A falta de recursos está presente em todas as menções à Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade Urbana de Porto Alegre, que incorporou as responsabilidades de várias pastas e departamentos relacionados a obras na cidade. O contingenciamento determinado pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior atinge a nova pasta com especial rigor, como o titular Elizandro Sabino não se constrange em admitir. Em entrevista ao Jornal do Comércio, o secretário fala sobre obras atrasadas da Copa 2014, reparos em vias públicas e redes de água e esgoto, melhorias no setor viário e fiscalização - sempre deixando claro que a cidade verá poucas novidades enquanto o cinto estiver apertado no Paço Municipal.
Jornal do Comércio - O que existe, em termos de orçamento, para obras em Porto Alegre em 2017? Quais são prioritárias, dentro de uma situação financeira que a administração descreve como muito difícil?
Elizandro Sabino - Das obras da Copa, sete foram entregues, outras dez hoje estão paradas e duas sequer começaram. Em que pese termos recursos assegurados pela Caixa Econômica Federal, há uma pendência do Tesouro que não nos é paga, em alguns casos, desde o ano passado e até de anos anteriores. A respeito disso, a prefeitura está estabelecendo, junto à Procuradoria-Geral do Município e da Secretaria Municipal da Fazenda, um planejamento para a priorização de pagamentos. Por exemplo, para as obras da Ceará e da Tronco. Na Ceará, hoje, estamos falando de um fluxo de 75 mil veículos, na entrada da cidade. E é uma obra que já está 90% concluída, depende de poucos recursos.
JC - E além das obras da Copa? O que é possível citar?
Sabino - Temos outras obras, como a do Arroio Sarandi. É uma obra que traz uma solução para problemas referentes ao arroio, então pedimos uma priorização junto à Fazenda.
JC - Quanto, em recursos, já foi aplicado desde o começo da gestão?
Sabino - Quando falamos em aplicação de recursos, é importante citar que temos a requalificação e pavimentação de vias. São 38 vias em Porto Alegre que serão requalificadas, cobrindo 44 quilômetros, com um investimento em torno dos R$ 29 milhões. São vias arteriais que estão desgastadas, como a Avenida do Forte e a Protásio Alves. A pavimentação, por sua vez, está dividida em cinco lotes, com 27 ruas, e já demos ordens de início para algumas delas. São R$ 25 milhões ao todo, advindos da Corporação Andina de Fomento (CAF).
JC - O prefeito Marchezan decidiu não trabalhar com novas demandas do Orçamento Participativo neste ano. Isso causa limitação?
Sabino - Pelo contrário. Os delegados e conselheiros têm sido muito sensíveis. É uma estratégia do governo, para dar conta de demandas que já foram aprovadas pelas comunidades e não tiveram prosseguimento - e que, em alguns casos, estavam até mesmo desacreditadas. Com essa decisão do prefeito, vamos colocar em dia esse processo.
JC - A Fazenda vai liberar recursos além do que já está em caixa? Há, por exemplo, a necessidade de pagar fornecedores.
Sabino - Vamos pegar o exemplo das usinas que produzem asfalto. Hoje nós temos duas indústrias de ponta, uma no Sarandi, que está parada, e outra na Restinga, com capacidade para 140 toneladas por hora, mas que está produzindo em média 80 toneladas por dia. É muito abaixo da capacidade. E a empresa que mantém a usina está nesse processo de suspensão dos pagamentos do exercício de 2016, enfrenta esse desafio de não receber. Outra questão é a dos insumos para produzir asfalto. O fornecedor também tem pagamentos que estão suspensos. Então, temos buscado junto à Fazenda essa priorização, para que possamos dar conta dos serviços essenciais para a cidade.
JC - Esse contingenciamento não acaba dificultando o atendimento de demandas urgentes, reparos etc?
Sabino - O prefeito tem sido muito claro. Não vamos criar novas obras enquanto não terminarmos as que estão paradas. É importante destacar isso para a sociedade. Porque a população vê uma requalificação de vias na Protásio Alves ou na Avenida do Forte, vê a pavimentação de ruas, e acaba não compreendendo. Esses recursos são de origem internacional, estão garantidos. Mas reforçamos que não será dado início a novas obras enquanto não concluirmos as que estão paradas.
JC - As obras da Orla estão garantidas?
Sabino - No que diz respeito ao primeiro trecho, de 1,3 quilômetro, os recursos da CAF estão garantidos e a obra está em ritmo normal, com quase 80% dos trabalhos concluídos. Temos previsão de entrega para outubro.
JC - Mas o prazo vai ser cumprido? E os demais trechos?
Sabino - Está sendo cumprido. O prefeito tem tido um cuidado para que não seja apenas uma entrega, para que tenhamos garantias de segurança, de câmeras de monitoramento, de acessos, de comércio e serviços, tudo dentro do escopo planejado para o projeto.
JC - O modelo de contrapartidas da gestão anterior foi alvo de críticas, em especial pela dificuldade em garantir o cumprimento pelas empresas responsáveis. Alguns casos, como o da ciclovia da Ipiranga, incompleta há anos, são visíveis. Esse modelo será mantido?
Sabino - Essa questão tem que ser tratada de forma muito cristalina, deixar claro o que equivale ao quê, e o quanto equivale a quanto. Isso é hoje, na minha avaliação, uma celeuma. A ciclovia é um exemplo. A iniciativa privada tem um entendimento de que já entregou, enquanto a secretaria entende que ainda há uma compensação a ser feita. É preciso garantir que o empresário entenda desde o início o que, daquilo que foi estabelecido como contrapartida, ele efetivamente tem que oferecer, e o tamanho disso. E que a administração pública reconheça e ateste isso de forma clara para todos.
JC - Podemos esperar, então, um novo formato de parcerias para o futuro?
Sabino - O que se pode esperar é que haja uma clareza maior.
JC - Há planos para a implementação de novas ciclovias previstas no Plano Diretor Cicloviário?
Sabino - Isso está no radar da pasta, tenho recebido representantes e ativistas da área. Estamos alinhando com o prefeito, traçando um plano de ações para as ciclovias na cidade.
JC - Então, não há metas estabelecidas para ciclovias neste momento.
Sabino - Está sendo elaborado. Temos um mapeamento, que já está avançado, mas que não está concluído. Estamos trabalhando.
JC - E para a conclusão da Ciclovia da Ipiranga?
Sabino - Como ainda estamos trabalhando no tema, não podemos falar. É uma das pautas que sentarei com o prefeito, nos próximos dias, para tratar.
JC - O projeto de recuperação de calçadas do governo anterior, que envolvia fiscalizar moradores que não faziam os reparos, está abandonado. Existe intenção de retomar?
Sabino - É preciso lembrar que temos um cenário, que não podemos deixar de destacar, de déficit do município. Essa situação requer medidas austeras, que têm impacto na fiscalização. É preciso uma estrutura para que as equipes possam atuar. A fiscalização está acontecendo, mas enquanto vivermos essas limitações financeiras, há dificuldade para grandes ações. Estamos atuando, mas de forma pontual, atendendo denúncias que chegam.