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entrevista especial

- Publicada em 21 de Agosto de 2016 às 22:00

Raul Pont critica 'feudos' e promete melhorar gestão na cidade

''Em uma crise financeira, como manter 700 cargos de confiança na administração?'', diz Pont

''Em uma crise financeira, como manter 700 cargos de confiança na administração?'', diz Pont


fotos: JONATHAN HECKLER/JC
Após a conclusão de seu mandato como deputado estadual em 2014, Raul Pont (PT) pretendia dedicar-se a atividades internas do partido. Dois anos depois, a situação é diferente. O petista é candidato pela quarta vez à prefeitura de Porto Alegre, tendo como vice a professora Silvana Conti (PCdoB). Pont já havia concorrido a prefeito em 1985, 1996 - ano em que foi eleito - e 2004, quando perdeu para José Fogaça (à época, no PPS).
Após a conclusão de seu mandato como deputado estadual em 2014, Raul Pont (PT) pretendia dedicar-se a atividades internas do partido. Dois anos depois, a situação é diferente. O petista é candidato pela quarta vez à prefeitura de Porto Alegre, tendo como vice a professora Silvana Conti (PCdoB). Pont já havia concorrido a prefeito em 1985, 1996 - ano em que foi eleito - e 2004, quando perdeu para José Fogaça (à época, no PPS).
Sem meias palavras, o petista é crítico ao trabalho de José Fortunati (PDT) na prefeitura, que classifica como "um desastre" em termos de gestão, em função de secretarias loteadas por indicações políticas de partidos aliados.
Nesse aspecto, observa que a coligação de 14 partidos em torno do vice-prefeito Sebastião Melo (PMDB) "pode conseguir muito cabo eleitoral, mas forma um governo que não governa, é feudalizado".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Pont também externa sua visão sobre a cidade em áreas como mobilidade. "Temos que apostar no transporte coletivo, dar preferência ao pedestre e a formas alternativas, não motorizadas, como é o caso da bicicleta", disse.
Pont ainda fala em aprimorar o Orçamento Participativo (OP) - implantado em Porto Alegre na gestão de Olívio Dutra (1989-1992) - inserindo redes sociais como ferramenta de participação popular.
Jornal do Comércio - Em 2014, nas eleições gerais, o senhor optou por não concorrer à reeleição, expressando um descontentamento com a dinâmica do sistema político. Agora, o senhor é candidato. O que mudou de lá para cá nessa disposição interna?
Raul Pont - Naquela oportunidade, eu não seria candidato em função de apostar na renovação partidária, de dar materialidade à proposta de que tenhamos mais mulheres e jovens na representação parlamentar do partido. O que mudou foi a conjuntura, porque a vitória da presidenta Dilma (Rousseff, PT), que prenunciava a continuidade de um projeto, passou a ser bombardeada, num verdadeiro massacre que foi feito contra o governo e que culminou em um processo de golpe, completamente ilegal e ilegítimo. Porto Alegre será vítima disso. Se você olha para as obras hoje, todas dependem do governo federal. O governo Fogaça-Fortunati, em termos de gestão, é um desastre. Todas as coisas importantes que vêm acontecendo são programas federais. A ampliação do Clínicas, a duplicação da travessia do Guaíba, as obras do Pisa (Programa Socioambiental), todas as políticas sociais. Se isso é cortado, que é o que nos promete o governo golpista, estas questões todas vão afetar a cidade diretamente, então, queremos, caso venhamos a ter uma vitória em Porto Alegre, assumir uma resistência a essa política.
JC - Viu-se um desgaste acentuado do PT nos desdobramentos da Lava Jato. No município, acha que a sigla fica contaminada com esse desgaste?
Pont - Claro que alguma influência terá, porque você não quebra um preconceito, e informações completamente seletivas e tendenciosas, em um minuto. Mas eu confio que o eleitor se dará conta de que essa crise partidária é de todos, que, mesmo assim, temos que recuperar os partidos. Não há democracia sem partidos, sem instrumentos de formação de opinião, de vontade coletiva. Precisamos recuperar o sistema democrático brasileiro, mas eu sinto que as pessoas estão muito mais preocupadas com o gestor - quem é a pessoa, qual a sua trajetória - do que com o partido. Poderá ter alguma influência, mas avalio que não será decisiva. A relação que estou tendo na cidade de Porto Alegre é muito boa.
JC - O vice-prefeito Sebastião Melo conseguiu construir uma aliança com uma gama bem variada de siglas. Teme que, com isso, uma vitória sua não goze de apoio parlamentar?
