O subprocurador da República, Nívio Freitas, declarou nesta segunda-feira (3), que "é uma flagrante inconstitucionalidade" o chamado crime de hermenêutica ou crime de interpretação, incluído no parecer do senador Roberto Requião (PMDB-PR) que atualiza a lei do abuso de autoridade.
Freitas representou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em audiência pública sobre o tema na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Convidado às pressas na última sexta-feira (31), Janot cumpre agenda oficial no exterior até a próxima semana. Pelo texto apresentado por Requião (PMDB-PR) ao colegiado na última quarta-feira (29), se houver divergência entre a interpretação do juiz sobre determinado crime e o que determina a lei, ou se o acusado na primeira instância for inocentado na segunda instância, o juiz da primeira instância pode ser punido.
Um dia antes da leitura do parecer, Janot apresentou pessoalmente uma proposta alternativa ao Congresso para assegurar que um agente público não poderá ser punido por divergências de interpretação de uma lei se apresentar motivos para isso. A sugestão acabou sendo completamente ignorada pelo relator.
"É totalmente incabível que um dispositivo normativo venha a criminalizar condutas que se atêm à mera hermenêutica. Esse é um ponto fundamental para o Ministério Público retirar esse artigo. Ao nosso ver, se admitir a criminalização da hermenêutica, nada mais será do que se procurar intimidar os agentes do Estado. Seria inconcebível", enfatizou o subprocurador.
Para Freitas, o parecer de Requião "intimida os agentes do Estado em um momento de fragilidade generalizada das instituições. "Não há dúvida que a norma em vigor sobre abuso de autoridade é atécnica e ultrapassada, mas uma norma dessa relevância não pode passar de afogadilho. O que a sociedade não quer e não deve tolerar é que simplesmente não haja mais instrumentos de fiscalização e responsabilização, que gentes passem a se sentir de tal forma intimidados que não venha mais a atuar", criticou.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, afirmou que, se o relatório do senador Roberto Requião (PMDB-PR) fosse aprovado como está, os senadores poderiam ser punidos por manter os direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff, que teve mandato cassado após processo de impeachment.
"Pela Constituição, de forma clara, o afastamento dos direitos políticos da ex-presidente Dilma seria claramente obrigatório. Mas vossas excelências interpretaram e entenderam o contrário. Se o projeto do senador Requião fosse aprovado como está, qualquer um dos senhores senadores poderia ser processado porque contrariou a literalidade da lei", declarou Robalinho.
Em defesa do projeto, e na ausência de Requião, Lobão reagiu afirmando que o projeto "não tem o objetivo menor de punir, impedir, obstaculizar a Lava Jato". "Seria apequenar a nova lei, mas eu entendo sua posição como líder da associação de juízes", ponderou Lobão. "A intenção pode não ser confrontar a magistratura, mas do jeito que está configurado o projeto, confronta sim", respondeu Robalinho.
O diretor de assuntos legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), José Antônio Collossí, disse que o texto em análise na CCJ "não atende à Constituição". "É uma tentativa de calar o Ministério Público e isso não é bom, não interessa à sociedade brasileira, uma tentativa de violar a independência funcional dessas carreiras. Querem transformar juízes em meros despachantes de interesses particulares. Os juízes não podem decidir com medo dos poderosos", criticou.
Já o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Jaime Martins, avaliou que o parecer de Requião vai se cercear a atividade jurisdicional de maneira grave. "Não legislemos ao sabor de uma situação momentânea que é a Lava Jato", alertou. Outra audiência para debater o abuso de autoridade antes da votação do relatório está prevista para esta terça-feira, a partir das 10 horas. Amanhã, o principal participante convidado é o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, junto com o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daielo.
Também devem participar do debate o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Ângelo Fabiano Farias da Costa; o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Fábio Tofic Simantob; a presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas dos Estados (ANTC), Lucieni Pereira da Silva; a presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Norma Cavalcanti; o promotor de Justiça em São Paulo, Roberto Livianu; e o juiz federal Silvio Luis Ferreira da Rocha.
Na quarta-feira (5), terá terminado o período de vista (mais tempo para apreciação) de uma semana do projeto, que tecnicamente estará pronto para ser votado na CCJ. Lobão, contudo, assegurou que a votação deve ocorrer somente a partir da próxima sessão (12 de abril), podendo ser adiada para depois do feriado de Páscoa.