De um lado, uma empresa com 18 mil produtos dos mais variados tipos e presença em 120 países. De outro, uma companhia de capital aberto que faturou R$ 6,6 bilhões em 2017 e com 330 lojas espalhadas pelo Brasil e no exterior. Frente a frente, dois dos mais exitosos líderes empresariais do Rio Grande do Sul, falando francamente sobre alguns aspectos das suas marcas. O CEO da Lojas Renner, José Galló, e o diretor-presidente do Grupo Tramontina, Clovis Tramontina, aceitaram o convite do Jornal do Comércio e conversaram por uma hora em um talk show, dentro da programação dos 20 anos do Marcas de Quem Decide. Em meio a um certo pessimismo com o quadro político do País, ambos deixaram um recado de esperança quanto à retomada da economia, com expectativas positivas para 2018. O encontro ocorreu no Teatro Unisinos, em Porto Alegre, no dia 28 de fevereiro.
A íntegra da conversa de Galló e Tramontina será publicada no caderno especial do dia 26 de março. Na versão completa, será possível conhecer alguns bastidores administrativos de duas das marcas mais prósperas da pesquisa realizada pelo JC e pela Qualidata. Não havia pauta prévia no talk show: os dois empresários fizeram perguntas livres e revelaram, com franqueza e doses de bom humor, quais eram algumas das receitas e princípios para manter uma marca vibrante e com resultados expressivos.
No jogo de perguntas e respostas entre ambos, o primeiro a questionar foi Tramontina, que pediu para Galló falar sobre como é o relacionamento com os investidores da Renner. "Tenho 4,8 mil patrões", respondeu Galló, referindo-se à pulverização do controle acionário. A base da relação, segundo ele, está na confiança que se vai construindo, mas sempre a partir de resultados positivos e agindo com transparência. Quando o desempenho não aparece, a confiança não é afetada, pois todo o processo foi acompanhado pela governança corporativa, que precisa ser conduzida de forma "impecável", de acordo com Galló.
Logo em seguida, Tramontina provocou: "e o encantômetro ainda funciona?". O líder da empresa de Carlos Barbosa queria saber como a Renner usa as 22 milhões de interações anuais no seu sistema de consulta à opinião dos clientes, um dos traços fortes da varejista de vestuário. Galló lembrou o livro que escreveu recentemente O poder do encantamento, no qual sistematiza seus conceitos de envolvimento com o consumidor, também aplicados na construção da marca Renner. "Não queremos ser uma empresa que satisfaça, mas uma empresa que dê mais, que encante", disse. Este princípio de superar as expectativas iniciais, seja do comprador, do acionista ou do fornecedor, mais do que uma estratégia mercadológica, se espalha por toda a empresa, atingindo princípios e valores e contagiando os colaboradores.
Quando chegou a sua vez de perguntar, Galló quis saber de Tramontina como a empresa da Serra administrava o fato de trabalhar com produtos feitos de aço inoxidável, como talheres, com alta durabilidade e, portanto, sem a necessidade de renovação constante. "O aço não dá para comer", brincou Tramontina, sobre uma característica da sua linha de produtos. A saída, conforme o empresário, está em criar permanentemente novidades, despertar novos desejos, para que o consumidor volte a comprar algo da marca. Este espírito da inovação constante, inclusive, levou a Tramontina a se espalhar pelo mundo. "Queremos ser uma empresa internacional, não uma empresa global. Queremos estar próximos do consumidor com distribuição", afirmou Tramontina, ao justificar os 15 centros logísticos espalhados pelo planeta. "Se os chineses vendem aqui, por que não vendemos lá se queremos ser competitivos?"
Para uma plateia também composta por estudantes universitários, Galló e Tramontina falaram sobre os desafios de empreender no Brasil, principalmente diante de dificuldades estruturais e legais - entre elas, a legislação trabalhista, cuja reforma foi elogiada pela dupla - e com a obrigação de conviver com um setor público ineficiente. Para o líder da Renner, o projeto de tornar-se um empreendedor começa com a escolha de um sonho, consciente de que se pode acertar ou errar. "Não significa que você acerte na escolha do sonho. Mas tem que ter a coragem de ir atrás", explicou. Tramontina defendeu a ousadia como um mecanismo essencial à criação de um novo negócio: "tem que ter paixão e correr riscos".
Inevitavelmente, a dupla acabou comentando a realidade política e econômica, com críticas à ineficiência da gestão pública. Tramontina arrancou risos da plateia ao dizer que "pessimista é vagabundo". Reconheceu que ele e Galló poderiam ser enquadrados na categoria de otimistas-realistas, que acreditam na retomada da curva de crescimento, apesar do agravamento da crise política. Galló admitiu que o País atravessa uma crise profunda, de valores, mas que a economia começa a emitir sinais animadores, no tocante à inflação e aos juros. A receita em meio à turbulência, segundo Galló, foi persistir, pois se a proposta de valor da empresa é boa, ela consegue contornar as instabilidades: "Não vamos desfigurar a empresa. Não vamos mudar o nosso posicionamento, que é a nossa essência". Tramontina concordou com a lógica da Renner: "O nosso remédio foi continuar crescendo".