Pont - Uma coligação dessas tem os pés de barro. Ela pode conseguir muito cabo eleitoral, mas a maior denúncia que a gente encontra quando vai nas reuniões com as associações de moradores, nas vilas, sindicatos, os usuários dos serviços, é que este é um governo que não governa, é feudalizado. O Demhab (Departamento Municipal de Habitação) foi transformado em um mero despachante do Minha Casa Minha Vida, não tem uma política própria para o município. O DEP (Departamento de Esgotos Pluviais) foi denunciado e virou capa de todos os jornais, a terceirização é uma roubalheira.
JC - O Orçamento Participativo (OP) está completando 27 anos. Como atualmente o senhor vê a atuação do OP? Caso eleito, como pretende aprimorar a participação popular?
Pont - O orçamento hoje é completamente desfigurado, é um simulacro do que foi. O dinheiro que hoje o orçamento decide não dá 1% do total. Foi burocratizado o regimento interno e, ao invés de estimular a participação, burocratiza-se o processo de escolha dos delegados e dos conselheiros, para facilitar a cooptação pelo governo de cabos eleitorais e para terem cargos comissionados (CCs). A prefeitura hoje tem 700 CCs. Queremos governar com participação popular e teremos de adequar as novidades tecnológicas que existem hoje para a comunicação, utilizar as redes para levar em conta a opinião da população. Mas não se pode abdicar de ter canais de participação presencial, porque o Orçamento Participativo não é só um processo deliberativo do orçamento. É também um exercício de cidadania, entre as pessoas que têm que decidir, muitas vezes, obras prioritárias diante de um orçamento que não tem como atender simultaneamente a todas as demandas.
JC - No campo administrativo, acha que é necessário diminuir o número existente de secretarias, enxugar a estrutura?
Pont - Também acho que isso precisa ter uma avaliação mais apurada, mas não vamos anunciar nenhuma medida sem que antes a gente conclua um trabalho de diagnóstico dessas últimas administrações. No caso dos CCs, é evidente que não tem como manter. Em uma crise financeira que a prefeitura alega possuir, a ponto de o prefeito sinalizar que pode parcelar salário, como manter 700 cargos de confiança na administração? Vamos ter que mexer nesse processo.
JC - Que necessidades o senhor vê na questão da mobilidade urbana na Capital?
Pont - O quadro geral da prefeitura mostra que qualquer saída mirabolante é demagogia. Tenho muito claro que, para melhorar a mobilidade urbana, temos que apostar no transporte coletivo, dar preferência ao pedestre e a formas alternativas, não motorizadas, como é o caso da bicicleta. Acho que projetos como os BRTs são necessários para a cidade. É difícil entender por que isso não foi feito em 12 anos. Esse governo começou dizendo que os Portais da Cidade seriam a solução, mas não foi feito absolutamente nada. Projetos que deixamos prontos, como é o caso do sistema Zona Norte, que teria no (terminal) Triângulo um sistema de reordenamento, isso estava pronto tecnicamente, fisicamente. Os corredores da Sertório estavam preparados. Por que essas coisas não foram feitas?
JC - Nos últimos anos, tem crescido a discussão sobre a reocupação dos espaços públicos pela população, tendo como ápice a questão do Cais Mauá. Quais são as suas propostas para a área urbanística?
Pont - Temos que apostar na ocupação dos espaços públicos, não só para o lazer e recreação. Uma demanda que temos ouvido muito da juventude é a ausência de equipamentos nas praças e parques já existentes, de espaços para a utilização pela juventude. Se o jovem quer praticar skate e não correr risco no meio da rua, ele tem que encontrar uma pista num parque próximo. E isso é possível, não é um gasto impossível de se assumir. A mesma coisa a qualidade das praças e parques existentes, com iluminação, com banheiros, acessibilidade adequada. Porto Alegre merece que a gente termine o Morro do Osso, o Parque Gabriel Knijnik, lá na região da Vila Nova. Acho que há uma prioridade indiscutível para o Cais Mauá. Uma estrutura pronta, central, 180 mil m2, 18 hectares públicos, que estão há seis anos na mão de uma empresa que não consegue fazer nada, que não tem recurso, nem capital, nem competência. Um negócio mal feito pelo governo do Estado quando licitou. Já se passaram seis anos, não é possível que a cidade coexista com isso. Nós precisamos fazer com que aquilo lá seja efetivamente ocupado, não com um projeto mirabolante de torres, shopping, ocupar mais um pedaço do lago. É perfeitamente possível você adequar a uma ocupação racional, em que as pessoas possam ter de volta o Guaíba. Na região do Gasômetro, a mesma coisa, a gente foi se afastando. Acho que é perfeitamente possível recuperar esses espaços para a comunidade.
JC - Na questão da segurança, como o município pode contribuir para potencializar a ação do Estado?
