Michele Rolim
Uma mulher que acabara de perder o seu filho. A peça O testamento de Maria é narrada a partir da morte de Jesus. Perseguida e no exílio, Maria procura desvendar os mistérios que cercaram a crucificação do seu filho. Usando apenas corpo e palavras, em um cenário restrito a um tapete e a uma cadeira de madeira, a atriz Denise Weinberg desmistifica o mito de Maria amanhã e quarta-feira, às 20h, no Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Independência, 75).
No texto do irlandês Colm Toibin, com direção de Ron Daniels, a personagem Maria vem para embaralhar a figura pura e casta que a Igreja idealizou. Há quatro anos, Denise encontrou em uma livraria a publicação de Toibin, na mesma época que atuava na peça irlandesa Dançando em Lunassa (de Brian Friel). Procurou os direitos autorais, mas eles já haviam sido comprados. No entanto, no fim de 2015, um produtor ligou perguntando se ela conhecia esse texto e se tinha vontade de fazer, dirigida por Ron Daniels.
"Sou da opinião que o que é do homem, o bicho não come. Sempre foi assim comigo. As personagens vêm me buscar, graças a Deus. Achei que não podia deixar passar a oportunidade de contar essa história em um ponto de vista de uma Maria", comenta ela, vencedora do Prêmio APCA 2016 por este papel.
Enquanto sua trajetória e seus sofrimentos são narrados oscilando entre sentimentos que perpassam ternura, raiva e ironia, Maria faz questão de falar somente a verdade. Ela encara não só a imensa crueldade dos romanos e dos anciãos judeus, como também as suas próprias angústias e hesitações. "Está em cena a simplicidade de uma Maria, uma Maria qualquer, mãe de um rapaz rebelde, sensível, inteligente, que se 'juntou com um bando de desajustados' e deu no que deu. Ela perdeu seu filho, crucificado aos 33 anos. Para quê?", questiona Denise.
Conhecido por montagens de Shakespeare como MacBeth e Medida por medida, ambas com Thiago Lacerda e Giulia Gam, o fluminense Daniels encara esse novo desafio. Ele é diretor de teatro, de ópera e de cinema, com atuação internacional. Reside em Nova Iorque e, atualmente, é um dos diretores honorários da Royal Shakespeare Company.
Já o autor, que também é jornalista, é conhecido por suas obras com mulheres fortes. Seu livro homônimo foi finalista do Man Booker Priz em 2013 e adaptado com Meryl Streep para a Broadway. Segundo Denise, a grande sacada do autor foi colocar a Maria diante de uma questão trágica como esta, sem dogmatismo, sem santificações, sem mistificações. "Essa Maria é um recorte da mulher contemporânea, mostrando tudo isso na sua indignação, sua revolta, sua dor, sua fraqueza, seu descuido, sua coragem, sua fé, sua verdade, seu discurso, não importa o preço. Uma mulher gritando como uma Medeia, tentando entender os homens e os destinos deste mundo, como todos nós, mortais", afirma a atriz. O monólogo traz ainda no palco o músico Gregory Slivar, que assina e executa ao vivo a trilha original, transpassando ritmo à fala de Denise.
"Nós fizemos questão de esquecer a divinização. A minha personagem é uma mulher comum, bastante atrevida para a época, mas com uma grande lucidez de pensamento, apesar de ser extremamente rústica. Essa Maria poderia ser qualquer uma de nós, mulheres, com nossos problemas femininos, nossas angustias de mães, nossas carências de afeto. Enfim, uma pessoa humana. Simplesmente uma mulher", define a atriz. Os ingressos custam R$ 40,00 (meia-entrada) e R$ 80,00 (inteira).