Paulo Di Vicenzi
Nós, humanos, somos a espécie animal mais poderosa no mundo conhecido. Nós, humanos, sentimos imenso prazer em pensar que somos beneficiados por alguma qualidade mágica, que tanto explica o nosso poder quanto justifica moralmente nossa condição privilegiada. A superioridade humana também se apoia na crença de que, dentre todos os animais existentes em nosso planeta, somente nós, Homo sapiens, temos uma mente consciente.
René Descartes, reconhecido como o pai da filosofia moderna, afirmou no século XVII que somente nós, humanos, tínhamos sentimentos e vontades. Agora, 400 anos depois, muitos humanos permanecem convencidos de que animais não têm consciência ou, no máximo, de que essa consciência é bem diferente e inferior. Porém, essa crença e essa convicção não são naturais. Elas são resultados de histórias inventadas e contadas ao longo de milhares de anos exatamente por nós, humanos. Histórias essas das quais muitos gostam e nas quais acreditam de verdade.
Mas, isso nem sempre foi assim. Por muito tempo o Homo sapiens viveu como uma mera espécie animal a mais na Terra. Vivia como caçador-coletor, da mesma forma que macacos, lobos e formigas. Há 70 mil anos uma Revolução Cognitiva permitiu ao Sapiens começar a falar de coisas que só existiam na sua imaginação. Durante 60 mil anos essa capacidade oral foi tecendo muitas teias ficcionais, porém tudo muito pequeno e restrito aos locais e às tribos onde cada grupo de Sapiens vivia. As ficções sobre espíritos ancestrais, fadas, conchas valiosas, monstros e demônios da Idade da Pedra, falavam de entidades ainda bastante fracas.
Até então, como todos os outros animais, os Sapiens também viviam em uma realidade de apenas duas camadas. Uma objetiva externa, formada por árvores, rios, montanhas, pedras, frio ou calor. Outra baseada em experiências subjetivas e interiores, que produzem sensações de satisfação, medo e desejo. Entretanto, no decorrer dos 60 mil anos em que foi exercitando a capacidade oral e ampliando as teias ficcionais, os Sapiens conseguiram desenvolver e viver uma terceira e exclusiva camada de realidade: a intersubjetiva. Ela é que permite aos Sapiens viverem não só entre pedras, medos, rios, desejos e árvores, mas também entre histórias sobre demônios, monstros, sonhos e imagens.
Há aproximadamente 12 mil anos começou a Revolução Agrícola. Foi o evento que gerou a base material para que os Sapiens conseguissem ampliar e reforçar essa terceira camada formada por redes intersubjetivas, algo que não aconteceu com nenhuma outra espécie animal. Hoje, é essa terceira camada de realidade intersubjetiva que permite a nós, humanos, inventar e contar histórias sobre deuses, dinheiro, nações, ideologias, corporações e, é claro, sobre marcas. Histórias essas que a maioria de nós gosta de ouvir, costumamos repetir e nas quais acreditamos de verdade.
É bastante plausível que as tecnologias inovadoras do século XXI possam tornar essas histórias ficcionais ainda mais poderosas. Por que seria diferente se histórias sobre Maomé e Moisés, os Faraós do Egito antigo, o Império Romano, Jesus, Buda, a República Francesa, o Holocausto, o Exército Americano, a Microsoft e o Google ganharam grande poder? Mais que tratar de rios, árvores e montanhas, são essas histórias que moldam mais intensamente nossas vontades, nossos anseios, sonhos e esperanças.
Somos inventores e contadores de histórias. Foi essa teia de histórias, cada vez maior e mais forte, que nos tirou da Idade da Pedra e nos impulsiona a explorar outros mundos além da Terra.
As organizações e suas marcas também são resultado dessa capacidade que nós, humanos, temos de inventar e contar histórias. E quando a história de uma marca é boa e ela é bem contada, nós costumamos repetí-la e gostamos de acreditar nela. O projeto Marcas de Quem Decide faz parte desse contexto. A cada ano, nós da Qualidata, juntamente com o Jornal do Comércio, adicionamos um novo capítulo na história da lembrança e da preferência das marcas. Fazemos isso há 19 anos desejando que essa história seja cada vez mais relevante. Mais que informar, essa história das Marcas de Quem Decide colabora para inspirar. São exemplos a serem observados, são referências que podem ajudar na melhoria de outras operações, até mesmo de concorrentes.
As marcas contam histórias que passam a fazer parte das nossas próprias histórias pessoais. Influenciam nossas atitudes e até nos definem como indivíduos integrados nos grupos e redes sociais aos quais aderimos. As marcas, mais que identificar produtos e serviços, nos levam a sonhar, podem representar ferramentas de protesto, mexem com nossas memórias e facilitam nossos processos de escolha. As empresas e suas marcas são protagonistas de histórias dinâmicas, desafiadas constantemente a acompanhar a realidade de seu tempo. Estar entre as marcas mais lembradas é muito bom. Fazer parte das marcas preferidas é um privilégio. O que a Qualidata faz neste estudo é colocar uma régua para revelar a medida de cada uma dessas duas dimensões: lembrança e preferência.
Que as marcas continuem inventando e contando boas histórias. Que façam isso com competência para torná-las cada vez mais interessantes e estimulem a repetição. Quanto melhores e mais relevantes forem essas histórias, mais nós, humanos, acreditaremos nelas. E a Qualidata estará sempre pronta para medir tudo isso.