Questionado sobre quando, afinal, a General Motors do Brasil (GMB) anuncia a terceira ampliação do seu complexo no Rio Grande do Sul, o governador José Ivo Sartori (PMDB) endereçou à companhia a resposta. "Pergunta para eles..." Para depois registrar, antes de desaparecer do salão principal para seu gabinete no Palácio Piratini após uma agenda de assinatura de um projeto em carvão na quinta-feira passada: "Por nós, já devia ter começado".
Fato é que a confirmação do aporte estimado em R$ 1,5 bilhão da gigante norte-americana em Gravataí, onde fica uma das unidades produtivas mais eficientes no mundo da marca, será em evento no dia 2 de agosto no Piratini, com a presença do board da montadora no Brasil e América Latina. O prazo confirma a expectativa tanto de quem negocia pelo governo como segmentos que estão ansiosos para ver o investimento desencantar. "Nesse momento, anunciar um investimento desse é importante até do ponto de vista psicológico, vai mostrar que o Brasil tem jeito. Vai ser estímulo a toda a indústria", dimensiona o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos no Estado (Abimaq-RS), Hernane Cauduro.
O aporte, que deve se materializar em uma nova linha de modelo de carro que deve seguir as camionetes SUV, ou seja, nada de modelito popular de entrada, ocorre em um período em que a operação gaúcha completa 15 anos. Em 20 de julho de 2000, começaram a sair as primeiras unidades do Celta, agora fora de linha. Outro marco é da oficialização do parque, que ocorreu há duas décadas. Em março de 1997, foi anunciada a montagem do Complexo Industrial Automotivo de Gravataí (Ciag), apelidado de Arara Azul.
Na metade do governo de Antônio Britto (PMDB-1995-1998), a GM fechou questão para se instalar na área em Gravataí, às margens da BR-290, no trecho da freeway. No período, houve concessão de vantagens para a implantação em função da guerra nacional para ter montadoras, o que gerou uma cruzada entre defensores e opositores do modelo alicerçado em incentivos fiscais e até repasse de receitas e empréstimos. No balanço do período, ficou GM e dois anos depois a Ford desistiria de instalar sua fábrica com o rompimento de acordo já no governo de Olívio Dutra (PT-1999-2002).
Há mais de um ano que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico se reúne com representantes da montadora para afinar os detalhes da terceira ampliação. Com a previsão de R$ 1,5 bilhão, que integra o plano estratégico da montadora para o País, duplica-se a cifra que já foi aplicada em 20 anos de chegada do Ciag. A GM diz que é o maior aporte em mais de 80 anos de Brasil. A fábrica também superou a marca de 3 milhões de unidades produzidas em agosto de 2016. A área de comunicação corporativa da GM não comenta o novo investimento. Segue o que já virou ritual - silêncio para o público, mas muitas conversações em gabinetes.
Segundo os interlocutores estaduais, os encontros se intensificaram nas últimas semanas. Em 2015, o diretor-geral do Ciag, o argentino Camilo Ballesty, já havia sinalizado que área física para incluir nova linha existia. "O nosso foco é continuar a preparar a planta para futuros projetos. Dá para ampliar, dá para tudo. É só olhar o mapa, os limites do terreno são grandes", disse Ballesty, apontando à imagem que tem na parede da sua sala, ao falar com o Jornal do Comércio em julho de 2015.
Um dos atos que arredondou a negociação foi a aprovação, no começo do mês, da alteração na lei do Fundopem-RS e do programa Integrar-RS, que compõem a espinha dorsal dos incentivos fiscais gaúchos para atrair investimentos. A mudança foi permitir que incentivos fiscais, calcados em geração futura de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que a GM terá sejam também estendidos a fornecedores de ferramentais que não estejam dentro do Ciag, mas com sede no Estado. "A GM recebeu muito bem essa mudança. Fizemos a aposta e esperamos que vai gerar bom resultado", analisa o titular da pasta de Desenvolvimento Econômico, Márcio Biolchi, que herdou do colega de governo, agora na Casa Civil, Fábio Branco, a negociação. Biolchi sustenta que a mudança, que chegou a ser criticada pela Oposição na Assembleia Legislativa, "não é aleatória, mas baseada em como se configura o investimento automotivo hoje".
O secretário se refere ao que é o novo aporte e como ele se desenha, para suprir as necessidades de materiais para que seja montado o novo carro no Ciag. No conceito até agora vigente, a GM acomodou os fornecedores principais que são 19, os chamados sistemistas, no entorno da área física do complexo. São aquelas instalações ao lado da fábrica maior e do estacionamento sempre cheio de carros, para quem avista o Ciag da freeway. Biolchi explica que a empresa está buscando não depender do fornecimento exclusivo, que encareceria a produção. A vantagem se estenderá a outros projetos automotivos, seja de veículos leves, já que o Estado tenta atrair mais fábricas, a caminhões a ônibus e faz parte do Programa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação na Área de Mobilidade Urbana, Logística e Transporte (Multi). "Com a atualização da legislação, saímos na frente e reposicionamos o Estado no setor automotivo", garante o secretário.
