterizações" vão criar programas de fidelidade mais amplos. Também teremos muita cauda longa - ou seja, empresas que tinham determinado cliente e que só vendiam sapatos vão começar a vender roupas e acessórios para aquele sujeito, mesmo não tendo estoque físico. Por quê? Porque têm os dados daquela pessoa, sabem que ela vai consumir. Isso vai gerar, também, um redimensionamento das compras coletivas - movimento dos últimos anos e depois descontinuado. A questão do data driven e da escassez de clientes vai gerar novos modelos.
Marcas - Fala-se em marca destino. O que é isso?
Satt - As marcas, segundo a história, começaram para marcar gado. Cada um fazia seu brasão para carimbar o gado no campo. Com o tempo, esse negócio veio para o consumo e para diferenciar as commodities. Se arroz é arroz, o empreendedor começou a colocar a marca dele. Com o tempo, as marcas tiveram ainda mais importância, pois não se falava mais em commodity, e sim em categoria de produto. Constata-se, na evolução, que uma marca forte é uma marca que tem vínculos fortes, como se fosse um amigo. Tem outro elemento, que é disruptivo: quando a marca passa a ter propósito, considerando não só tua relação de consumo, mas tua relação com a vida. Ela pensa o que é importante para a tua vida e assume aquilo. Posso ter um propósito cujo objetivo não é só vender um produto, mas realizar teus sonhos. Ser uma marca destino é igual a ser uma marca que te atende com completude, de uma forma extraordinária. O propósito e o destino estão umbilicalmente ligados.
Marcas - O que as empresas devem saber sobre a nova forma de consumo da juventude?
Satt - Essa gente traz a disrupção cultural, o conceito de usufruir a vida, de ser, e não de possuir. Do nós, e não do eu. Quando juntas tudo isso e a marca compreende o novo código cultural, ela consegue se modelar a partir do que é importante para essas pessoas. E o que é importante? É valor. O grande segredo, hoje, é desvendar quais são os valores das pessoas.
Gostou da entrevista? Confira também o artigo exclusivo de João Satt para o Marcas de Quem Decide 2018 clicando aqui.