A expectativa de vida dos brasileiros atingiu os 75 anos, cinco meses e 26 dias em 2016, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A combinação desse número com a queda constante da taxa de natalidade resulta em um acentuado envelhecimento da população no País. Se for levada em consideração apenas a população do Rio Grande do Sul, a expectativa de vida aumenta em mais dois anos.
Mas engana-se quem pensa que, ao viver mais, os brasileiros negligenciam o tempo que têm pela frente. Relatório global de envelhecimento e saúde da Organização Mundial do Comércio (OMS) revela que, quanto mais pessoas chegam a idades avançadas, mais repensam o padrão rígido de suas rotinas. Existe a vontade de estudar mais, buscar uma nova carreira ou um sonho que havia ficado em segundo plano.
Para explorar esse potencial, no entanto, o Brasil precisa superar questões importantes, como o entendimento de que a economia da longevidade está ligada apenas a questões previdenciárias. Os números reforçam a importância do segmento. O mercado mundial relacionado à terceira idade movimenta, hoje, cerca de US$ 7,1 trilhões ao ano, segundo estimativa do Bank of America Merrill Lynch (banco de investidores e de serviços financeiros), o que confere ao setor a colocação de terceira maior atividade econômica do mundo.
A silver economy - termo em inglês que remete aos cabelos grisalhos - é composta por setores diversos com um objetivo em comum: gerar o envelhecimento saudável da população madura. A maioria dos produtos e serviços oferecidos busca promover qualidade de vida, lazer, cultura, higiene e saúde, com vistas a melhorar o bem-estar emocional.
Os números gerados por esta atividade no País ainda não estão consolidados. No entanto, o pesquisador e autor do livro Viver Muito, Jorge Félix, destaca que alguns setores voltados a este mercado são bastante importantes, como na área de higiene pessoal, por exemplo, onde o nicho de fraldas geriátricas descartáveis, para pessoas com incontinência urinária, é um dos que mais crescem. A movimentação financeira do setor se eleva na casa de dois dígitos ao ano. Para se ter uma ideia, mesmo com a desaceleração econômica do País, o aumento registrado nas vendas foi superior a 20%. O levantamento mais recentes realizado pela Nielsen (empresa voltada à pesquisa de mercados) aponta que o setor de fraldas geriátricas movimentou R$ 901 milhões no ano móvel de junho de 2015 a maio de 2016. Esse valor representa um acréscimo de 23% em relação período comparado imediatamente anterior, quando as vendas superaram R$ 732 milhões.
O levantamento sociodemográfico do IBGE confirma que os números podem ser ainda maiores: em 2030, o grupo da população com mais de 60 anos, período da vida no qual podem surgir problemas como a incontinência urinária, irá superar o grupo de crianças com até 14 anos. Isso sugere que não apenas o setor de fraldas seja beneficiado, como também demonstra a possibilidade de expansão dos diversos segmentos que compõem a economia da longevidade.
No Japão, vende-se mais fraldas geriátricas do que infantis, o que enfatiza o grau de envelhecimento da população, cuja expectativa de vida é superior em oito anos à brasileira. Por lá, a expectativa de vida é de 83,7 anos. Foi ali que o termo silver economy foi talhado, no final da década de 1970. "Por ser uma nação muito mais envelhecida, logo houve a percepção da formação do novo mercado", explica Félix. Para o pesquisador, o Brasil está menos voltado a essas questões, e necessita da criação de uma estratégia que envolva todos os players do setor, como acontece em países europeus.
O governo francês, exemplifica Félix, fundiu o Ministério da Indústria e da Ação Social para que as tecnologias pudessem estar mais próximas das pesquisas. Assim, passou a existir uma relação simbiótica entre mercado e academia, que favoreceu a economia da longevidade, entre outras. A França foi o primeiro país a institucionalizar a economia da longevidade como política pública. Lá também foi criada uma ONG startup, voltada a estes produtos e financiada pelo governo e iniciativa privada. A estratégia da União Europeia, diz Félix, é manter-se na liderança em exportação desses produtos, especialmente para o Brasil e o restante da América Latina.