Planta se divide entre vendas para o mercado interno e a exportação
Presença da montadora em Gravataí alavancou o PIB e puxou o desempenho do setor automotivo gaúcho
CLAITON DORNELLES /CLAITON DORNELLES /JC
A confirmação da terceira ampliação do complexo da General Motors em Gravataí terá um efeito imediato. Deve sinalizar para toda uma cadeia produtiva as demandas futuras em produtos e serviços, seja para a montadora atender o mercado interno, seja para a América do Sul, vocação que acentuou este ano, ajudando a alavancar as exportações gaúchas. O complexo gaúcho opera em complementariedade com a produção da marca na Argentina.
Para o economista do Núcleo de Análise Setorial da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Rodrigo Morem da Costa, a montadora confirma seu peso ao longo do tempo pelo volume de investimentos e seu impacto. "A partir de 2003, o setor cresceu muito com o ambiente de maior renda, ascensão da classe C e mais crédito. Tudo puxou a venda de carros", pontuou Costa.
O setor automotivo gaúcho teve melhor desempenho no valor da transformação industrial desde 2000. "A GM adensou a cadeia, gerou escala para o setor, aumentou as compras de outros segmentos, como indústria químico e siderurgia", explica.
O economista pondera que mesmo os anos recentes de queda em vendas de automóveis no País não chegam a afetar planos de investimento, tanto que a marca vai anunciar um terceiro ciclo de aportes. As fabricantes estão de olho na relação de cinco habitantes para uma a duas unidades motorizadas, distante de mercados maduros dos países mais ricos.
"Mirando este espaço para crescer, justifica-se parte do investimento", relaciona Costa. "A expectativa é de que o País saia da crise, só não se sabe se vai chegar ao mesmo patamar do auge de vendas e produção de 2013", previne o economista.
Ao citar 2013, Costa alinha um ano que foi até agora o topo da atividade da montadora, que espalha efeitos para o PIB do município de Gravataí - que saltou de 15º lugar para a 3ª colocação entre as economias municipais gaúchas. Gestores locais dizem que a cidade teve a partir de 2000 um crescimento chinês, comparando com o gigante asiático.
Há quatro anos, o emprego superou a marca de 10 mil postos com carteira na área automotiva de Gravataí. Não é tudo GM, mas em 2013 o complexo beirou 9 mil vagas e ultrapassou a produção de 2 milhões de unidades. Além disso, a montadora puxou a renda do trabalho, fazendo com que o setor automotivo local respondesse por 19% da massa salarial da cidade. Em Caxias do Sul, responde por 17,4%.
A indústria automotiva gaúcha também passou a ser mais cobiçada pela mão de obra devido ao padrão de ganhos. Pelos dados de 2015 do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais), o setor tinha a quarta maior média salarial, de R$ 3.360,80, enquanto a média geral da indústria de transformação era de R$ 2.333,62. O campeão em salários é a fabricação de coque, combustíveis e biocombustíveis, com média de R$ 9.428,02.
Em junho de 2017, o estoque de emprego formal na cadeia automotiva na cidade era de pouco mais de 6 mil postos, segundo a FEE, com base nos dados do Ministério do Trabalho. Não só o polo de Gravataí sofre, mas o de Caxias do Sul e Erechim, que concentram montadoras de veículos. Caxias reduziu 30% das vagas entre 2013 e 2017, e Erechim, quase 60%.
Indústria gaúcha quer participar da expansão no complexo
Do lado dos fornecedores gaúchos que terão vantagens fiscais ao se habilitar à ampliação, a expectativa de conseguir entregar ferramentas à nova fase do complexo da General Motors (GM) em Gravataí é alta. "A GM é muito fechada. Na última ampliação, em 2012, ficamos no portão para fora", recorda Hernane Cauduro, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos no Estado (Abimaq-RS). "Poucas empresas colocaram propostas e todas perderam."
Cauduro se refere à tentativa feita por fabricantes gaúchos da cadeia automotiva que se habilitaram na concorrência internacional da montadora, que certamente repetirá o modelo.
O problema, diz o dirigente, é o custo Brasil, que vai da tributação à logística, o que encarece a solução. Mas a Abimaq-RS aposta que o fato de Caxias do Sul concentrar o segundo polo nacional de autopeças e ter expertise em ferramental possa render mais pontos ao lado da mudança no programa de incentivo fiscal. Cauduro espera que se repita, com a terceira ampliação da montadora, o êxito na quadruplicação da planta de celulose em Guaíba, pertencente à chilena CMPC. A Celulose Riograndense pretendia comprar R$ 650 milhões de fornecedores gaúchos e acabou chegando a R$ 2,1 bilhões, de um aporte superior a R$ 5 bilhões, o maior da história da indústria gaúcha, com inauguração em maio de 2015. "Mas importante: o empreendedor queria a participação local", previne o dirigente. Foi público e notório a mensagem que o diretor-presidente da celulose, o gaúcho Walter Lídio Nunes, não cansava de repetir de que queria maior fatia das empresas locais no empreendimento.