Michele Rolim
Desde a constituição da Terreira da Tribo, em 1984, a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz oferece oficinas teatrais gratuitas e abertas à comunidade. São atividades que o grupo considera tão importante quanto o teatro de rua e o teatro de vivência, outras que desenvolve.
Hoje, às 21h, o público poderá ver o resultado deste trabalho com Exercício cênico: outra tempestade, na Terreira da Tribo (Santos Dumont, 1.186), com entrada franca (senhas a partir das 20h30min). A encenação é o exercício final da oficina para formação de atores 2014/2015 da Escola de Teatro Popular da Terreira da Tribo e faz parte da programação da Mostra Ói Nóis Aqui Traveiz: Jogos de Aprendizagem 2016. A temporada segue até 30 de janeiro, diariamente, com exceção de domingo.
Com texto da dramaturga e crítica Raquel Carrió e da diretora teatral Flora Lauten, ambas de nacionalidade cubana pertencentes ao coletivo Teatro Buendía, o espetáculo narra a história dos encontros, imaginários ou sonhados, entre personagens shakespearianos e figuras da mitologia africana na América Latina.
Exercício cênico tem coordenação de Tânia Farias, Paulo Flores e Clélio Cardoso, e traz no elenco os oficinandos Adriano Donin Neto, Arthur Haag, Bruno Cunha, Cecé Pereira, Dal Vanso, Daniel Steil, Francisco de los Santos, Jon Ferreira, Júlia Marchant, Júlio Kaczam, Liana Alice, Lucas Gheller, Karina Rocca, Keter Velho e Natália Meneguzzi. A oficina para formação de atores é um dos braços da Escola de Teatro Popular (também há a oficina de teatro de rua - arte e política e a oficina de teatro livre), que começou em 2000 unindo teoria e prática.
Durante 18 meses, os alunos assistem a diversas disciplinas, como Interpretação, Improvisação, Expressão corporal, Expressão vocal, História do Teatro Brasileiro, Teoria e História do Teatro Ocidental e História do pensamento político. A escola é totalmente gratuita e oferece 25 vagas, mediante seleção que envolve questionário, audição e entrevista.
Segundo Tânia Farias, a ideia é formar atuadores - maneira como os integrantes do Ói Nóis se autodenominam e que significa um ator engajado politicamente. "Elegemos como disciplina necessária a história. Para construção da ideia de atuador não dá para fazer uma texto sem historicizar, sem compreender o que está dizendo, já que entendemos que, toda vez que se entra em cena, defendemos algo", relata Tânia.
O perfil dos alunos que frequentam a escola é muito diverso. São pessoas de diferentes idades, escolaridade e renda. "Vim de um bairro pobre e posso dizer que tinha pensamentos arcaicos. Tive que desconstruir muitos para ser um ator pensante, que é o principal fundamento da Terreira. A escola mudou minha maneira de pensar e refletir sobre as coisas", diz Júlia Marchant, 20 anos, que mora na Restinga. A Terreira foi o seu primeiro contato com o teatro, apesar de já sonhar ser atriz, por conta da televisão. Diferentemente de Júlia, Francisco de los Santos, 42 anos, tem uma trajetória de mais de 10 anos como ator de teatro. "Foi sensacional a troca, eu tinha muito teatro na prática, mas pouca coisa de leitura", afirma Santos.
Vários alunos também acabam saindo desse curso e formando seus próprios grupos, como o Grupo Jogo, de Alexandre Dill, e o Neelic, de Desirée Pessoa. "Existe uma semente que foi plantada, ela jamais vai deixar de existir", completa Bruno Cunha, 24 anos, um dos oficinandos que pretende seguir desenvolvendo trabalhos como ator.
Também faz parte do projeto artístico pedagógico o Teatro como instrumento de discussão social, que leva as oficinas até os bairros populares da cidade. Paulo Flores, fundador da Tribo, lembra que foi este projeto que estimulou a criação no início dos anos 1990 do programa de Descentralização da Cultura, da Secretaria Municipal de Cultura, que teve como eixo fundamental as oficinas de teatro.
Tanto a Escola de teatro popular quanto o Teatro como instrumento de discussão social representam o projeto estético-ideológico da Tribo. "O Ói Nóis forma os seus próprios atores o tempo inteiro e atores para a cidade", lembra Tânia, salientando que todos os integrantes do grupo, com exceção de Paulo Flores, são oriundos de uma oficina do grupo. "Estamos, todos, em constante aprendizado", completa a atuadora.