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Brasil intensifica negociações comerciais além das fronteiras
Aliança do Pacífico deve ser uma das prioridades do País
Ao assumir o cargo de ministro das Relações Exteriores, há cerca de um mês, José Serra anunciou que dará início a um acelerado processo de negociações comerciais, para abrir mercados para as exportações e gerar empregos para os brasileiros, que hoje assistem a níveis elevados de desemprego. Ele avisou que a ação diplomática de curto prazo seria com a Argentina, primeiro país que reconhece oficialmente o governo Michel Temer. Além do mercado argentino, Serra citou como prioridade os da Aliança do Pacífico (Colômbia, Peru, Chile e México) e da União Europeia, os EUA, a China, o Japão, a Índia, da África e do Mundo Árabe.
Levantamento preliminar mostra que, com pouquíssimas exceções, como as nações sul-africanas, que apresentaram uma pequena alta de 8,6%, houve queda nas vendas brasileiras, entre 2014 e 2015, para todos os mercados citados pelo novo ministro. Nos embarques para a China e os Estados Unidos, principais parceiros comerciais do Brasil, houve reduções de 12,3% e 10,9% em 2015, em relação ao ano anterior. Para a Índia - que tem um acordo de livre comércio com o Mercosul para cerca de mil itens - houve queda de 24%.
A lista de mercados não é nova. Serra vai trabalhar com os países já mapeados pelo governo anterior. Segundo uma fonte diplomática, "é uma questão matemática. Não dá para fugir da realidade". Além dos mercados citados pelo chanceler em seu discurso de posse, a área diplomática também tem em seu radar mercados que já firmaram ou estão em vias de firmar acordos com o Mercosul, entre os quais Israel, Palestina, Marrocos, Conselho de Cooperação do Golfo, Canadá, Paquistão, Jordânia, Turquia, Rússia, Austrália, Nova Zelândia, Cingapura e República da Coreia.
Sobre a África, Serra afirmou que a relação não poderá mais se restringir "a laços fraternos do passado e às correspondências culturais, mas, sobretudo, forjar parcerias concretas no presente e para o futuro". Ele levou essa mensagem às autoridades de Cabo Verde, em sua segunda visita oficial. "É claro que queremos vender mais para os africanos. A região está em desenvolvimento", disse um graduado embaixador brasileiro.
Em países como Argentina, Colômbia e Chile, economistas locais acreditam que existe espaço nos respectivos mercados para ampliar a presença de produtos brasileiros. No entanto, nos três casos, os analistas alertaram que, para intensificar o comércio entre o Brasil e seus países, é necessário que todos reativem suas economias e saiam da etapa de desaceleração e, no caso da Argentina, recessão em que estão mergulhados.
Em sua recente visita a Buenos Aires, Serra conversou com autoridades locais sobre a necessidade, para ambos os países, de interromper a tendência decrescente do comércio bilateral. Brasil e Argentina atravessam uma delicada crise econômica e, enquanto isso não for superado, opinou o economista Dante Sica, diretor da empresa de consultoria argentina Abeceb, será difícil devolver o vigor perdido ao comércio entre os dois países.
Em 2011, de acordo com dados da Abeceb, o intercâmbio comercial entre os dois principais sócios do Mercosul atingiu US$ 39,6 bilhões. No ano passado, o montante caiu para US$ 23,083 bilhões, uma retração de 42%. A Argentina continua sendo um importante sócio comercial para o Brasil, mas a relação entre ambos passa por um momento difícil em termos comerciais. "O Brasil quer a mesma coisa que nós queremos, fortalecer nossas exportações. Mas, para isso, ambos precisam crescer", afirma Sica.
O economista acredita que a mudança de governo na Argentina favorecerá o comércio entre os países da região. "O governo Macri promove uma maior abertura da economia e aplica uma política comercial compatível com as normas da Organização Mundial de Comércio (OMC)", aponta. Já os governos Kirchner, lembrou o economista, não priorizaram negociações comerciais, e sim interesses políticos. "O que preocupa atualmente os empresários argentinos é a dificuldade de acesso ao mercado brasileiro", assegura Sica.
