A palavra "aneurisma" ainda provoca temor em grande parte da população. Até poucos anos atrás, o tratamento para o aneurisma (enfraquecimento das paredes da artéria) na aorta exigia cirurgias complexas e de alto risco. O cenário, felizmente, mudou. Em entrevista ao Jornal do Comércio, o cirurgião cardiovascular e coordenador estadual da Campanha de Combate e Prevenção do Aneurisma da Aorta, Eduardo Saadi, revela que, hoje, a doença está longe de ser uma sentença de morte - se diagnosticada antes de romper e tratada, representa risco inferior a 1%. Para marcar a semana de campanha, Saadi e o Hospital Mãe de Deus promoveram uma palestra e, no sábado, será realizado um mutirão de ecografias para pessoas acima de 60 anos, cujas senhas foram retiradas durante a palestra.
Jornal do Comércio - Quais são os mitos hoje relativos ao aneurisma na aorta?
Eduardo Saadi - Primeiro, há o mito da doença. Há algumas décadas, o diagnóstico de aneurisma em qualquer parte do corpo era praticamente uma sentença de morte. Como a aorta é a artéria principal, ela é a mais frequentemente acometida por aneurisma. O segundo mito é em relação ao tratamento, como se quem tivesse aneurisma precisasse fazer uma cirurgia extremamente complexa e de alto risco. Hoje, já desmitificamos o diagnóstico, que pode ser feito através de métodos simples, e o tratamento evoluiu muito, da cirurgia convencional de corte no tórax ou no abdômen para um procedimento através da punção de uma artéria da virilha, completamente sem cortes. Aí, se navega por dentro do sistema arterial com guias até o local do aneurisma, onde a prótese é liberada. Colocamos uma prótese abaixo das artérias dos rins por dentro da aorta, reforçando-a e impedindo que o sangue pressurize essa artéria, que está fina e fraca.
JC - A busca por ajuda quando o paciente está em estado menos grave é recorrente?
Saadi - Esse é o grande segredo e o nosso grande objetivo. A história natural do aneurisma é ele crescer e, quanto mais cresce, mais fina fica a parede e maior o risco de ruptura. Quando o aneurisma rompe, há uma hemorragia interna. Nesses casos, a chance de morte é muito alta, porque a aorta é grande, e o sangue bombeia o coração 60 a 70 vezes por minuto. Dos pacientes que chegam ao hospital com um aneurisma já roto, somente 50% sobrevivem. Por outro lado, se pegamos um paciente no qual foi feito o diagnóstico de um aneurisma íntegro, fazemos um procedimento endovascular e mais de 99% dos pacientes ficam bem. O risco do procedimento é menor que 1% hoje em dia. Muitos pacientes ficam apenas uma noite no hospital e alguns dias depois já retomam suas atividades. É importante desmitificar o tratamento para aquelas pessoas que já têm aneurisma. Muita gente nos procura durante a campanha, nas palestras, já com diagnóstico, querendo saber qual o tratamento possível. Em aneurismas pequenos, não precisamos fazer nenhuma intervenção.
JC - O aneurisma na aorta pode ser revertido sem intervenção?
Saadi - Os critérios de intervenção são a localização e o tamanho. O risco de romper um aneurisma pequeno detectado na aorta é mínimo, então esse paciente pode ser acompanhado com métodos de imagem. Fazemos uma ecografia a cada seis ou oito meses. O aneurisma pode permanecer pequeno por dez ou 15 anos, e aí não há necessidade de fazer nenhum procedimento. Por outro lado, se o aneurisma foi detectado já em tamanho grande, por exemplo, no abdômen, entre 5 e 5,5 centímetros de diâmetro, nós indicamos intervenção imediata, pois o risco anual de o aneurisma romper é bem maior do que o risco do procedimento. Um aneurisma grande, de 8 a 9 centímetros, tem de 50% a 60% de chances de romper em um ano.
JC - Mesmo quando o aneurisma está grande, a pessoa não sente nada?