Pont - A Guarda Municipal hoje, em várias cidades, extrapola apenas a guarda de patrimônio. Pode-se ampliar a Guarda, suas funções. Temos que melhorar principalmente, na área patrimonial do município, sistemas eletrônicos de vigilância, de fiscalização. Porto Alegre hoje tem dois grandes centros que não dialogam entre si, que não conversam entre si, de fiscalização, de vigilância. A EPTC tem um, o que sobrou da Copa é outro. Temos que unificar esses sistemas. A prefeitura pode ajudar o policiamento ostensivo que o Estado realiza, ter políticas comuns com a Guarda Municipal, melhorar os espaços, principalmente a infraestrutura nos parques, nas praças. Ter uma política para evitar a violência no trânsito e diminuir os acidentes, que também são formas de violência. Claro que não vamos substituir a Brigada Militar, mas acho que o município pode ser protagonista. Também aposto, e acho que talvez seja a coisa mais importante que a prefeitura pode fazer, na organização da comunidade para ela também se envolver. Se hoje é tão fácil a comunicação, se você estabelece redes pelo celular, pela internet, podemos estabelecer formas muito mais ágeis de comunicação. O poder público tem que estar presente, isso que a gente sente em uma vila. Se a pessoa tem um espaço cultural, esportivo, um local, uma escola, uma unidade de educação infantil, tem a presença do Estado, do poder público nesses mecanismos, já é um elemento inibidor da delinquência.
JC - Quais são suas propostas para a área da saúde?
Pont - No caso da saúde, o município tem a gestão plena. Eu aposto nisso, é a melhor maneira de construirmos um sistema público de saúde. Temos que convencer a cidadania de que é possível ter uma política de saúde efetivamente universal, que atenda o conjunto das pessoas e trabalhar nesse sentido. Vendo os números hoje, a rede é praticamente a mesma dos anos 1990. As equipes de saúde da família, por exemplo, deveriam ser mais numerosas do que são hoje. As unidades de saúde básica têm praticamente o mesmo número que tínhamos antes. Os centros de saúde é que têm um atendimento mais sofisticado, ou já viraram 24h. Acho que a gente tem que ter uma atenção na distribuição equilibrada desses mecanismos. Hoje, Porto Alegre tem mais o Hospital da Restinga, que está terceirizado com o Moinhos de Vento. Nós assumimos, naquela época, o Presidente Vargas. Não podemos perder nenhum espaço do Grupo Hospitalar Conceição, que é o maior atendimento do SUS. Precisamos garantir o atendimento do SUS e apostar na prevenção, nas equipes de saúde da família. Todos os hospitais de Porto Alegre estão em ampliação. Portanto, é sinal de que esta área é uma referência para o Estado. Nós temos condições de fazer com que Porto Alegre tenha um atendimento razoável, bastante adequado ao momento que vivemos. É apostar na regulação pelo poder público e preencher esses espaços, principalmente para a prevenção.
JC - E sobre educação?
Pont - É evidente que há uma falta na educação infantil. Há pouco tempo, passou a ser responsabilidade do município, então ele tem que responder a isso. E nas vilas, nos bairros, o que você faz com o adolescente que está no Ensino Médio e não está bem preparado para o mercado de trabalho? O que ele faz? É uma tentação enorme o sujeito ir para a delinquência para complementar a renda familiar com o tráfico da droga. Este jovem tem que ter uma política de ampliar o Ensino Técnico, de ampliar o Ensino Médio com formação profissional, seja ampliando as redes federais de Porto Alegre, seja buscando junto ao Estado ampliar a oferta que o Estado tem de formação. O nosso maior desafio aqui no município é a pré-escola.
Veja um trecho da entrevista:

Perfil

Raul Jorge Anglada Pont nasceu em Uruguaiana em 1944. Iniciou a trajetória política durante o curso de Ciências Econômicas, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde presidiu o Diretório Central dos Estudantes (DCE). Em 1980, participou da fundação do PT e, em 1985, foi candidato do PT à prefeitura de Porto Alegre, sem se eleger. Em 1986, tornou-se deputado estadual constituinte. Em 1990, conquistou a vaga de deputado federal. Dois anos depois, foi eleito vice-prefeito da Capital, na chapa encabeçada por Tarso Genro (PT). Em 1996, candidatou-se novamente à prefeitura e foi eleito. Em 2003, retornou à Assembleia Legislativa e, em 2004, foi novamente candidato ao Paço Municipal, derrotado, no segundo turno, por José Fogaça (à época, do PPS). Foi reeleito para a Assembleia em 2006 e 2010. Ao fim de seu mandato em 2014, não se candidatou à reeleição. Em 2016, porém, com a desistência da candidatura de Manuela d'Ávila (PCdoB) à prefeitura, da qual o PT seria vice, a sigla definiu Pont como cabeça de chapa na disputa.