No caso da Colômbia, o comércio bilateral é bem menor. Hoje, o Brasil representa apenas 4,5% das importações que entram anualmente ao mercado colombiano, percentual que, na visão do economista Ricardo Avila, poderia crescer principalmente no setor automobilístico. "Existe a intenção entre os dois países de que a Colômbia importe até 20 mil automóveis por ano do Brasil, isso já foi conversado, mas ainda não saiu do papel."
Para Avila, o problema, até agora, era o custo dos produtos brasileiros, muito alto. "Hoje, vejo como isso poderia melhorar. Nossos principais sócios na região são México, Equador e Chile. O potencial no caso do Brasil é enorme, principalmente para a compra de manufaturas e automóveis." Ele destacou, como Sica, a desaceleração da economia como principal obstáculo para que o governo interino de Michel Temer consiga ampliar a presença do Brasil no mercado local.
Venezuela deve ser isolada dos acordos
O governo do presidente interino Michel Temer tem como nova orientação de política externa isolar a Venezuela nas negociações de acordos comerciais entre o Mercosul e outros mercados. Temer conta com o apoio do presidente argentino, Maurício Macri, que recebeu, há cerca de 10 dias, em Buenos Aires, o ministro das Relações Exteriores, José Serra. O ministro trata do assunto com o chanceler do Paraguai, Eladio Loizaga. "Serra quer tentar trazer o Mercosul para o Brasil e depois isolar a Venezuela, já que tem a Argentina por perto. A gente se entenderia com Argentina, Uruguai e Paraguai. A Argentina de Cristina Kirchner (ex-presidente argentina) sempre atrasou as negociações", afirmou um diplomata.
A avaliação interna é que a Venezuela passou a ser um vizinho incômodo e tem usado o Mercosul apenas para disseminação de propaganda ideológica, já que as exportações do país são basicamente de petróleo. A tendência agora é fazer justamente o caminho contrário: voltar a negociar com os Estados Unidos sem amarras ideológicas e, enfim, fechar um acordo com a União Europeia.
Essa nova linha de ação não afeta a Resolução nº 32 do bloco, que proíbe que os membros plenos do Mercosul negociem acordos de livre comércio em separado. Um dos motivos é que a Venezuela ainda não se adequou totalmente às regras do bloco. Essa é a mesma interpretação do vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves. "A Venezuela não está preparada para negociar um acordo comercial com os demais membros do Mercosul. Ela é mais um membro político do bloco. Entrou para o Mercosul, porque o então presidente Hugo Chávez queria se projetar", analisa Castro Neves.
Deixar de lado os venezuelanos não é tão difícil assim, disse uma fonte. A Venezuela já está de fora no acordo entre Mercosul e Israel e atua como observadora nas negociações entre o bloco sul-americano e a União Europeia. Nos bastidores, o governo brasileiro conta, ainda, com a ajuda do Uruguai. A expectativa do Brasil é que os uruguaios apresentem uma proposta de flexibilização da resolução na próxima reunião do Mercosul, em meados deste ano. O governo paraguaio, que recebeu bem o governo Temer, também deverá ajudar.
O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Mauro Laviola, confirma a expectativa do mercado por uma mudança. Conta, inclusive, que há estudos para defender a não validade jurídica da resolução, que não foi internalizada pelo bloco econômico. "Tecnicamente, é possível fazer. Não é difícil encontrar arranjos. O problema é uma saída política", afirma ele.
Sem romper de forma explícita a ponte diplomática, Temer mostra, com gestos claros, a indisposição com o governo de Nicolás Maduro. Na última quarta-feira, o presidente interino enviou como seu representante às comemorações dos 50 anos de independência da Guiana Inglesa o ministro Sergio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional), que é general do Exército. A escolha, segundo um auxiliar presidencial, foi cuidadosamente pensada. Primeiro, era importante marcar presença do Brasil num evento que parece tão insignificante. No entanto, o fato de Temer mandar um representante demonstra claramente seu lado a favor da Guiana e contra a Venezuela na disputa histórica por terras que os dois países travam. Há mais de 100 anos, a Venezuela reivindica quase dois terços do território da Guiana Inglesa.
Estados Unidos podem facilitar contatos bilaterais
Para Cassia Carvalho, diretora executiva do Conselho Empresarial Brasil-EUA, da Câmara Americana de Comércio (Amcham), uma visão mais pragmática do novo governo poderá acelerar as negociações bilaterais.