Saadi - Geralmente é uma doença silenciosa. Quando o paciente sente, ou é uma pulsação na barriga, como se tivesse um coração no abdômen, ou alguma dor abdominal, mas muito inespecífica, então o paciente pode achar que são gases ou problema na vesícula. O aneurisma em si só dá dor quando comprime outros órgãos ou tecidos vizinhos. A aorta, quando está crescendo lentamente, não dói. Aquele aneurisma que cresce muito rápido, que chamamos de "aneurisma em expansão", porque antes de romper ele dá uma crescida rápida, pode dar dor, mas, às vezes, as pessoas não buscam ajuda, tomam um analgésico, não fazem nenhum exame.
JC - Qual o percentual de pessoas que buscam ajuda antes de o aneurisma romper?
Saadi - Felizmente, é cada vez maior. Há 25 anos, atendíamos muitos pacientes com aneurismas rotos, com tratamento de emergência, com o resultado não tão bom, devido à situação crítica em que chegavam ao hospital. Hoje, a maior parte dos pacientes já teve o aneurisma diagnosticado quando fez um raio-x, uma ecografia ou uma tomografia.
JC - Qual a estimativa de pessoas que têm aneurisma, mesmo sem saber?
Saadi - Depende muito da faixa etária e do sexo. Os homens têm quatro a cinco vezes mais do que as mulheres. Se pegarmos uma população de homens acima 65 anos e fumantes, essa prevalência pode chegar a 6%. Quanto mais idosa a população, maior a prevalência. Na campanha, além da parte teórica, fazemos um exame. De cada 100 pessoas que o fazem, em torno de seis a sete têm aneurisma detectado.
JC - O que causa o aneurisma na aorta?
Saadi - Existem as causas não modificáveis, que são tendências genéticas que o paciente tem por seu histórico familiar ou seu sexo. Esses são os fatores mais comuns e que não podemos mudar, apenas mapear. Dentro dos fatores modificáveis, o fumo é o principal. Quem fuma tem cerca de sete vezes mais aneurisma do que quem não fuma. A pressão alta também faz com que o aneurisma cresça com uma velocidade mais rápida do que se for uma pressão controlada. Os outros fatores são os mesmos de outras doenças cardíacas: é necessário controlar a glicemia, o colesterol, fazer exercícios físicos aeróbicos regularmente e ter uma alimentação saudável.
JC - Pode acontecer de uma pessoa mais jovem ter um aneurisma na aorta?
Saadi - Pode. Existem doenças genéticas herdadas que desenvolvem aneurismas em pessoas bem jovens, até crianças. Não é frequente, mas existem, como a Síndrome de Marfan e a Síndrome de Loeys-Dietz, que são doenças no tecido conjuntivo, que, além da aorta, afetam outros órgãos e sistemas. Nesses casos, detectamos a doença e estabelecemos um diagnóstico para ver quais os riscos que o paciente terá ao longo da vida, para vigiar melhor. Espero que, nos próximos anos, através da engenharia genética, consigamos retirar parte do paciente, mexer nessa célula e fazer com que essa célula se regenere, ou até antes do nascimento fazer com que a criança nasça sem essa alteração genética.
JC - Qual a diferença entre o aneurisma na aorta e o aneurisma cerebral?
Saadi - Em geral, o aneurisma cerebral envolve uma má-formação congênita. O paciente já nasce com o aneurisma. É a mesma coisa: uma dilatação da artéria, só que a artéria é dentro da cabeça, no cérebro. O aneurisma da aorta ocorre na principal artéria do corpo. A principal diferença é a faixa etária. As pessoas com aneurisma cerebral em geral são mais jovens do que aqueles pacientes que apresentam aneurisma na aorta, porque as alterações cerebrais, sejam aneurismas ou más-formações arteriovenosas, em geral, são de nascença, enquanto o aneurisma na aorta é uma doença adquirida, que vai se desenvolvendo ao longo da vida.