Conseguir passar pela peneira de um fundo de capital de risco para startups não é para qualquer empreendedor. Não basta dizer que o produto ou serviço é inovador, tem de provar que é. O diretor da Inseed Investimentos, Alexandre Alves, que veio a Porto Alegre na semana passada para anunciar o primeiro projeto a receber aporte do fundo de investimento Criatec 3, reforça que o nível de exigência aumentou. "Não é uma ideia que o empreendedor teve hoje e cria um produto hoje", previne Alves. De 936 oportunidades já avaliadas, 1% a 2% devem conseguir capital no atual ciclo do Criatec, com R$ 230 milhões para investir. Do total, R$ 40 milhões vão para empresas dos três estados do Sul, para assegurar que recursos do Badesul e Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), parte dos investidores, cheguem a startups da região.
Jornal do Comércio - O que é decisivo para receber o Criatec?
Alexandre Alves - Três coisas fundamentais são analisadas pelo Criatec. A jornada do empreendedor, ou seja, não é uma ideia que ele teve hoje e criou um produto hoje. Com todo respeito aos aplicativos, mas não se trata disso. Em geral, são jornadas empreendedoras baseadas em tecnologias um pouco mais pesquisadas, estudadas e testadas, segundo aspecto avaliado. O último quesito é a função da tecnologia no mercado. A inovação tem de estar direcionada a uma aplicação de mercado relevante e com preço acessível.
JC - Quantos candidatos passam pela peneira?
Alves - São selecionadas 1% a 2% das oportunidades que se inscrevem. De cada 100 projetos, investe-se em um ou dois. As outras 98 oportunidades analisadas podemos recomendar para aceleradoras, orientar. Em alguns casos, podemos até voltar a conversar no ano seguinte, já que o fundo tem 10 anos. Às vezes, não significa que o candidato não tenha inovação, mas pode não estar no estágio para receber aporte do Criatec, que exigirá que a empresa realize rápido, vire sociedade anônima e adote governança. Nem sempre é o momento de uma empresa pequena buscar este tipo de capital.
JC - Quais são problemas de quem não passa pelo funil?
Alves - Um deles é não ter tecnologia tão inovadora. Fala-se muito nas fintechs. Quando surge um boom como esse, é no Brasil e no mundo todo. Além disso, o ambiente das universidades está muito mais voltado para startups e para fazer inovação. Então, surge muita coisa mesmo. O nosso conceito de inovação é tudo que não pode ser copiado no mês seguinte.
JC - Dos que recebem aportes, quantos entregam efetivamente resultados?
Alves - Investimos em 30 a 40 empresas a cada ciclo. Os resultados seguem normalmente a regra dos terços: um terço delas pode ou não dar resultado, que faz parte do jogo do risco; um terço é muito bem-sucedido, e o outro um terço vai para as nuvens, ou seja, entrega resultado muito superior. Sabemos que uma sozinha pode fazer por todas as outras. Ao longo do período, agregamos governança, gestão, podemos sair ou fazer mais aportes.
JC - Falta capital de risco para startups?
Alves - Isso é mito. Há fundos com capital e poupança de pessoas físicas. Temos hoje equity crowdfunding, investidores anjo, amigos, familiares que investem. O empreendedor pode escolher o tipo de capital para acessar, desde que queira compartilhar riscos em um ambiente de confiança. Tem ainda fundos como o Criatec, que aportam um recurso maior em um momento decisivo, que pode determinar o sucesso ou insucesso da empresa. O ambiente nunca foi tão favorável, e o Brasil desponta neste cenário. As universidades estão cada vez mais apostando nesta área. O desafio é conseguir encontrar uma boa sintonia entre empreendedores e investidores.
JC - O ecossistema universidades, parques tecnológicos e startups funciona bem?
Alves - Ele funciona muito bem, mas tem um desafio básico. Universidade não é empresa. A instituição deve estimular e promover a experimentação, mas isto não é negócio. É preciso resolver bem o conceito de startup, que, às vezes, não fica claro. Startup é um estágio de experimentação, testes e validação. O ecossistema da universidade é perfeito para isso, mas ficar nesse estágio não é saudável. O prazo é de seis meses a um ano, no máximo, dois anos, dependendo do projeto. É a mesma história da lagarta e da borboleta. Tem de matar a startup para a empresa nascer. Esta é uma grande confusão que o ecossistema ainda faz. Quando o empreendimento recebe um aporte de um fundo, ele se torna um negócio inovador, com dinâmica de renovação constante, como uma startup, mas não pode abdicar das boas práticas, expansão e estratégia, que é bem mais pesado.
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