O uso político da Caixa Econômica Federal fez o banco se tornar o maior na concessão de empréstimos, mas, hoje, a instituição paga um preço alto: virou alvo da Operação Lava Jato, teve de afastar quatro executivos por irregularidades e, sem socorro do governo, terá de encolher para cumprir as regras internacionais de solidez financeira.
O presidente Gilberto Occhi (PP) - que também está sob investigação por irregularidades - tentou, primeiramente, obter dinheiro do Tesouro, e, depois, do FGTS, mas sofreu um revés, e a saída, agora, segundo pessoas que acompanham as discussões, é vender parte da carteira de crédito e repassar menos dividendos à União. Com isso, seria possível levantar R$ 15 bilhões.
Braço da União na implementação de programas sociais - como o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família e o Fies -, a Caixa foi loteada: das 12 vice-presidências, oito foram indicações políticas. Pego pela Polícia Federal (PF) na Operação Cui Bono, o então vice-presidente de Pessoa Jurídica (hoje chamada de Corporativa), Geddel Vieira Lima, é acusado de aprovar empréstimos em troca de propina ou para agradar a políticos. Para liberar de R$ 5 bilhões a R$ 8 bilhões em financiamentos para empresas, Geddel recebeu, ao menos, R$ 20 milhões em propina, segundo o delator Lúcio Funaro, operador do esquema no banco.
A Caixa cresceu bastante durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. Quando ele assumiu o governo, em 2003, tinha R$ 18,8 bilhões na carteira de crédito. Em 2011, na chegada de Dilma Rousseff ao poder, esse estoque já era de R$ 212,7 bilhões. A ex-presidente acelerou a política expansionista ainda mais e usou o banco para forçar as demais instituições a baixar os juros. Esse movimento foi acompanhado por uma diversificação das atividades da Caixa, que passou a fazer consignado e até financiamento de veículos.
Auditores do TCU (Tribunal de Contas da União) consideram que até programas sociais foram lançados "sem muita consistência". Criado em 2014, o Minha Casa Melhor, por exemplo, gerou prejuízo de cerca de R$ 500 milhões no primeiro ano.
Em 2016, quando Dilma deixou o governo, a Caixa já estava à frente do Banco do Brasil, com R$ 661 bilhões na carteira de crédito. A receita bateu em R$ 22,4 bilhões, mas o lucro foi de R$ 4,1 bilhões, segundo levantamento da consultoria Austin Asis. "A Caixa foi quase uma extensão do Orçamento federal, uma forma de gastar sem prestar contas e segurar a crise financeira pelo crédito", disse Luis Miguel Santacreu, analista da Austin Asis. Segundo ele, a Caixa viu seu capital minguar diante dos custos elevados da prestação de serviços e do pagamento de dividendos bilionários para que o governo cumprisse suas metas fiscais.
Desde 1995, quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a presidência, até o fim de 2016, a Caixa pagou quase R$ 40 bilhões à União, em valores corrigidos pela inflação. Somente com Dilma, o banco remeteu ao controlador R$ 29 bilhões - 72,5% do total. Nesse mesmo período, o lucro do banco caiu 20%.
No governo Dilma, a eficiência medida pela relação despesas/receita bateu em 71%. Hoje, está em 59%. Os bancos privados têm índice abaixo de 50%, diz Santacreu. Desse período, diversas operações ainda seguem sob investigação do TCU. Os auditores questionam desde manobras para aumento do lucro até distribuição de dividendos.
Novas regras para escolha e atuação de executivos foram aprovadas
Na sexta-feira, a assembleia geral extraordinária da Caixa aprovou o novo estatuto do banco com regras para escolha e atuação de seus dirigentes. O texto também deve permitir, conforme a instituição, maior transparência nos processos decisórios e ainda prevê a criação de novos comitês estatutários.
Um dos pontos mais importantes do novo estatuto é o processo de escolha e destituição de dirigentes. Essa responsabilidade, que antes era do presidente da República, passou para o Conselho de Administração do banco, que se manifestará depois do Comitê de Indicação e Remuneração. Antes, o governo fazia a indicação por indicação do Ministério da Fazenda e o consenso do Conselho de Administração da Caixa.
Foram incluídos, conforme o banco, novos critérios para seleção dos vice-presidentes, como o uso de consultoria especializada em recrutamento de executivos. A mudança é importante e ocorre em meio à polêmica de afastamento de quatro vice-presidentes da Caixa com suspeita de envolvimento em casos de corrupção. Depois da pressão do Ministério Público Federal e, principalmente, do Banco Central (BC), o presidente Michel Temer cedeu e decidiu afastar Antônio Carlos Ferreira (Corporativo), Deusdina dos Reis Pereira (Fundos de Governo e Loterias), José Henrique Marques da Cruz (Clientes, Negócios e Transformação Digital) e Roberto Derziê de Sant'Anna (Governo).
Veja as principais mudanças do novo estatuto da Caixa
- ESCOLHA DE DIRIGENTES: Conselho de administração pode eleger ou destituir vice-presidentes; antes, somente o presidente da República podia fazê-lo, por indicação da Fazenda
- AVAL DO BC: Para serem nomeados, vices precisarão ser aprovados pelo Banco Central
- CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO: Dois dos oito membros do conselho do banco terão que ser independentes (não indicados por qualquer órgão público)
- RESTRIÇÕES: Os dirigentes da Caixa não poderão ter parentesco com membros do conselho ou da diretoria, possuir dívidas ou ter causado prejuízo ao banco, ter declarado falência, possuir cargos em empresas que sejam fornecedoras da estatal
- REQUISITOS: Presidentes, vices e membros do conselho deverão ter experiência profissional de, no mínimo, 10 anos em instituições financeiras ou na área em que trabalharão no banco; ou experiência de, no mínimo, quatro anos como diretor de conselho de administração, membro de comitê de auditoria ou chefia superior em empresa do porte da Caixa, entre outros cargos
- SALÁRIOS: A remuneração do presidente e dos vices será divulgada pela Caixa; a remuneração dos membros do conselho de administração e fiscal do banco não poderá ultrapassar 10% dos ganhos médios dos membros da diretoria, excluindo férias e benefícios