O diretor Olivier Assayas é um dos mais prestigiados entre os que atualmente movimentam o cinema francês. Com Personal shopper ele recebeu o prêmio de direção no Festival de Cannes. O filme, sem qualquer dúvida, é obra realizada de forma a manter a atenção da primeira à última cena. Se direção de cinema deve ser medida pela capacidade de um realizador em utilizar de forma correta os recursos colocados à sua disposição, não há qualquer dúvida que Assayas, do ponto de vista formal, merece ser aplaudido. Eis um filme irrepreensível como narrativa cinematográfica. É a segunda vez - a primeira foi em Acima das nuvens - que ele trabalha com a atriz Kristen Stewart, que está presente em todas as cenas do filme.
O realizador sabe tirar proveito da presença da intérprete, um destaque entre as atrizes da nova geração. No filme anterior, ela aparecia como uma assessora de uma famosa atriz. Agora, de certa maneira, repete o papel, vivendo uma personagem que vive em Paris, trabalhando em função semelhante. A temática do conflito entre quem exerce domínio sobre outra pessoa e quem é submetido, um símbolo evidente dos papéis exercido em sociedade pelos possuidores e os que atuam como peças de uma engrenagem, interessou a Assayas de uma forma a não assumir na narrativa a presença principal. Além de tal tema, há outro que ocupa um espaço expressivo: aquele relacionado a mistérios não decifrados e a perguntas não respondidas, algo que se torna bem claro no plano de encerramento.
O primeiro tema é desenvolvido de forma a fazer com que a atividade profissional da protagonista seja encenada de maneira a acentuar não apenas sua inconformidade e sua aversão pela atividade que está exercendo. As cenas nas lojas focalizam a personagem transformada num objeto destinado a substituir a verdadeira dona das roupas e joias adquiridas. Mas neste contraste entre a motociclista e a modelo também se faz presente o conflito gerado pela sexualidade reprimida. A cena de satisfação solitária revela o que o aparente desinteresse pelo mundo material procura ocultar. Nesta linha de ação, Assayas se expressa de forma clara, mesmo que não aprofunde o que está sendo mostrado. Mas, sem dúvida, em muitos momentos, o filme se transforma em bom exemplo de que imagens e situações têm no cinema o valor maior. Não são necessárias palavras para que ao espectador seja transmitido o essencial. Os personagens falam do comprimento de vestidos e da importância de ornamentos, mas o olhar e o gestual da atriz dizem outra coisa.
O outro tema é o da tentativa de contato da protagonista com o irmão gêmeo há pouco falecido. Ao desenvolver este tema, Assayas não consegue captar a essência daquilo que no encerramento do filme ele se aproxima, ao deixar sem resposta a pergunta de Maureen. Ao percorrer o espaço do filme fantástico, ele coloca a sua câmera por vezes numa terceira posição, permitindo que o espectador também veja as figuras que passam a atormentar a personagem, chegando mesmo num momento a se aproximar de alguns filmes de segunda linha e empregar recursos fáceis permitidos pelos efeitos especiais. Ele parece ter esquecido as lições de seu compatriota Henri-George Clouzot, em As diabólicas, parece não ter visto Os inocentes, de Jack Clayton, e certamente esqueceu Psicose, do mestre que nem precisa ter o nome citado.
E ao mesclar a tentativa de concretizar um desejo com a submissão diante de novas tecnologias ele termina chegando a um ponto no qual linhas não se encontram e certos acontecimentos não se concluem de forma aceitável. Personal shopper termina sendo um filme narrado por realizador de inegável competência e também a demonstração de que segurança narrativa não é o ponto principal. Além de passar longe de uma abordagem das grandes dúvidas, Assayas não desenvolve com profundidade a temática do objeto transformado em senhor absoluto. Talvez num próximo filme ele consiga responder à pergunta feita pela protagonista na cena final. Assim como está, Personal shopper é mais um recital da atriz principal do que um relato sobre angústias e perplexidades.