Como estão as relações entre Brasil e Estados Unidos?
Cassia Carvalho - As autoridades brasileiras e americanas têm trabalhado em estreita colaboração sobre questões de facilitação do comércio. Um dos exemplos é ter um sistema único para questões aduaneiras. Há outras formas de cooperação em áreas como propriedade intelectual, normas e avaliação da conformidade, estatísticas comerciais, coerência e convergência regulamentares.
Quais são os principais obstáculos para aumentar o comércio bilateral?
Cassia - Vemos uma grande mudança na política de comércio na administração de Michel Temer. Ele anunciou sua intenção de solidificar a relação do Brasil com os EUA. Os principais obstáculos hoje são o chamado custo Brasil e certas exigências de conteúdo local. O País também precisa ser mais atraente para investimento em infraestrutura.
Que setores podem se beneficiar da intensificação das relações Brasil-EUA?
Cassia - Os setores industriais de ambos os países podem se beneficiar substancialmente. No caso do Brasil, os bens intermediários e de capital seriam beneficiados.
Quais os próximos passos?
Cassia - Mais investimentos de empresas americanas, certamente, virão com uma nova perspectiva sobre o investimento estrangeiro no Brasil.
Saldo comercial com a China segue positivo
O Brasil apresentou novamente maior saldo comercial positivo entre os parceiros com a China no acumulado do ano, seguindo movimento observado no primeiro quadrimestre. De janeiro a maio, o montante ficou em US$ 6,473 bilhões, ante déficit de US$ 687,394 milhões de igual período do ano passado. Outra vez, o resultado foi impulsionado pelas vendas da soja nacional ao mercado.
A oleaginosa adquirida pela China gerou receita para o Brasil de US$ 8,388 bilhões, alta de 26,59% ante os cinco primeiros meses de 2015. A participação da commodity nas exportações totais do Brasil à China, que somaram US$ 15,694 bilhões, foi de 53,45%. O segundo item brasileiro mais vendido aos chineses foi minério de ferro e seus concentrados, com receita de US$ 2,308 bilhões, queda de 5,83%, seguido de óleos brutos de petróleo, com cifra de US$ 1,260 bilhão, recuo de 28,50%.
Nas importações de produtos chineses pelo Brasil, que somaram US$ 9,221 bilhões no acumulado do ano até maio, o destaque ficou com plataformas de perfuração ou de exploração, com US$ 625,774 milhões, alta de 48,60%. Na sequência vieram circuitos impressos e outras partes de telefonia, com cifra de US$ 497,607 milhões, queda de 34,57% e partes e acessórios de máquinas automatizadas para processamento de dados, com US$ 275,986 milhões, recuo de 41,64%. Já Países Baixos (Holanda) foi o mercado com o qual o Brasil teve o segundo maior saldo comercial positivo de janeiro a maio, com receita de US$ 3,204 bilhões ante superávit de US$ 2,639 bilhões do mesmo período de 2015, mantendo a posição anterior.
Na pauta de exportações, tubos flexíveis (de ferro ou de aço), com receita de US$ 610,060 milhões, alta de 67,41%, continuaram sendo o principal item nacional vendido ao país. Destaque também para farelo e resíduos da extração de óleo de soja, com receita de US$ 520,178 milhões, avanço de 8,47%; e celulose, com US$ 358,007 milhões, aumento de 5%.
A Argentina também manteve o lugar de terceiro maior saldo positivo comercial com o Brasil, com US$ 1,872 bilhão nos cinco primeiros meses deste ano, ante US$ 684,034 milhões do mesmo período de 2015. A receita com exportação brasileira à Argentina aumentou 2,27%, para US$ 5,320 bilhões, puxada por automóveis de passageiros, com montante de US$ 1,363 bilhão, avanço de 45,71%. Na sequência ficaram veículos de carga, com US$ 367,124 milhões ( 26,24%); e partes e peças para veículos automóveis e tratores, com US$ 352,289 milhões (-34,55%).
Nas importações, automóveis de passageiros foram os produtos mais comprados pelo Brasil da Argentina, com US$ 567,578 milhões (-32,67%); seguido de veículos de carga, com US$ 551,192 milhões (-26,39%); e trigo em grãos, com US$ 276,521 milhões (-36,43%).