Soluções consolidadas e novas tecnologias visam ao bem-estar
Marli diz que serviço dá autonomia
JONATHAN HECKLER/JC
Com o ritmo de envelhecimento da população cada vez mais rápido, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma criança nascida no Brasil em 2015, espera viver 20 anos a mais do que uma nascida há 50 anos. E, para dar conta desse mercado, soluções começam a ser consolidadas, caso das home cares, termo em inglês que significa cuidados no lar.
"O home care é o oposto da casa de repouso", explica Maique Silva, diretor da Home Angels, em Porto Alegre. Na capital gaúcha, a empresa atende a cerca de 60 clientes ao mês e conta com 100 funcionários que se revezam em três turnos no atendimento dos clientes. O preço por hora pago a cuidadores em Porto Alegre fica, em média, entre R$ 10,00 e R$ 12,00. Caso o usuário opte por contratar oito horas diárias de serviço, em um mês poderá desembolsar até R$ 2,8 mil.
A empresária gaúcha Marli Ellwanger trabalha no setor tecnológico da economia da longevidade e atende a todo o Brasil. Uma das pioneiras a oferecer serviço de teleassistência desde 2012, conta com 19 revendas que funcionam em período integral. Seu principal produto é um sensor de queda que funciona por meio de um aparelho conectado ao telefone fixo. Caso haja a identificação da queda, um alerta é transmitido a uma central que providencia o plano de ação designado pelo contratante. É possível avisar desde um vizinho até um serviço de pronto atendimento.
Os valores giram em torno de R$ 175,00 e podem chegar a R$ 310,00 mensais, o que depende dos recursos acertados previamente. O aparelho, que pode ser utilizado como pulseira ou pingente de pescoço, é entregue em comodato ao cliente e a instalação pode ser feita por qualquer familiar, uma vez que depende apenas de alimentação de luz elétrica e conexão com o telefone da casa para funcionar.
"Queria algo com alma", alega Marli, ao falar da empresa. Sua motivação principal para a entrada no mundo dos negócios da terceira idade foi ter cuidado de sua mãe, portadora de diabetes crônica. A empresária lembra que boa parte das pessoas mais velhas são altamente ativas. Por isso, algumas vezes, dispensam acompanhantes que não façam parte da família.
De acordo com o pesquisador e autor do livro Viver Muito, Jorge Félix, o setor de monitoramento cresce vertiginosamente dentro e fora do Brasil. Marli, ao iniciar a IrisSenior, previa os desafios com o mercado interno. "Sabia que teria que disseminar, pois aqui não é conhecido, mas lá fora existe há 30 ou 40 anos", explica a empresária.
No mesmo produto, é possível gravar notas em voz, como lembretes de horários de medicamentos, além de utilizá-lo para atender às chamadas convencionais da casa sem precisar do deslocamento até o telefone. "É um sistema muito simples, as pessoas da família conseguem instalar", diz a proprietária.
O relatório da OMS classifica a queda entre idosos como uma epidemia. Da parcela populacional com mais de 60 anos, 40% das mulheres e 28% dos homens com mais de 60 anos sofrem fraturas até mesmo antes de cair. O menor período de atendimento, conhecido como "hora de ouro", é fundamental para a diminuição de sequelas.
Qualidade de vida passa por iniciativas inovadoras
Gisele (e) e Karen oferecem atendimento personalizado em diversas áreas de atividade
JONATHAN HECKLER/JC
Não é só de medidas para atenuar a chegada da idade que a economia da longevidade é composta. Cada vez mais, os anos adicionados à vida servem para angariar conhecimento ou realizar sonhos negligenciados. Questões voltadas à preservação das relações humanas e manutenção da individualidade também aparecem. O nicho de mercado que se consolida abriu brechas para questões diversas, como a busca por conhecimento ou a simples organização do cotidiano, que, na maioria das vezes, precisa ser improvisado.
