O impacto da inovação no mundo dos negócios precisa ser visto tanto pela transformação nos setores já existentes da economia quanto pelo impulso que oferece à criação de novos negócios, em atividades que simplesmente não existiam até então. Segundo o diretor da Produttare Consultoria, Junico Antunes, o atual estágio é revolucionário e atinge todas as cadeias produtivas. "Está em curso uma nova história", diz.
Doutor em Engenharia de Produção e com uma enorme lista de clientes entre as grandes empresas do Estado, Antunes entende que os produtos, a partir da brutal capacidade de processamento de dados, transformaram-se em objetos inteligentes e conectados, com potencial para gerar negócios também inteligentes e conectados. É este fator que está fazendo girar uma forma diferente de cooperação entre as empresas. "O elemento tecnológico, potencialmente, só vai ser usado se a gestão colaborativa e inteligente gerar uma nova estrutura de mercado", afirma.
A seguir, os principais trechos da conversa:
Marcas de Quem Decide - Qual é o alcance da transformação que está em curso sobre o cotidiano das empresas e das marcas?
Junico Antunes - Está em curso uma nova história, que tem a ver com a inovação. O que é inovação? É quando entra um fator muito barato e pervasivo, que é aquele que entra em todas as camadas da economia não por acaso, mas porque tem um valor muito baixo. Entra em todos os setores da economia e gera uma nova economia. No passado, o fator decisivo era a energia barata, o petróleo. Agora, não. Um gigabyte de capacidade de processamento custava US$ 193 mil em 1980 e hoje custa US$ 0,0007. Isso significa inovação em toda a cadeia de valor, no marketing, no produto, no processo, na produção, na comercialização e no serviço de pós-venda. A economia muda radicalmente, porque vou criar novas indústrias que não existem hoje. Quando coloco o chip no produto, ele vira uma coisa, tem espaço e tempo. Se conecto a coisa com a rede, vira um produto inteligente ou conectado como outros produtos inteligentes, transformando tudo em soluções. Na verdade, o que está mudando é o regramento possível dos negócios. Esta é uma tendência claramente percebida em nível mundial na indústria de máquinas agrícolas.
Marcas - Isso ocorre em todos os setores?
Antunes - É pervasivo, mas não homogêneo. Em alguns setores, vai entrar mais; em outros, menos. Mas as coisas vão, cada vez mais, se conectar. Preciso perceber um segundo elemento, que é de gestão: uma empresa produz, compra ou coopera. Como a economia aponta para sistemas, cada vez mais, as empresas precisam aprender a cooperar para competir. Para conectar o meu produto com outro produto inteligente, preciso cooperar e ter ganhos relacionais. Tenho que trabalhar também conectado verticalmente na cadeia. Em algumas situações, a cooperação vai acontecer inclusive entre concorrentes, como na indústria eletrônica. Isso é totalmente diferente, porque há a necessidade de um outro profissional, capaz de juntar as peças para este novo mundo. O elemento tecnológico, potencialmente, só vai ser usado se a gestão colaborativa e inteligente gerar uma nova estrutura de mercado.
Marcas - No Brasil, as empresas já entenderam isso?
Antunes - Muitos setores industriais ou entram nessa discussão, ou vão morrer. E o Brasil precisa se voltar para a discussão sobre produtos, produtos modularizados, produtos conectados e inteligentes, estruturas de cooperação para gerar cadeias de produção fortes, inserção nas cadeias globais, porque o mundo se torna profundamente mais global. Outro ponto importante é a Indústria 4.0. Os habilitadores tecnológicos da indústria 4.0 estão disponíveis a preço de banana. O movimento de produto inteligente e conectado, que é para fora, e o movimento da cooperação entre empresas vão acontecer muito mais rapidamente. O que mudou não foi o produto, mas a maneira como faço negócios e como coopero. Mais difícil no Brasil é a padronização, porque cada objeto tem uma linguagem diferente e um problema de comunicação. Se os protocolos de comunicação não conversam, o sistema não funciona. A vantagem competitiva da Alemanha é que grande parte dos produtos já conversa entre si. Saímos de um mundo material para um mundo da informação, em que um produto deve ser tratado como um objeto.
Marcas - Cabe à iniciativa privada desenvolver esse sistema de comunicação?
Antunes - No caso da Alemanha, o governo fez porque tem interesse, e já viu que isso é o futuro. Também passou a ser uma ideia dos alemães para ganhar dinheiro na indústria de bens de capital. A indústria privada, principalmente a metalmecânica e a eletrônica brasileira, já sinalizou ao governo o que tem que fazer. O que os alemães jogaram no projeto da indústria 4.0 os chineses copiaram, os norte-americanos, também. Quem vai liderar no futuro? Quem conseguir com os produtos inteligentes e conectados gerar negócios inteligentes e conectados.
Marcas - Como uma empresa se prepara para ler este cenário e responder de forma adequada?
Antunes - A ruptura mais central é o big data analytics. Como aumentou brutalmente a capacidade de processamento, posso pensar em heurísticas inteligentes que me ajudem a resolver os mais variados problemas. O dado já existia, mas o tratamento dele era muito caro. Todo o paradigma é técnico-econômico. Embora tecnicamente o dado já pudesse ser tratado há muito tempo, agora os valores para tratar esses dados, a forma rápida de captura e a possibilidade de tratamento são muito maiores, e isso gera uma nova revolução: transformar uma grande quantidade de dados e informação para tomar decisão e gerar conhecimento. Na medida em que conheço melhor o comportamento do consumidor, posso abordá-lo diretamente.
Marcas - Em relação às variáveis econômicas e políticas, há algo que as empresas possam fazer para acompanhar e reagir?
Antunes - A política e a instituição dos países, como este mundo muda radicalmente, são fundamentais para que esse processo avance ou não avance. Um exemplo: uma criança de 10 anos que inventa um jogo. Na legislação, ela é considerada incapaz. Mas ela inventou um jogo, então ela pode gerar uma patente? Isso vai acontecer. O regramento jurídico no passado impediria essa operação. A instituição tem que permitir que essa sociedade aconteça, tem que ser inteligente e conectada, capaz de ajudar, o que não significa desregulamentar tudo, não sou liberal. A instituição pode atrapalhar. Por que o governo alemão entrou nesse negócio? Para gerar um ambiente positivo aos negócios inteligentes e conectados. O papel do Estado muda.