Votação do projeto de recuperação dos estados tem o embate adiado

Com pouco quórum e muita polêmica, Câmara dos Deputados voltará a avaliar o texto a partir de segunda-feira

Por Thiago Copetti

Proposta que ficou para análise traz mudanças importantes, diz Feltes
Deve se repetir, na próxima semana, a enxurrada de emendas e bate-bocas que marcaram a sessão de votação do Projeto de Lei nº 343/17, que cria o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal, aberta na quarta-feira e suspensa nesta quinta-feira. O deputado JHC (PSB-AL), que presidiu a sessão desta quinta-feira, decidiu cancelar as votações diante da falta de acordo sobre a pauta e ao baixo quórum.
Apesar de os deputados registrarem presença no plenário, quinta pela manhã, poucos permaneceram no local. Por volta das 12h30min, havia registro de presença de 384 parlamentares. Por se tratar de um projeto de lei complementar, o texto precisa ser aprovado por, no mínimo, 257 deputados, o chamado quórum qualificado.
A proposta que ficou para análise na próxima segunda-feira, no entendimento do secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes, traz mudanças que podem estimular a aprovação. O Rio Grande do Sul é um dos mais interessados, no momento, pela aprovação do projeto, juntamente com Rio de Janeiro e Minas Gerais, ambos em situação de calamidade financeira. "O que está sendo votado é o melhor dos mundos? Não, com certeza, não. Mas é necessário, e não há outra alternativa ou solução. Nem para este, nem para futuros governos. Porém algumas alterações apresentadas pelo relator, deputado Pedro Paulo (PMDB-RJ), em seu substitutivo, melhoraram a proposta", avalia Feltes.
Segundo o secretário, uma das mudanças positivas é a abertura da possibilidade de tomada de empréstimos também para o custeio dos estados. Pelas regras atuais, um estado só pode buscar linhas de crédito em bancos e instituições financeiras para programas e projetos específicos. "A alteração no artigo 10 libera os estados para usarem financiamentos para quitar folhas de pagamentos de pessoal, se for necessário", avalia Feltes.
Outra mudança que o secretaria da Fazenda gaúcha considera vantajosa para os estados é a possibilidade aberta para negociação de diferentes ativos, limitados na proposta inicial a empresas e companhias dos setores financeiro, energético e de saneamento. Feltes ressalta ainda que caiu uma regra que prejudicaria o Estado. "O projeto anterior nos obrigava a adotar o regimento do servidor federal, que tem garantias e benefícios que o Rio Grande do Sul não teria como arcar facilmente. O novo projeto libera dessa regra quem já tem leis próprias de responsabilidade fiscal, que é o nosso caso", esclarece o secretário da Fazenda.
Para os críticos da proposta, como o deputado Henrique Fontana, um dos grandes problemas seria o fato de o governo federal praticamente passar a governar os estados pelo volume excessivo de regras e exigências feitas a quem aderir ao programa.
"Nesses casos, os estados podem cancelar as próximas eleições para governador. O que a União está fazendo é agir da mesma forma que o FMI faz sobre países como o Brasil", reclamou Fontana, na noite de quarta-feira, quando a Câmara ainda abria a sessão com possibilidade de votar o projeto.
Fontana e outros deputados de oposição também questionam suspensão temporária das dívidas, por três anos. Para o grupo oposicionista, a ação acarretará em uma dívida ainda maior, com pagamento de juros sobre juros, e colocará o problema "no colo" do próximo governador eleito. Outros pontos de grande polêmica são a exigência de ampliação da contribuição previdenciária de servidores de 11% para 14% e o congelamento de reajustes salariais.

Texto impede União de executar contragarantias em caso de inadimplência

O substitutivo do projeto que cria o Regime de Recuperação Fiscal prevê que a União ficará "impedida" de executar contragarantias caso o Estado que aderiu deixe de pagar parcelas de dívidas com instituições financeiras ou organismos multilaterais contratadas antes da homologação do plano de recuperação. As contragarantias são recursos bloqueados pela União como forma de reaver o dinheiro honrado por ela como fiadora da operação em caso de inadimplência.
Pelo substitutivo apresentado pelo relator da matéria, deputado Pedro Paulo (PMDB-RJ), as parcelas não pagas e honradas pelo Tesouro seriam controladas em conta gráfica e capitalizadas nos mesmos moldes da dívida com a União que ficará suspensa por até três anos após a homologação do plano de recuperação. O pagamento seria feito posteriormente de forma progressiva.
No início deste ano, o Rio de Janeiro recorreu ao STF após a União bloquear quase R$ 400 milhões em contragarantias. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) argumentou que o arresto impediria o pagamento de salários de servidores, e a presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, concedeu liminar favorável ao Estado. Desde então, Rio e União passaram a negociar uma solução para a crise financeira estadual, que resultou no texto do RRF. Dos estados hoje habilitados para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul), apenas o governo fluminense tem atrasado parcelas de dívidas com bancos e organismos multilaterais. Em fevereiro deste ano, o Rio deixou de pagar R$ 246,66 milhões. No ano passado, ficou inadimplente em R$ 2,2 bilhões.
O relator também retirou o artigo que dizia que, no caso de operações de crédito entre estados e instituições financeiras celebrados a partir da vigência da lei, essas instituições concederão pelo menos as mesmas condições de suspensão de cobrança de parcelas durante a vigência do RRF. Segundo parlamentares, esse artigo estava levando os bancos e organismos multilaterais a "precificar" o risco de um estado aderir ao RRF, cobrando juros maiores nas operações. A área econômica do governo tentou propor uma redação alternativa, esclarecendo que essa cláusula só valia para integrantes da Recuperação Fiscal, mas Pedro Paulo optou pela supressão.
O deputado incluiu um trecho que permite o aditamento de contratos de financiamentos firmados com organismos multilaterais, desde que não haja aumento dos valores originais nem dos encargos. A ideia é permitir que os governos negociem diretamente as novas condições de pagamento com essas entidades.