Um estudo realizado pela Nielsen Ibope aponta que os idosos ultrapassaram o tempo de uso do computador domiciliar em relação aos jovens desde 2014. Isso fez com que empreendedores observassem uma lacuna de mercado, especialmente para o setor de mídias sociais. "Quem disse que a internet é para as pessoas que já nasceram nessa nova era tecnológica?", questiona o fundador da Neto Virtual, Guilherme Saldanha. A ideia para abrir a empresa surgiu a partir do pedido de um senhor de 75 anos, amigo de sua família. Ele queria saber usar a internet para acessar o Facebook. "Ele tem problemas de audição e, depois que descobriu as redes, consegue interagir melhor com as pessoas", conta Saldanha.
A sessão dura em torno de duas horas e acontece na casa do idoso ou no local que lhe for mais confortável. O valor cobrado a partir do segundo encontro é negociável, enquanto o primeiro custa R$ 60,00. Também é possível combinar pacotes, conforme a necessidade de cada pessoa. "Às vezes, precisa de mais de uma sessão, em outras uma já é suficiente", explica o empresário. Saldanha costuma ensinar sobre as redes sociais mais acessadas, mas comenta que o mais solicitado não é o computador, mas o celular.
A busca de conhecimento para utilizar as redes sociais também inspirou a Ohana Conciergerie, que produz workshops voltados aos mais velhos, com dicas sobre Facebook, Instagram e WhatsApp para maiores de 60 anos. O valor cobrado pelas quatro horas de curso é R$ 99,00.
"O setor de idosos normalmente é pautado apenas pela questão da saúde, pouco se fala em serviços voltados à promoção da saúde", lembra a idealizadora da Ohana, Karen de Farias. As aulas são apenas uma parte do trabalho da empresa, que é formada por concierges (profissional que presta atendimento personalizado). Além da especialidade adquirida pelo mercado de trabalho, os profissionais passam ainda por um treinamento e recebem um manual de apoio.
É possível contratar a conciergeria para atividades de lazer, acompanhamento médico, administração de orçamentos, entre outros, com especialistas em cada atividade. Os valores variam de acordo com a modalidade, mas o preço inicial para os serviços por hora é de R$ 49,50. Um plano mensal com um concierge voltado a adequar orçamentos, por exemplo, sai por R$ 400,00.
O carro-chefe da Ohana ainda é ligado à saúde, apesar da constante promoção da empresa de seus outros serviços. Quando Karen e sua sócia, Gisele Varani, decidiram lançar a empresa sabiam que haveria um processo de mudança de hábito. O acompanhamento de consultas médicas por um profissional da área de saúde custa R$ 249,50. Nessa modalidade, são realizadas cerca de seis horas de serviço. O concierge acompanha o paciente no médico de posse de todas as informações sobre sua saúde para poder interpelar o profissional e, depois, produzir um relatório baseado na consulta a ser entregue ao contratante.
Consumidor maduro representa nicho de oportunidades
O Brasil ainda tem muito o que explorar para atender às necessidades do público maduro. De cada 10 brasileiros, três sentem falta de produtos voltados para a terceira idade, revela pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em todo o Brasil, no final do ano passado. De acordo com o levantamento, que ouviu 619 consumidores com idade acima de 60 anos de ambos os gêneros e de todas as classes sociais nas 27 capitais brasileiras, 67% dos brasileiros acima de 60 anos são os únicos decisores das compras que fazem e, deste total, 34% sentem falta de produtos e serviços voltados a sua faixa etária.
Aparelho celular com teclado e telas maiores (13%), locais para diversão (12%) e roupas (11%) são os mais citados pelos entrevistados. Além disso, reclamam também da estrutura dos pontos de venda, e 70% apontam que são necessárias melhorias, como bom atendimento (37%), rótulos mais fáceis de serem lidos (34%), ter bancos para descanso (29%) e sinalizações com letras maiores (27%). Para o professor Marco Aurélio Morsch, especialista em Gestão e Inovação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, os dados mostram que o mercado brasileiro parece não estar preparado para esse filão. “Surpreendentemente, a maioria das empresas tem sido lenta em reconhecer as necessidades desse segmento e as oportunidades de vendas sobretudo em setores como saúde, turismo, lazer, entretenimento e varejo”, destaca.
Desvendando cada perfil
Para entender melhor esse segmento e evitar perigosas generalizações, o professor Marco Aurélio Morsch, especialista em Gestão e Inovação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e coautor do livro Comportamento do consumidor: conceitos e casos (Ed. Pearson, 2005), considera importante encontrar comportamentos de consumo específicos. “As estratégias mercadológicas utilizadas para abordar esse mercado devem variar de acordo com o perfil específico de cada subgrupo”, orienta. Entretanto, reforça o especialista, seja qual for o caminho para satisfazer o mercado da terceira idade, o importante é saber que ele existe e que está pronto para ser trilhado. Esses perfis podem ser categorizados por comportamento e as atitudes em seis estilos de vida diferentes.
São eles:
- Bon Vivant (só se vive uma vez): os idosos desse grupo são alegres e realizados, têm ótima situação financeira e amam viver intensamente. Embora aposentados, buscam novas atividades, hobbies e amizades. Geralmente possuem boa saúde, são espirituosos e jovens de espírito. Passam a maior parte do tempo fora de casa. Aderem facilmente a novos produtos, praticam esportes, têm vida social ativa e viajam bastante. Valorizam o status, as marcas de luxo e a boa vida.
- Nostálgico (preso ao passado): esse perfil de consumidor é saudosista, mais resistente a inovações e não possui muita renda para consumo. Quando se aposentam, diminuem a agitação da vida social, deixam-se tomar facilmente por atitudes negativas e costumam sentir-se vítimas da sociedade. Valorizam a tradição, a segurança e as marcas mais confiáveis.
- Aqui e agora (preso ao presente): são imediatistas, até impulsivos, na busca de suas satisfações de consumo. Fizeram uma boa poupança e têm boa saúde. Procuram viver o presente como se a velhice ainda fosse distante (veem o futuro como uma extensão do presente). Gostam muito de trabalhar, tanto que trabalham mesmo depois de aposentados e tendem a ser muito solidários e sociáveis. Valorizam o relacionamento e as marcas socialmente responsáveis.
- Temeroso (não dá para parar): são inseguros com relação a seu futuro, recusam-se a envelhecer e procuram adiar ao máximo a aposentadoria, mantendo-se ocupados com a rotina do dia a dia mais por medo de parar do que por satisfação. Gastam pouco, economizam todo mês e sempre acham que precisam de mais dinheiro. Valorizam as liquidações e as promoções de venda.
- Sociável (eu faço parte): nessa categoria estão os idosos que adoram fazer amigos, bem como participar de um ou mais grupos sociais, conselhos e associações. Em sua maioria, são pessoas que ficaram sós e preenchem seu tempo ocioso com diversas atividades. Buscam manter-se atualizados, assistem muita TV, escutam rádio e frequentam teatros. Valorizam as novidades e o relacionamento.
- Frustrado (talvez em outra vida): os idosos desse grupo, trabalhadores e empenhados, sentem que não aproveitaram as oportunidades, que a vida passou praticamente em branco (nesse grupo inclui-se também aqueles com problemas de saúde). Esses idosos lastimam o tempo todo, acreditando que não há mais nada a ser feito, e passam boa parte do tempo imaginando como teria sido sua vida se isso ou aquilo tivesse acontecido. Valorizam preços de ocasião e programas de entretenimento.